"Sem Kyoto, vira um cenário de faroeste", diz negociador brasileiro

Data: 04/12/2012

"Sem Kyoto, vira um cenário de faroeste, um mundo sem regras, em que tudo seria voluntário. E isso, todos nós sabemos, não vai resolver o problema do clima". A frase, do embaixador André Corrêa do Lago, negociador-chefe do Brasil na rodada de Doha, no Qatar, resume porque é importante manter vivo um acordo internacional que, até agora, reduziu pouco as emissões de gases-estufa globais.

Manter Kyoto é essencial ao Brasil. Assim como fechar o acordo de florestas, conhecido por Redd (o mecanismo de redução de emissões de desmatamento e degradação), de forma que não seja uma decisão discriminatória a países florestais. "O Brasil acha totalmente inadequado ser mais difícil obter dinheiro para reduzir emissões de florestas do que para outros setores", diz o embaixador.

Nesta entrevista concedida em Doha, Corrêa do Lago explica porque há desconfiança entre os países em desenvolvimento com o compromisso das nações ricas de terem entregue, no prazo de três anos, US$ 30 bilhões para enfrentar os problemas de curto prazo. Diz, também, como iniciam as discussões para o acordo global de 2020, que terá que ser fechado em 2015. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Valor: Por que esta conferência é importante?
André Corrêa do Lago: Porque encerra a fase de negociação do primeiro período do Protocolo de Kyoto e também o que se acertou em Báli, em 2007. A diferença entre estas duas negociações é que Kyoto é um acordo com obrigações de cortes de emissão para os países ricos. A negociação em Báli foi criada para dar maiores incentivos para ações voluntárias dos países em desenvolvimento. Foi assim que vários países inclusive o Brasil, a China e a Índia fizeram seus planos de redução de emissões para 2020. E foi assim que os EUA entraram para fazer o seu.

Valor: Por que manter Kyoto é importante? O Protocolo reduz muito pouco as emissões.
Corrêa do Lago: Kyoto cria um arcabouço legal com as estruturas que vão levar adiante tudo o que é necessário para o acordo de 2020. Um exemplo destas estruturas é o Fundo Climático Verde (GCF, em inglês). Foi criado, agora tem que funcionar. E Kyoto tem outros aspectos importantes.

Valor: Quais?
Corrêa do Lago: Manter vivo o único acordo internacional que obriga os países desenvolvidos a reduzir suas emissões. Isso é essencial. Se não existisse Kyoto, os países desenvolvidos que estão fora dele, como os EUA, Canadá e agora, nesta segunda fase, Japão, Nova Zelândia e Rússia não teriam referência de redução de emissões. Todos fariam o que passa pela cabeça. Algumas pessoas dizem que o segundo período é um Kyoto enfraquecido. Sem ele, vira um cenário de faroeste, um mundo sem regras, em que tudo seria voluntário. E isso, todos nós sabemos, não vai resolver o problema do clima. Nenhum país rico deixa de entrar em Kyoto para fazer mais. Quem não entra em Kyoto é porque quer reduzir menos as suas emissões. Os países desenvolvidos que estão em Kyoto estão aceitando obrigações de redução e com isso criam um constrangimento para os demais países ricos que não entraram.

Valor: Qual a data para o segundo período do Protocolo de Kyoto?
Corrêa do Lago: Esta data está sendo negociada. O Brasil acredita que deva ter oito anos, de 2013 a 2020, com revisões nos níveis de ambição dos cortes e para encaixar o início do próximo acordo. Queremos evitar que haja o risco de um intervalo de três anos. Mas muitos países em desenvolvimento são favoráveis a que o segundo período de Kyoto seja de 5 anos, até 2017, porque temem que a ambição dos cortes seja baixa.

Valor: O que quer dizer que o grande desafio de Kyoto agora é manter a integridade ambiental?
Corrêa do Lago: Se Kyoto tem reduções modestas, pelo menos tem que garantir que sejam efetivas. É preciso resolver agora o problema das ex-repúblicas soviéticas. Suas emissões, comparadas às de 1990, diminuíram pela diminuição das atividades econômicas destes países. É preciso resolver agora se podem carregar para o segundo período de Kyoto estes números. Se puderem levar e usar, compromete-se a integridade do sistema.

Valor: Como fica a discussão de florestas?
Corrêa do Lago: O Brasil quer impedir que seja aprovado em Redd (mecanismo para reduzir as emissões de desmatamento e degradação) é uma série de regras que tornem muito mais difícil e caro reduzir emissões nas áreas de florestas do que em outros setores. Isso seria como criar barreiras técnicas para acesso ao financiamento. O Brasil acha totalmente inadequado ser mais difícil obter dinheiro para reduzir emissões de florestas do que para outros setores. Não quer que seja uma decisão discriminatória.

Valor: Como assim?
Corrêa do Lago: Redd é um mecanismo muito importante porque vai oferecer oportunidades para florestas. Mas veja, um país cujo principal causa de emissões seja carvão ou transporte e vai buscar financiamento para reduzir suas emissões. Enquanto um país cujo principal redução deva ser em diminuir o desmatamento, ao procurar um financiamento vai descobrir que tem que cumprir muito mais regras que os outros. Isso seria prejudicial aos países florestais.

Valor: Como está a discussão de finanças para reduzir emissões e adaptar? Há impasses?
Corrêa do Lago: O que foi acertado na conferência de Copenhague é que se chegaria a US$ 100 bilhões por ano em 2020 e US$ 30 bilhões nos três primeiros anos, US$ 10 bilhões ao ano. Está na hora de fazer as contas dos US$ 30 bilhões. Os desenvolvidos estão procurando demonstrar aqui em Doha que cumpriram com estes recursos, mas o mundo em desenvolvimento não recebeu as informações dos países desenvolvidos e tem muitas dúvidas, quase nada parece adicional. Por isso há questionamentos.

Valor: O que há em Doha sobre o novo acordo, de 2020?
Corrêa do Lago: Estamos em uma fase de mesas redondas, uma discussão aberta para que os países troquem informações sobre o que consideram mais importante no novo processo. Vamos decidir como organizar este novo grupo de trabalho. Os países têm podido questionar as coisas mais diversas, como o formato deste novo acordo, se será voluntário, obrigatório. É uma conversa extremamente exploratória. O grupo também discute um aumento de ambição pré-2020, tendo em vista que todos os esforços apresentados não vão conter o aumento da temperatura em dois graus.
(Valor Econômico)


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