Ciência brasileira estreia no financiamento coletivo

Data: 27/05/2013

O crowdfunding (financiamento coletivo, em uma tradução livre) acaba de fazer sua estreia no meio científico brasileiro e pode se tornar uma opção mais informal de micro crédito para projetos de pesquisa. No site de arrecadação Catarse que reúne vários projetos, na maioria opções culturais, uma proposta destoava da lista: o genoma do mexilhão dourado (Limnoperna fortunei). Idealizado por Mauro Rebelo, chefe do Laboratório de Biologia Molecular Ambiental da UFRJ, a pesquisa é liderada por sua aluna de doutorado Marcela Uliano e tem como objetivo arrecadar R$ 40 mil para financiar o sequenciamento e análise do DNA do molusco, uma espécie invasora que ameaça o equilíbrio e biodiversidade dos rios e reservatórios de água doce brasileiros.

Para o administrador Paulo José Resende, assessor da presidência da FINEP - Financiadora de Estudos e Projetos, o leque de possibilidades do crowdfunding é gigantesco e com muitas vantagens para os projetos científicos. "Quando você lida com uma agência tradicional, há toda uma série de formalidades para se cumprir antes e depois do financiamento. No crowdfunding, a formalidade é muito menor, e você tem a capacidade de vender o seu projeto, sensibilizar as pessoas e atrair adeptos. O que não acontece com as agências tradicionais", compara Resende, que se define como um grande entusiasta do modelo. "Já fui contribuinte compulsivo, apoiei vários projetos de curtas-metragens a livros", lembra.

Segundo Resende, a modalidade tem tudo para ganhar mais visibilidade no Brasil. "Qualquer fundação de amparo tem limites operacionais, o que não acontece no crowdfunding. Quantos outros projetos e ideias estão por aí esperando uma forma de financiamento. Se esse modelo for bem divulgado e bem trabalhado pode se tornar uma opção de micro crédito para a ciência", aposta.

Ainda de acordo com ele esse financiamento coletivo seria uma versão mais sofisticada da "vaquinha", mas com mais potencial. "Como esse instrumento pode financiar projetos de qualquer natureza, inclusive científicos, isso possibilita uma gama enorme de colaboradores e massifica a contribuição", analisa Resende.

Opção criativa - Para Mauro Rebelo, os cientistas sempre tiveram de ser criativos para obter financiamento. "No século XIX Anton Dohrn criou um aquário para sustentar a pesquisa na estação zoológica de Napoles, Carlos Chagas Filho buscava nos seus contatos na alta sociedade bolsas de estudo para mandar estudantes aprenderem as últimas novidades em técnicas na França. Ultimamente ficamos escravos das agências de fomento e acho ótimo que os novos pesquisadores estejam sendo criativos novamente", disse o chefe do Laboratório de Biologia Molecular Ambiental da UFRJ. Ainda segundo ele, o crowdfunding tem sido uma fonte importante de financiamento para projetos culturais e ele acredita que a ciência, se for bem comunicada, também tem grande apelo popular.

Rebelo é otimista quanto ao uso dessa modalidade de financiamento pelos cientistas brasileiros. "Sei que as iniciativas isoladas estão aparecendo, mas não conheço os pesquisadores. Nossa iniciativa foi tão bem sucedida que o Catarse vai abrir um canal específico para projetos de biotecnologia inovadores, com curadoria externa da empresa de Biotecnologia Bio Bureau", comemora.

Apoiadores premiados - Em entrevista para o Jornal O Globo, Marcela Uliano disse que embora o crowdfunding científico seja uma prática comum em vários países, esta é a primeira tentativa conhecida de levantar recursos para pesquisas do tipo com este método no Brasil. Até o dia 24/5, faltando 18 dias para o fim do prazo de arrecadação para o projeto, no site http://catarse.me/pt/genoma, ela conseguiu obter R$ 15.777 de 204 apoiadores, que dependendo do valor doado poderão ver seu nome batizando proteínas, genes, enzimas e estruturas que venham a ser descobertos no genoma do mexilhão dourado.

"Muita gente me pergunta por que o governo federal não financia o projeto se ele é tão importante", conta Marcela. "Na verdade, já recebemos R$ 20 mil para fazer o transcriptoma do mexilhão dourado, que é o sequenciamento só do RNA mensageiro do molusco, isto é, os genes que são expressos, o que o DNA manda suas células fabricar. Mas o transcriptoma não inclui as partes não codificantes do genoma e representa apenas 8% do total. E sabemos que estas regiões não codificantes são muitas vezes justamente as que controlam a forma como os genes se expressam, como o animal "funciona", declarou a pesquisadora ao Globo.

Mauro Rebelo explica que a pesquisa participou do programa para controle do mexilhão dourado em águas territoriais brasileiras do CNPq e MMA em 2007 e também obteve recursos com um edital universal em 2010. "Mas a dificuldade para conseguir financiamento (entre a submissão das propostas, a competição com os pares, relatórios e prestações de contas) é tão grande, que as fontes alternativas estão se tornando competitivas", desabafa.

Revolucionário - De acordo com Mauro Rebelo, nos Estados Unidos já existem projetos individuais que levantaram 200 mil dólares. "O meio científico brasileiro tem muita resistência a tudo o que é novo e acredito que o crowdfunding sofrerá essa resistência também. Mas estamos produzindo 10.000 doutores por ano que não tem espaço dentro das universidades e institutos de pesquisa tradicionais. Nas mãos desses jovens, o crowdfunding pode se transformar em uma poderosa ferramenta para gerar inovação", espera Rebelo.

Já para Paulo Resende, essa modalidade de financiamento ainda é pouco explorada pelos projetos científicos no Brasil, mas tem um grande potencial. "Nesse modelo de investimento o pesquisador tem a possibilidade de estender o trabalho para outros campos originalmente não previstos na proposta", afirma.

O administrador define a iniciativa dos pesquisadores da UFRJ como "revolucionária" e torce por mais adeptos. "Torço para que essa modalidade ganhe popularidade no meio científico e tenha uma legião de fãs em projetos científicos brasileiros. Seria muito bom que outros grupos de pesquisa utilizassem esse recurso".

Jornal da Ciência


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