Água, crescimento e preservação ambiental

Data: 03/06/2014

Leonardo Dutra


Muitas empresas ainda não identificam a água como um risco para os seus negócios, nem possuem dados confiáveis sobre o uso da água em sua cadeia de valor. No entanto, com um mercado cada vez mais interdependente, é preciso avaliar se os modelos de gestão atual são capazes de capturar e controlar estes riscos. A necessidade de se avaliar riscos e buscar eficiência se torna ainda mais urgente diante das notícias de um possível racionamento de água em São Paulo. Devido à estiagem que vem atingindo o Estado, o sistema Cantareira, que abastece parte expressiva da capital, tem o pior nível de águas desde que foi criado, em 1970. Trata-se de sobrevivência, nossa e de nossas organizações.

Nesse cenário, grandes grupos empresariais serão impactados significativamente, dada a extensão de suas operações e de suas cadeias de valor, que os expõem ainda mais. Setores como agricultura, mineração, bebidas, energia e farmacêutico, que utilizam água de forma mais intensa, terão papel crucial neste novo cenário, com a adaptação de suas estratégias e formas de gestão, criando referências para a geração de valor para o ambiente econômico. Se de um lado as políticas públicas falham, de outro é preciso que a iniciativa privada insira as questões ambientais nos modelos de negócio.

Além disso, é necessário entender a relação entre equilíbrio do ecossistema e crescimento econômico. Cadeia de produção agrícola, geração de energia, disponibilidade hídrica, resíduos sólidos, dentre outros, são fatores intimamente ligados e que interferem diretamente na economia. A água, por exemplo, é um ativo ambiental que nos proporciona geração de riqueza por meio de seu uso. Mas, em contrapartida, devolve-se ao meio ambiente o passivo de tê-la utilizado. O modelo econômico atual sempre dispôs dos ativos ambientais de maneira desordenada e a percepção de riscos iminentes só começou a ganhar corpo com os cenários de finitude desses ativos.

A eficiência no uso de recursos naturais e resiliência dos ecossistemas já estão sendo vistos como fatores que afetam efetivamente a capacidade da empresa de competir. Assim, já pode ser vista a mudança do discurso das organizações, de mera responsabilidade corporativa para a redução e mitigação de riscos como eventos climáticos extremos, futura legislação ambiental, interrupções na cadeia de abastecimento, e tantos outros. Entender qual a relação entre geração de valor para o negócio e uso dos recursos hídricos é fundamental. Os modelos de negócio clássicos utilizam premissas para projeção de receita que não consideram com amplitude as questões ambientais e, ao fazê-lo, subtraem das análises uma série de externalidades que podem tanto agregar valor como deteriorá-lo.

Pesquisa realizada em 2011 pelo Carbon Disclosure Project (CDP) constatou que cerca de metade das 190 empresas pesquisadas não veem a água como um fator de risco para a continuidade de suas atividades.

Na maioria das vezes, essa relação entre crescimento econômico e meio ambiente passa despercebida - especialmente devido à separação entre os dois termos no atual modelo econômico. Na agricultura, a cadeia de produção envolve o uso consciente da terra, incluindo questões de áreas preservadas e nossas compras do mês estão ligadas aos resíduos urbanos. Fato é que tudo o que é produzido e consumido tem um componente e um custo ambiental, que muitas vezes vem cobrar a fatura.

No fim de março, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) divulgou relatório que avalia a vulnerabilidade dos sistemas econômicos e naturais frente às mudanças no clima. O documento, que faz clara associação entre equilíbrio dos ecossistemas e economia, destaca como desafio para a América do Sul a menor produção alimentar e de menor qualidade, cujo risco aumenta caso as temperaturas subam acima dos 2º C. Nesse caso, uma alternativa seria desenvolver cultivos resistentes à seca. Ou seja, adaptação econômica às questões ambientais é o termo-chave para lidar com o problema.

Em 2011, no Fórum Econômico Mundial, relatório destacou que a agricultura consome atualmente cerca de 3 trilhões de litros de água, cerca de 70% do total. O uso industrial corresponde a 16% e projeta-se que suba para 22% em 2030. Para a agricultura, considerando a eficiência (ou falta dela) atual, o relatório aponta para um consumo de 4,5 trilhões de litros em 2030. Curiosamente, o estudo indica que o uso doméstico cairá de 14% para 12% até 2030, porém, em áreas específicas, como os mercados emergentes, haverá crescimento do consumo doméstico.

De acordo com os dados do Atlas do Espaço Rural Brasileiro do IBGE, a produção nacional de água doce representa 53% da América do Sul e 12% do total mundial. Cerca de 80% dos recursos hídricos disponíveis no Brasil estão distribuídos entre as bacias hidrográficas de menor densidade demográfica, enquanto as regiões mais densamente urbanizadas detêm somente 12% dos recursos hídricos, abrigando 54% da população total.

Os níveis de desperdício chegaram a quase um trilhão de litros de água (corresponde a 32,1% do volume distribuído) no Estado de São Paulo em 2012, de acordo com os dados mais recentes da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado (Arsesp). A média nacional é de 38,8%.

Nossa Política Nacional de Recursos Hídricos é de janeiro de 1997 e em seu artigo 19, inciso I, afirma que a cobrança pelo uso de recursos hídricos tem como objetivo "reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor". Considerando que as taxas de desperdício superam 30% no Brasil, certamente os recursos hídricos não têm seu real valor reconhecido, ainda mais quando constatamos que tal valor foi mencionado em uma política com mais de 17 anos. É preciso que governos, sociedade e empresas compreendam esse valor e adaptem suas práticas para que a disponibilidade de água seja garantida à atual e para as próximas gerações.

Leonardo Dutra é diretor de consultoria em sustentabilidade da EY (antiga Ernst & Young)

(Valor Econômico)


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