Conservação da Natureza é parte dos Negócios

Data: 29/08/2013

Clóvis Borges, do Instituto CarbonoBrasil
Nós, os mais de sete bilhões de seres humanos, temos pela frente desafios que não podem mais ser enfrentados a partir de visões milagrosas que não se cumprem na prática. Equacionar nossa continuidade com algum bem estar, no lugar em que vivemos, já é uma demanda que não pode ser postergada para o futuro distante. Não há mais nenhuma dúvida de que, nas próximas poucas décadas, mudanças muito intensas serão obrigatoriamente impostas à sociedade global, estejamos melhor preparados para enfrentá-las ou não. Se ainda há quem considere estas afirmações alarmistas, assim é o jogo.
Sabemos que um elo fundamental para permitir que avancemos de maneira qualificada na busca de alternativas para nossa existência com qualidade neste mundo é a natureza. Um conjunto de riquezas finitas, também definida como biodiversidade, que depende de uma condição de utilização cada vez mais cuidadosa e responsável, para que continuemos explorando-a com sucesso. No entanto, um entendimento mais consistente sobre a importância em conciliar a conservação do patrimônio natural com o que buscamos como modelo adequado de desenvolvimento, reflete demonstrações ainda preponderantemente rasas, oferecidas pela sociedade.
Um discurso crescente sobre a “busca pela sustentabilidade” representa seguramente o maior movimento voltado às questões ambientais já ocorrido no planeta, e avança bastante sempre quando existe uma perspectiva de obtenção de resultados econômicos. Ou seja, novas tecnologias, utilização de sub-produtos de processos produtivos, otimização no uso de matérias primas e uma infinita linha de oportunidades, que só tendem a crescer, impulsionam nossa sociedade para uma mudança cada vez mais rápida em relação a racionalização do uso dos recursos naturais, a partir da tecnologia. Seria pouco razoável não reconhecer que estamos mudando muito neste particular.
No entanto é necessário considerar que quando um novo modelo tecnológico é oferecido, acompanha-o um discurso de consumo que não consegue um equilíbrio lógico com a tão valorizada “sustentabilidade”. Se os recursos naturais são finitos, se ainda nossa população está crescendo e se a busca por consumo é uma demanda retida por grande parte da sociedade que anseia em fazer parte dos que já estão num padrão considerado desejável, conciliar ou tornar “sustentável” este modelo de desenvolvimento em relação ao equilíbrio do planeta e sua biodiversidade, não parece ser um desafio factível a partir apenas deste viés tecnológico.
Além disto, há enorme quantidade de falácias nas promessas de evolução no campo ambiental anunciadas por produtos e serviços, que representam, muitas vezes, simplesmente um mecanismo comercial, sem qualquer relação confiável com resultados práticos e consistentes. Faz bom tempo para boa parte de nós, que um “produto ecológico ou sustentável”, vendido no mercado da esquina, suscita incredulidade, tal sagaz e sem controle conceitual adequado, acabou se tornando este mecanismo de usar a afirmação com os cuidados com o meio ambiente como incremento nos argumentos de venda.
Percebe-se um fenômeno bastante negativo, em que muita gente realmente não está tão interessada em fatos concretos, nem acredita, verdadeiramente, na possibilidade de colaborar em salvar o planeta. Crível ou não, o negócio pelo negócio já vale para quem produz. E a mentirinha do supermercado talvez arrefeça um pouco alguma dor de consciência do consumidor superficialmente interessado em fazer parte dos que são “a favor da natureza” .
Mesmo considerando que seja possível, mais à frente, uma harmonização real entre produção sustentável e consumo pretendido, corre por fora uma mal atendida demanda para o que representa nosso maior trunfo para enfrentar esta batalha – o patrimônio natural. É evidente que o conjunto dos avanços tecnológicos são um fator positivo. E que os desafios de aumento de consumo, mesmo largamente ignorados até aqui, podem ser melhor trabalhados. Mas o fato é que estamos perdendo de forma muito acelerada as nossas “reservas de natureza” em troca da manutenção de práticas ordinárias e desqualificadas, que contrariam frontalmente esta nova tendência de sustentabilidade de que tanto ouvimos falar, colocando em sério risco, quaisquer avanços que possamos contabilizar em outras frentes. O que falta entender melhor é que, isoladamente, estes fatores não são viáveis e não atingirão seus objetivos.
Aqui no Paraná damos mostras de nosso atraso vergonhoso, por exemplo, liderando politicamente as mudanças do Código Florestal Brasileiro, contrárias à vontade popular e uma antítese da sustentabilidade em todos os sentidos. Também garantimos a existência de uma gestão pública pífia e corrompida no que se refere à proteção de áreas naturais, politicamente interessada apenas em garantir novos empreendimentos econômicos, e mantendo a condição de inépcia da proteção ao patrimônio natural do Estado. Limitam-se a prometer avanços, mas sem cumpri-los minimamente, numa tática de iludir com comunicação enganosa, aproveitando-se sorrateiramente do insuficiente crivo da opinião pública.
Talvez a maior simbologia atual de visão retrógrada e profundamente incompatível com qualquer argumento de racionalidade, seja a discussão politiqueira que ressuscita das cinzas uma ameaça criminosa ao Parque Nacional do Iguaçu, que representa apenas 1% do território do Estado do Paraná e é a única área significativa preservada no planalto paranaense. Quantas centenas de estradas foram abertas até aqui em nome do desenvolvimento nesta região, quase inteiramente destruída em nome do desenvolvimento?
E, agora, ainda precisamos de mais uma estrada, “fundamental para o desenvolvimento econômico regional”, justamente cruzando ao meio nosso maior patrimônio natural? E ainda há quem queira discutir este assunto…O grande negócio em jogo, neste caso, é a conservação da biodiversidade e seu valor econômico para toda a região, tanto nos aspectos de proteção do Parque Nacional do Iguaçu como na geração de divisas cada vez maiores, a partir do turismo. No mais, politicagem da pior qualidade, que nos assalta de maneira violenta e lamentável.
Realmente ainda não chegamos, como sociedade, ao nível mais primário do que venha a ser perseguir a tal da “sustentabilidade”. Mas somos nós, os paranaenses atuais, que temos que avançar com algum protagonismo que ajude a humanidade a sair da enrascada em que se meteu, a despeito de sermos os representantes desta terrinha de heróis colonizadores do passado, cujas práticas insustentáveis continuam dando as cartas para a construção do nosso futuro, há muito fora de contexto com a realidade e da dimensão de nossos desafios.
*Clóvis Borges é diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental.
(Instituto CarbonoBrasil)


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