Novos formatos para ver o mundo e a vida
por Washington Novaes*
Não é uma proposta de ambientalista radical, ativista político, esquerdista militante, é do próprio presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, no recente Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça: as emissões de dióxido de carbono ameaçam comprometer os avanços do desenvolvimento econômico nas duas últimas décadas; governos, corporações de negócios e empresas deveriam cancelar seu provimento de recursos para empresas de petróleo, gás e carvão, além de apoiar a criação de tributos para essas áreas; também será preciso obrigar esses setores a revelar seu nível de contribuição para os impactos climáticos.
Isso ocorre no momento em que a Tunísia aprova em seu Parlamento a decisão de incluir na Constituição o compromisso de contribuir para o enfrentamento das mudanças do clima e para proteção às futuras gerações tal como já fora feito no Equador e na República Dominicana. Já a Costa Rica apresentou em Varsóvia (Polônia), na reunião da Convenção do Clima, um plano para mitigação de mudanças climáticas que incluiria a implantação de um banco (BanCO2) para comprar e vender créditos de carbono, de modo a estimular empresas a reduzirem emissões. Tudo na mesma Costa Rica que desde a década de 1980 trabalha para ampliar suas áreas florestais (já passou de 20% para 50% do seu território).
O mundo muda? Está mudando e precisa mudar. Até mesmo na adoção de critérios para avaliar o que é e o que não é desenvolvimento neste momento em que aqui quase só se discute o crescimento ou retrocesso do produto interno bruto (PIB), aumento do poder aquisitivo da nova classe C, etc. discussões já espicaçadas pela campanha eleitoral que começa. Como demonstram vários estudos que estão vindo à luz, precisamos chegar a critérios mais modernos de desenvolvimento abrangendo áreas como habitação, emprego e desemprego, serviços sociais e outros.
Pode-se começar com o novo estudo de Robert Constanza e Ida Kubiszewski, ambos na Universidade Nacional da Austrália (Nature, janeiro de 2014). Robert Constanza, que é argentino, ficou muito conhecido já no início da década de 1990, quando, na Universidade da Califórnia, publicou estudo que mostrava a insuficiência do critério de crescimento do produto interno bruto para avaliar o desenvolvimento; seria indispensável agregar a esses números também os dos chamados fatores ambientais. Porque, citando Robert F. Kennedy, o PIB inclui tudo, exceto o que faz a vida valer a pena. Constanza já avaliava, então, que só o valor da biodiversidade seria em um ano equivalente a três vezes o produto nacional bruto (PNB) anual no mundo.
O critério do produto bruto, dizem Constanza e sua parceira, nasceu nas décadas de 1930 e 1940, em meio à Grande Depressão econômica e à 2.ª Guerra Mundial quando o próprio criador do método, Simon Kuznets, já advertia que não se deve igualar crescimento com bem-estar. Porque o produto bruto só se volta para transações de mercado e ignora as áreas sociais e ambientais, assim como as desigualdades de renda.
Segundo Robert Constanza e Ida Kubiazewski, a chance de destronar o produto bruto como critério dominante já parece à vista, porque no ano que vem a ONU deverá anunciar as Metas do Desenvolvimento Sustentável, que definirão e incluirão o bem-estar social como modelo de avaliação e como chegar a ele. Isso incluiria o emprego e a perda do capital natural. Na verdade, pensam eles, o critério do produto bruto até estimula a desigualdade social, a instabilidade ambiental, fecha os olhos para a possibilidade de um modelo sustentável de desenvolvimento. Enquanto isso, até taxas de crimes e violência podem melhorar índices econômicos com gastos em seguros, por exemplo; ou a reparação de desastres ambientais, como furacões ou vazamentos de petróleo no mar e os investimentos em reconstrução.
As avaliações com base na economia precisam ser capazes de medir também fatores sociais e ambientais; o bem-estar (por meio de pesquisas de opinião entre as populações); e indicadores compostos, para as áreas de habitação, expectativa de vida, tempo para lazer, a possibilidades de engajamento em atividades democráticas. Um dos exemplos é o Indicador de Progresso Genuíno (GPI), que calcula gastos com consumo pessoal, incluindo ou subtraindo valores como trabalho voluntário, custos de divórcios, poluição e violência. Também a distribuição da renda é avaliada lembrando que um dólar em lazer para pessoas de baixa renda pode significar mais que um dólar para a renda de uma pessoa rica.
Um estudo de 2013, comparando o PIB e o GPI em 17 países, com metade da população mundial, evidencia fortes diferenças, diz Constanza. E os novos critérios já começam a espalhar-se pelo mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, dois Estados (Vermont e Maryland) já adotaram o GPI como seu indicador de desenvolvimento e começam a aplicar políticas com base neles. Outro exemplo é o do Butão, país que avalia a satisfação de seus habitantes em nove áreas, que incluem bem-estar psicológico, padrões de vida, governança, saúde, educação, atividade comunitária, diversidade cultural, uso do tempo, diversidade biológica. Outra possibilidade ainda é a do Happy Planet Index (New Economics Foundation), que multiplica o bem-estar pela expectativa de vida e divide o resultado pelo impacto ambiental.
Resta ver, então, o que advirá com as Metas do Desenvolvimento Sustentável. Caminhará o mundo para mudar esse quadro, em que 85 pessoas detêm 46% de toda a riqueza produzida no planeta (Oxfam, 20/1)? E que fará diante do diagnóstico do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o Pnuma (24/1), de que o planeta pode perder uma área equivalente à do território brasileiro se os atuais padrões de uso da terra forem mantidos, ou seja, 849 milhões de hectares, até 2050? Só mesmo com novos padrões de avaliação e novas regras.
* Washington Novaes é jornalista.
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.
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