Negociações climáticas com os dias contados

Data: 21/11/2012
Dois terços das reservas comprovadas de combustíveis fósseis do mundo não poderão ser usadas sem arriscar alterações climáticas perigosas, alerta a Agência Internacional de Energia (AIE). Evitar o consumo desses dois terços será o primeiro tema da agenda de negociações climáticas anuais da Organização das Nações Unidas (ONU), que serão reiniciadas no final deste mês, no Catar. Na semana passada, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, surpreendeu a muitos quando declarou que a mudança climática será uma das principais metas de seu segundo mandato.

“A reeleição de Obama garante a continuidade do compromisso dos Estados Unidos de reduzir em 17% suas emissões de dióxido de carbono até 2020, em relação às registradas em 2005”, disse Christina Figueres, secretária executiva da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (CMNUCC). “Os Estados Unidos estão plenamente conscientes da necessidade de aumentar suas ambições em termos de mitigação e financiamento para ajudar a adaptação dos países em desenvolvimento”, declarou Figueres à IPS.

O objetivo em matéria de redução de emissões que os Estados Unidos se fixaram equivale a uma redução de 3% em relação aos níveis de 1990, ano-base utilizado pela maioria dos países. Os gases contaminantes liberados na atmosfera deverão ser, em 2020, entre 25% e 40% menores, em relação aos volumes emitidos em 1990, para evitar que as temperaturas subam mais do que dois graus, segundo recomenda a comunidade científica. A Grã-Bretanha já conseguiu diminuir em 18% suas emissões e prevê chegar a 34% de queda até 2020.

Em 2010 chegou-se a um acordo vinculante para limitar o aquecimento global em dois graus, durante a conferência da ONU sobre mudança climática, realizada no balneário mexicano de Cancún, recordou Andrew Steer, presidente da World Resources Institute (WRI), com sede em Washington. “Não estamos nem perto de chegar a esse ponto. A situação é urgente. A mudança climática não é um problema de amanhã, mas de hoje. A supertempestade Sandy foi um alerta para o povo dos Estados Unidos”, ressaltou Steer em entrevista coletiva.

Um aquecimento global de dois graus não é um cenário seguro, mas superar essa marca é considerado perigoso. Para poder mantê-lo nos dois graus, a AIE calculou que a maioria das reservas de carvão, 22% das de petróleo e 15% das de gás natural deverão permanecer debaixo da terra. Dois terços dessas reservas estão na América do Norte, China, Rússia e no Oriente Médio, segundo a publicação anual da AIE, Perspectiva Mundial de Energia.

A temperatura em nível mundial aumentou 0,8 grau. Este ano era o mais quente já registrado nos Estados Unidos e a atual seca custa milhares de milhões de dólares à economia. Os prejuízos causados pelo furacão Sandy chegam a entre US$ 50 milhões e US$ 70 milhões. O custo que implica a mudança climática em escala mundial é estimado em US$ 1,2 trilhão ao ano. O maior impacto recai sobre as pessoas mais vulneráveis dos países mais pobres, explicou Steer. “A história julgará duramente aquele presidente que não levar a sério a luta contra a mudança climática”, advertiu.

Não se espera um grande avanço nas negociações climáticas na 18ª Conferência das Partes da CMNUCC (COP 18), que começará no dia 26 em Doha, capital do Catar. Estas conversações oferecem “uma oportunidade para pressionar a tecla de reinício”, e, para os Estados Unidos, a de assumir a liderança que o mundo necessita, pontuou Steer. E isto poderia acontecer, com as declarações do presidente Obama, no dia 14, em sua primeira entrevista coletiva na Casa Branca após ser reeleito.

Obama também declarou que, nas próximas semanas, “buscará o que mais se pode fazer para conseguir avanços no curto prazo” sobre este assunto. A criação de emprego e o crescimento econômico continuarão sendo as principais prioridades, mas, acrescentou, “podemos fazer isso e deixar uma marca em matéria de mudança climática e sermos líderes internacionais, creio que é algo que terá apoio do povo norte-americano”.

Para Cliff Polycarp, do WRI, acabar com os subsídios para os combustíveis fósseis é crucial para manter os dois terços das reservas sob a terra. “O mundo precisa deixar de investir em energias que liberam grandes quantidades de dióxido de carbono e optar por fontes renováveis com baixa emissões”, afirmou à IPS. Este ano serão gastos mais de US$ 600 bilhões em prospecções de gás e petróleo e em produção, segundo o estudo Oil: The New Revoution (Petróleo: A Nova Revolução), da Universidade de Harvard.

O estudo prevê um auge da capacidade de produção de combustíveis fósseis que poderia elevar o aquecimento global ao catastrófico nível de oito graus, segundo a organização Oil Change International, com sede nos Estados Unidos. “A realidade é que a indústria do petróleo faz mais dinheiro com a extração do que com a venda de gasolina para os consumidores finais”, indicou à IPS o diretor executivo dessa entidade, Steve Kretzmann.

Trasladar os investimentos da indústria de combustíveis fósseis e seus promotores econômicos para energias com baixas emissões de dióxido de carbono exigirá a intervenção dos governos em termos de incentivos às alternativas renováveis e de uma taxação significativa sobre o carvão, ressaltou Kretzmann. Uma grande quantidade de empresários pede ao governo que elimine os subsídios aos combustíveis fósseis e crie um imposto sobre o carvão, contou Steer, que já trabalhou no Banco Mundial. “Sabem que estão com os dias contados e dizem que estas mudanças terão que ocorrer mais cedo ou mais tarde”, afirmou. Envolverde/IPS

(IPS)


< voltar