Uma questão de sobrevivência tecnológica

Data: 30/01/2014

Priscila Rohem dos Santos


Para quem é pesquisador, produz conhecimento científico e tecnológico, desenvolve tecnologia, introduz melhorias em processos ou produtos e, além de tudo, deseja alcançar uma posição competitiva, a propriedade intelectual pode fazer a diferença neste caso. É por meio da garantia dos direitos de propriedade industrial (PI), quer sejam marcas, desenhos industriais, patentes, proteção de programa de computador ou formas sui generis de proteção - como a proteção de cultivares, usada no caso do agronegócio, por exemplo -, ou seja, é por meio de um portifólio de direitos de PI que outros buscarão fazer negócios com quem o possui

Para quem produz o conhecimento não é interessante, na maior parte das vezes deixá-lo indisponível aos demais, mas ao contrário, fazer com que as melhorias cheguem ao alcance de grande parte da sociedade. Com a garantia da proteção dos direitos - a patente concede ao titular direito de excluir terceiros de explorar sem seu consentimento durante determinado período de tempo, de no mínimo 20 anos da data do depósito do pedido -, nada mais justo do que receber algum tipo de vantagem competitiva pela sua primazia do posicionamento naquele patamar de fronteira do conhecimento, em troca da disponibilização da sua invenção. É importante que se diga que esta informação deve ser suficientemente descrita, e nunca é demais lembrar que o direito concedido pela patente é territorial. O documento de patente carrega informação jurídica. Por meio dele é possível, por exemplo, obter um instrumento concreto com o qual é possível negociar contratos de licenciamento de tecnologia.

Do mesmo modo, é pouco provável pensar na geração de inovação sem consultar previamente ao menos uma base de dados de patentes, que concentra grande parte de divulgação de tecnologias que não pode ser encontrada em outras fontes, sendo disponibilizada única e exclusivamente por meio do sistema de propriedade industrial. Há uma referência da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI/WIPO) que relata que mais de 70% de toda a informação técnica está descrita exclusivamente em documentos de patente. O documento de patente consiste em uma fonte de informação tecnológica. Neste sentido, os dados que se encontram no documento de patente são uniformizados e numerados de acordo com a padronização proposta pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI/WIPO), com sede em Genebra na Suíça. A padronização mencionada facilita a recuperação de documentos de patente de interesse, com base na sua classificação, depositante (applicant), data ou mesmo como o auxílio de termos (palavras chave) no título ou no resumo. A busca quando feita antecipadamente ao desenvolvimento, permite conhecer o estado da técnica antes mesmo de envidar os esforços necessários e empregar montantes de recursos financeiros.

Atualmente sítios na internet como o do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) - o escritório brasileiro de marcas e patentes, autarquia federal do poder executivo brasileiro com a responsabilidade de fazer cumprir a lei nº 9279/1996 que regula o tema e, assim conceder estes direitos de propriedade, ou monopólios temporários ao depositante em troca da divulgação das tecnologias - o Espacenet, site de buscas disponibilizado pelo Escritório Europeu de Patentes (EPO) e o Patentscope, disponibilizado pelo Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI/WIPO) disponibilizam esta informação gratuitamente. O nível de disponibilização aumentou tanto nos últimos anos que até mesmo o tão conhecido Google lançou o google patents, com a facilidade adicional da ferramenta de tradução. É possível fazer buscas em casa ou no escritório.

No Reino Unido, por exemplo, o conhecimento sobre PI é tão disseminado que as bibliotecas públicas estão aptas a fornecer orientação gratuita especializada e serviço de aconselhamento para realizar pesquisas on-line em banco de dados de patentes gratuito.

Para aprender a buscar nas bases de dados de patentes, é recomendável que um usuário iniciante entenda as bases da classificação das tecnologias por meio da Classificação Internacional de Patentes (CIP/IPC) e a lógica de busca usando operadores boleanos (and, or, not), além da possibilidade do uso de truncagens, com caracteres específicos que variam de uma base para outra. Para isso, é necessário ler o tutorial de cada uma das bases.

Para verificar se uma invenção é de fato nova, embora seja perfeitamente possível pagar alguém para fazer isso, o serviço é disponibilizado pelo próprio órgão responsável. No caso do Brasil, o INPI por meio do Centro de Disseminação da Informação Tecnológica (CEDIN) atende presencialmente ou por buscas enviadas por e-mail ou fax e a um custo acessível.

No Brasil, o INPI por meio da atualmente denominada Diretoria de Cooperação para o Desenvolvimento deu início a um amplo programa de capacitação de parceiros, em sua maioria Universidades públicas. Este plano teve início em função da necessidade de capacitação nos Núcleos de Informação Tecnológica (NITs) destas instituições, criados com a Lei de Inovação (Lei nº 10.973/2004). O programa foi expandido atendendo ao sistema IEL/SENAI. O INPI já atuou também na divulgação do Sistema de PI em muitos eventos nacionais seja por meio de palestras ministradas por servidores da instituição, seja em stands.

Outra atividade a que INPI se dedica e que completará trinta anos em 2015 é o chamado Programa de Fornecimento de Informação Tecnológica (PROFINT), no qual o INPI presta serviço de monitoramento de um determinado setor, atendendo a instituições públicas ou privadas por meio de um contrato de prestação de serviços.

De qualquer modo, antes de depositar um pedido de patente é aconselhável que o interessado se informe sobre o assunto. Por ser um tema complexo, alguns optam por deixá-lo de lado, porém é muito importante que este aspecto seja considerado no início de um processo com potencial de gerar invenções.

A informação de patentes ajuda a balizar as decisões de uma empresa, instituição, governo de um país, de modo que é importante considerar a informação levantada no sistema de patentes para que não sejam desperdiçados recursos financeiros no desenvolvimento de algo que já está protegido. Assim, com subsídios empiricamente comprovados pelo monitoramento patentário, é possível planejar melhores decisões de investimento, de aplicação dos recursos públicos e de estratégias de trajetória tecnológica das empresas.

Além disso, se em uma busca no sentido de determinar a liberdade de atuação ou no termo em inglês "freedom to operate" (FTO), que considera a busca por famílias de patentes e pedidos de patente equivalentes for verificado que o caminho está livre, ou seja, que não está infringindo direitos de terceiros, é legítimo o direito de explorar no território livre de proteção aquela tecnologia. É raro, porém não é impossível encontrar o caminho livre. Basta saber o que procurar e onde procurar. Ainda que o caminho não esteja livre, a busca prévia pode auxiliar na identificação de possíveis parceiros para desenvolvimento conjunto.

Uma vez que algo é de conhecimento público, não pode ser patenteado - o que significa que é preciso educar/capacitar as equipes técnicas e jurídicas sobre o assunto. Usar indevidamente algo protegido pode levar o caso à justiça e é óbvio que para que tenham seus direitos respeitados, valorizados e protegidos, as grandes corporações investem bastante neste sentido.

É preciso continuar se movendo no jogo. As patentes fornecem um monopólio legal, mas que expira depois de 20 anos. É necessário continuar fazendo pesquisa, refinar a tecnologia e torná-la melhor. Isso é o que se chama de "inventing around". Algumas vezes as pessoas pensam que porque não vale a pena patentear, mas simplesmente não é o caso, já que as melhorias incrementais de produtos e processos podem agregar valor econômico significativo. Patentes podem agregar valor ao negócio real, e vantagem competitiva real. No entanto se esse valor não for considerado, consequências negativas podem advir dessa decisão.

Se os produtos tornam-se mais difíceis de proteger, a oportunidade está cada vez mais caminhando para o processo, como fabricar a baixo custo ou ainda promover a fabricação de alta qualidade/alto rendimento e a aplicação de tecnologias específicas. Algumas empresas podem criar incentivos pagos aos empregados para desenhar algo patenteável, como recompensa da administração para incentivar a equipe de P&D no alcance desta meta. Isto é uma prática bastante comum entre as grandes empresas no hemisfério norte. Mas não é algo normalmente estabelecido em empresas menores e nem no heminsfério sul.

Alguma confusão parece emergir de dúvidas sobre o que exatamente pode ser patenteado ou protegido. Aliado a isso há algumas diferenças internacionais nos sistemas jurídicos de cada país, que possuem certa independência nestas definições; ainda que as definições mínimas sejam balizadas pelo maior acordo internacional da área denominado "Acordo sobre aspectos de direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio" (Trips/ADPIC), acordado no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC/WTO).

Para exemplificar, embora a lei de patentes americana permita a proteção para métodos de negócios, como a compra varejista em apenas um clique e o processo de carrinho de compras on-line, outros países não têm a mesma posição. Para muitos, os avanços patenteáveis devem também ser novos, criativos/inventivos e passíveis de aplicação industrial. Os países diferem entre si na forma como tratam código de software e os avanços em tecnologias da informação e comunicação (TICs) em geral.

O direito brasileiro se assemelha ao europeu em muitos aspectos, por exemplo, em relação ao tratamento da aplicação de tecnologias no corpo humano e à genética. Recentemente a patente da empresa Myriad Genetics foi revogada na suprema corte dos Estados Unidos. Isso aconteceu no país de "common law" que havia determinado que "anything under the Sun could be patented". Os royalties gerados pelas patentes da empresa nos anos de sua vigência permitiram à Myriad fazer avanços no diagnóstico de risco hereditário de mulheres para o câncer de mama e de ovário com base no estudo de presença de dois genes BRCA1 e BRCA2. Enquanto os padrões de aplicação da legislação de PI variam, a China está entrando em linha com a prática ocidental. Isso pode ser verificado observando-se a grande quantidade de depósitos de pedidos de patentes de chineses que a cada dia aparecem nas bases de dados gratuitas.

Alguns tendem a ver a propriedade intelectual como um mal necessário, e não como algo a ser valorizado, no sentido em que consideram o custo envolvido no sistema - valores pagos, anuidades, custos jurídicos; considerando longínqua a oportunidade de aproveitá-lo para gerar e assim fazer girar um ciclo virtuoso de inovação. Para mudar esta visão, acreditam que é preciso rever algumas posições estratégicas no campo político e, além disso, promover todo um arcabouço voltado para capacitação em uso efetivo do sistema de PI, além da disponibilização de montantes consideráveis de recursos financeiros a serem utilizados, mormente em favor da criação de condições para estabelecer áreas voltadas à pesquisa e desenvolvimento internamente no país, carente desta infraestrutura.

Por outro lado, a PI pode englobar os ativos mais valiosos de uma empresa de manufatura. Com os direitos de propriedade garantidos por uma patente, licença ou marca, em teoria existe um potencial de geração de renda e lucro na empresa. A evidência parece incontestável: enquanto alguns fabricantes investem quantias significativas na identificação e proteção da PI, muitos outros deixam o "prêmio" escapar por entre os dedos.

De fato, as patentes nem sempre são necessárias. Existem modelos de negócios e a possibilidade de gerar novos produtos utilizar os produtos e tecnologias "off-the-shelf", mas isso também pressupõe uma alta capacitação e conhecimento do sistema de propriedade industrial. Pode ser feita, por exemplo, uma compilação de peças, assegurando-se cuidadosamente da carência de proteção por propriedade industrial (PI), mas isto é algo que precisa ser construído ao longo de anos de pesquisa e desenvolvimento e sucessivas gerações de produtos, como exemplificado por Trevor Cross, diretor de tecnologia da E2V Technologies (Chelmsford, Essex) uma empresa de soluções eletroeletrônicas em uma entrevista em 2010 na Engineering and Technology Magazine (E&T). Este gestor acrescenta na mesma entrevista "Nos descrevem como uma empresa de alta tecnologia, o que significa que temos que pensar em como gerenciar, proteger e explorar a PI", disse Trevor.

Um grande estudioso foi Altshuller, que propôs a geração de soluções baseadas no que já está descrito. Sua técnica é denominada TRIZ, ou, em português, Teoria da Resolução de Problemas Inventivos. Esta abordagem vem se desenvolvendo mais recentemente, através de um interesse cada vez maior dos meios acadêmicos pela metodologia. Há diversas pesquisas em andamento envolvendo a organização da TRIZ como ciência e um número crescente de publicações relacionadas à TRIZ em congressos e artigos científicos. A aplicação de um algoritmo no sistema de patentes pode ajudar a encontrar estes padrões de soluções de problemas principalmente relacionados à Engenharia.

No momento de discussão sobre os rumos da educação de nível superior no Brasil, visando ao desenvolvimento tecnológico do país, é importante que se tenha em mente a importância de entender, desmistificar o tema da Propriedade Industrial considerando-se os aspectos positivos e negativos. Deste modo será possível pensar na utilização efetiva dos benefícios advindos deste conhecimento. Uma proposta neste sentido, é, por exemplo a divulgação de cursos "on line" referentes à propriedade industrial (DL-101) já disponíveis em português e sua ampla difusão nos cursos técnicos de nível médio e nos cursos de nível superior no país.

Notas e referências:
Os links dos sítios da internet para busca de patente citados são: ; ;


Mais informações sobre a busca de patentes (informação tecnológica) no link:

Para mais informações sobre o PROFINT acesse o link:


O curso on line em português DL-101 é uma parceria entre o INPI e a OMPI. Informações e inscrições podem ser feitas em:

Priscila Rohem dos Santos é Doutora em Políticas Públicas (PPED/Instituto de Economia/UFRJ), Mestre e Bacharel em Microbiologia (UFRJ) e Pesquisadora do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI)


Jornal da Ciência


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