Conferência de Doha: À espera da hora da mudança

Data: 30/11/2012

Fabio Feldmann
Para as pessoas que não acompanham as negociações multilaterais, há certa dificuldade de compreensão do processo: temas como biodiversidade, mudança do clima e desertificação são abordados no âmbito de tratados internacionais específicos, com regras e calendários próprios. No caso de mudança do clima, as Conferências das Partes (COPs) se realizam anualmente.
Tecnicamente, temos em Doha a reunião da Convenção- Quadro sobre Mudança do Clima e a do Protocolo de Kioto. A Rio+20, por sua vez, possuía agenda própria e tecnicamente não tinha mandato para tratar de temas regulados pelas convenções.
A COP-15 de Copenhague, em 2009, criou enorme expectativa de fixação de metas ambiciosas de redução de emissão de gases efeito estufa. Obteve só o compromisso internacional “simbólico” de se estabelecer o aumento máximo da temperatura média do planeta em 2°C até o fim do século, ainda que dela tivessem participado grandes líderes mundiais como Barack Obama, Angela Merkel e Lula. Deixou como legado uma frustração que se refletiu na reunião de Cancun (COP-16), no México, em 2010.
Cancun corria o risco de encerrar as negociações. Teve o mérito de garantir seu prosseguimento. A reunião se deu num ambiente tomado por esvaziamento e pessimismo. Já na seguinte, na África do Sul (COP-17), se obteve um avanço importante, a Plataforma de Durban. Nela, todos os países se comprometeram com uma redução de gases-estufa a partir de 2020, além da continuidade do Protocolo de Kyoto.
Em Doha (COP-18) as negociações continuam sem grande expectativa. Diferentemente de Copenhague, dela participam delegações formadas na sua maioria por diplomatas, isto é, com baixo perfil político, centrando o foco na continuidade de Kioto até 2020. Este, em tese, seria substituído por um acordo internacional a partir de 2020, mas com metas de redução iniciando em 2030.
O problema maior está no calendário frouxo. As emissões continuam a crescer e a comunidade científica aponta a gravidade da crise climática. Não há perspectiva de mudança desse cenário. Ao contrário. O REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), que poderia ser um instrumento de combate ao desmatamento, continua travado; o MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo) traz incertezas.
Otimistas apontam a possibilidade de que os EUA, no segundo mandato de Obama, mudem de posição influenciados pelo furacão Sandy. Esta mudança seria pactuada com a China, parte essencial na negociação, como grande potência econômica e principal emissor de GEE. Aliás, este país tem apresentado surpresas positivas nas últimas COPs.
Outro fator que poderia influenciar fortemente as negociações seria a divulgação do próximo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a exemplo do que ocorreu em 2007. Este causou grande impacto na opinião pública ao reconhecer a ação antrópica na mudança do clima e ao demonstrar sua gravidade.
Mas, algumas pessoas dizem que os governos responsáveis pela aprovação do relatório síntese para tomadores de decisão estariam dispostos a minimizar as conclusões para atenuar seu impacto. A conclusão é que Doha provavelmente dará continuidade às negociações, mas sem representar mudança na inflexão de seu curso. Política e mudança do clima não são lineares, de modo que sempre resta esperança de que haja um tipping point (ponto de mudança). É ver para crer.
* Fabio Feldmann é consultor ambiental
(Radar Rio+20)


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