Economia destrutiva, emissão de poluentes e planeta doente

Data: 24/10/2012
Marcus Eduardo de Oliveira*
“A Terra está agonizando… a sua doença é causada, sobretudo,
pelos maus-tratos dados pela humanidade”.
James Lovelock

Numa época de crise ambiental em decorrência da insensatez humana que faz a Terra agonizar, ao menos duas perguntas são pertinentes: como ter saúde em um planeta doente que convive com uma economia destrutiva e potencialmente emissora de poluentes? E como foi que o planeta ficou “doente”?
Pelo menos desde o Neolítico (12.000 anos a.C.) a humanidade vem consumindo tudo aquilo que conhecemos por recursos da natureza. Esse consumo, especialmente nos últimos cem anos, tem se dado de forma agressiva. O motivo? Busca-se a qualquer custo atingir crescimento econômico, pois isso, pelas lentes da economia tradicional, é entendido como sinônimo de progresso. Para obter crescimento, usam-se então as ferramentas de uma economia cada vez mais destrutiva: derrubam-se árvores, queimam-se florestas, agride-se o solo, derrubam-se geleiras, polui-se o ar, a água e destroem-se os mais essenciais serviços ecossistêmicos.
Não há margem à dúvida que a atividade econômica tem sido agressiva e perniciosa no que tange a extrair recursos, levar ao processo produtivo e, pós-consumo soltar resíduos comprometendo, grosso modo, a capacidade do planeta Terra em lidar com tal situação.
Em outras palavras, isso se chama economia destrutiva de recursos naturais. Em nome do propagado crescimento econômico – como se não houvesse limites para tal – o mundo moderno fecha os olhos a uma questão primordial: não se leva em conta que a biosfera é finita, limitada e hermeticamente fechada.
Portanto, qualquer tentativa em extrapolar essa situação gerará pesados passivos ambientais. Do outro lado, contudo, as forças mercadológicas impõem suas vontades. Assim, o mercado pressiona e exige mais crescimento num mundo econômico cada vez mais insustentável. Cria-se com isso uma espécie de conflito irresponsável que põe a vida de todos em perigo. É assim que a economia destrutiva vai se apresentando pondo em lados opostos duas situações básicas: a referida necessidade de crescimento econômico versus a capacidade da Terra em oferecer condições suportáveis para tal prática. E justamente no meio desse conflito é que nos encontramos. Pior ainda: a cada dia mais e mais gente vai chegando à espaçonave Terra. Descontadas as mortes, temos a cada dia 200 mil novas almas chegando ao mundo. Ao ano, são mais de 70 milhões de novos habitantes no planeta Terra que não aumentará de tamanho. Os números ilustram bem essa situação: em 1900, havia 1,5 bilhão de pessoas no mundo. Hoje, dividimos o mesmo espaço no planeta Terra com 7 bilhões de pessoas.
E o consumo? Ah, esse não para de crescer. Atualmente, apenas 20% da população mais rica do mundo utilizam ¾ dos recursos naturais, numa situação em que metade da população (3,5 bilhões) está na pobreza, nos limites da sobrevivência. É o consumo exagerado de um lado convivendo com a escassez de bens. Nesse conflito, os recursos se exaurem, o planeta adoece, a natureza se enfraquece, a vida se degrada.
Na era dessa economia destrutiva, Lester Brown em Eco-Economia: Construindo uma economia para a Terra relata que “na China os lençóis freáticos diminuem 1,5 metros ao ano. No mundo, as florestas estão encolhendo mais de nove milhões de hectares ao ano. O gelo do Mar Ático, apenas nos últimos 40 anos, reduziu-se em mais de 40%”.
O caso da água potável, para ficarmos apenas nesse exemplo, é gritante. Sabe-se que a quantidade de água doce disponível na Terra é de apenas 0,5% do total das águas, incluindo as calotas polares geladas. Devido à urbanização intensa, os desmatamentos e a contaminação por atividades industriais e agrícolas (bases do modelo que recomenda o crescimento econômico sem limites), mesmo esta pequena quantidade de água está diminuindo, causando a desertificação progressiva da superfície da terra. Como agravante, o consumo de água em consequência da urbanização dobra a cada 20 anos.
Se centenas de milhões de pessoas carecem de acesso à água potável, por outro lado continua o consumo de desperdício desse precioso líquido por parte dos mais afortunados que podem pagar pelo serviço. Vejamos que enquanto regiões imensas na África, Ásia e América Latina carecem de recursos hídricos mínimos, nas regiões “desenvolvidas”, além do excesso de consumo, aumenta a poluição de rios, lagoas e lençóis freáticos e aquíferos subterrâneos; tudo isso em nome do crescimento econômico que parece, de fato, não encontrar freios à sua expansão. Enquanto lençóis freáticos caem assustadoramente de um lado, principalmente nas três maiores áreas produtoras de alimentos (China, Índia e EUA), do outro se queimam florestas, expandem-se desertos e aumentam-se consideravelmente os níveis de dióxido de carbono. Os rios estão ficando às mínguas. O principal rio dos Estados Unidos – o Colorado – mal chega ao mar. O Nilo já apresenta enorme dificuldade em atingir o Mediterrâneo.
Não obstante a isso a economia continua sua sanha exploratória e destrutiva queimando petróleo, gás e carvão, derrubando e queimando florestas, contribuindo sobremaneira para o aquecimento global.
Parece mesmo que o sistema econômico desconhece que esquentando o planeta, esquentam os mares e aumenta-se a evaporação das águas. Conclusão: O gelo dos polos vai derreter elevando o nível dos mares, alterando assim as correntes marítimas. O nome disso? Desastre ecológico! A causa disso? Modelo econômico destrutivo!
Alguns anos atrás, num esclarecedor e aterrorizante artigo intitulado “O Programa Suicida da Economia”, o ensaísta alemão Robert Kurtz alertou que as condições elementares da vida, como a água, o ar e a terra, estão expostos a um crescente processo de envenenamento. A camada protetora de ozônio na atmosfera é corroída. Diz Kurtz que “no Sul da Argentina e na Austrália, uma infinidade de ovelhas já pasta com cancros à mostra. Os desertos avançam dia a dia e há prognósticos de que a guerra do século 21 terá como estopim o controle de mananciais hídricos”.
São as mudanças climáticas, manuseadas por mãos humanas que faz adoecer gravemente o planeta. Tomando nota dos últimos dados apontados no Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) localizamos ao menos três danos em decorrência das mudanças climáticas: 1°) Derretimento das geleiras eternas do topo de montes como Fuji, no Japão, e Kilimanjaro, na Tanzânia: os rios dos vales no entorno dos picos são alimentados pelo degelo da neve no verão. Seu volume está diminuindo, prejudicando assim a irrigação de culturas agrícolas e a produção industrial que depende da água; 2°) Derretimento das calotas polares no sul e no norte: pedaços de gelo de água doce alteram a salinidade do mar, causando mudanças no clima e na cadeia alimentar. O urso polar, por exemplo, já tem dificuldade para achar comida e; 3°) Savanização da Amazônia: se a devastação continuar por causa da pecuária, das fazendas de soja e da extração de madeira, e o clima esquentar, a floresta vai virar um cerrado (terreno plano, com trechos de seca). Com isso, várias espécies locais vão acabar. E, sem a força do “pulmão do planeta”, a emissão de gases poluentes ganhará força, prejudicando e adoecendo mais ainda a Terra.
Catastrófico e preocupante também é o fato de que essa mudança climática acontece com voracidade no momento em que o processo de globalização se traduz (ao menos para seus defensores) como política capaz de oferecer progresso a todos.
Na essência dos fatos, atentemos ao seguinte: Para abastecer as geladeiras do mundo moderno, fere-se a atmosfera numa escala sem precedentes.
Os exorbitantes custos do transporte de carros, caminhões, navios e aviões nesse “intercâmbio produtivo” para levar diversos produtos às geladeiras mais distantes não se leva em conta que é altamente emissor de poluentes.
Á título de exemplo é oportuno dizer que apenas nos Estados Unidos circulam 80 veículos para cada 100 habitantes (aproximadamente 250 milhões); na Alemanha são 55 por 100 habitantes e índices semelhantes são encontrados em outros países desenvolvidos somando quase um bilhão de veículos a motor hoje alimentados por petróleo.
Quanto às “viagens” dos produtos de um lugar para outro, em nome dessa globalização que pretende estreitar fronteiras, atentemos ao exemplo de um frango congelado nos Estados Unidos que viaja, em média, 3.000 milhas antes de ser consumido.
Na Alemanha, estudos realizados apontam que um pote de iogurte de morango produzido nesse país acumula cinco mil quilômetros de transporte. O leite vem do Norte da Alemanha, o morango vem da Áustria, o pote é francês e o rótulo vem da Polônia. A Noruega manda bacalhau para a China. As ervilhas consumidas na Europa são cultivadas e embaladas no Quênia. O kiwi, uma fruta natural da Nova Zelândia encontra mercado nos Estados Unidos que, por sua vez, é comprada da Itália. Essa fruta nas mãos da empresa Sanifrutta, exportadora italiana, viaja por mar em contêineres refrigerados: 18 dias até os Estados Unidos, 28 dias até a África do Sul e mais de um mês para chegar de volta à Nova Zelândia.
O Reino Unido vende anualmente vinte toneladas de água engarrafada para a Austrália. Esse mesmo Reino Unido consome uvas vindas da África do Sul, a erva-doce vem da Espanha e a abóbora, da Itália.
As batatas Pringles, fabricadas pela Procter & Gamble, por exemplo, atualmente são vendidas em mais de 180 países, apesar de serem fabricadas apenas em alguns poucos lugares. Isso é simplesmente a “orgia do desperdício e do custo” em termos de poluição, especialmente o dióxido de carbono.
Esse aparente “custo invisível” se “esconde” nas sombras dos menores custos produtivos e dos salários baixos, não importando a localidade para onde vai o produto. O que conta nesse caso são os ganhos monetários em detrimento da própria sustentabilidade ambiental.
Em nome do progresso econômico (será mesmo isso progresso econômico?) a poluição dá as caras e vai aos poucos ceifando vidas. Baseando-se apenas nos custos advindos da poluição nota-se que apenas fora das fronteiras de uma cidade como São Paulo, conforme estudos do Laboratório de Poluição da Universidade de São Paulo (USP), consome-se a importância de R$ 14 por segundo (R$ 459,2 milhões anuais) para tratar seqüelas respiratórias e cardiovasculares de vítimas do excesso de partícula fina – poluente da fumaça do óleo diesel. Esse valor é dispensado por unidades de saúde públicas e privadas de seis regiões metropolitanas do país. O caso específico da cidade de São Paulo merece maior atenção. Todos os dias 8,2 toneladas de poluentes são despejados sobre a cidade. São mais de 3 milhões de toneladas/ano, 90% delas provenientes de veículos automotores, queimando petróleo, adoecendo o planeta.
Nas seis regiões metropolitanas do país, esse quase meio milhão de reais que são gastos serve apenas para tratar de questões relativas à poluição advindas, em especial, do intenso trânsito (leia-se: congestionamento) nas grandes cidades que diariamente nos “brindam” com emissões de poluentes diversos e seus resultantes: Monóxido de Carbono (CO), que causa tonturas e dores de cabeça; Hidrocarbonetos (HC) que contribui para a irritação nos olhos, nariz, pele e parte do sistema respiratório; Óxido de Nitrogênio (NOx) com irritação e contrição das vias respiratórias e, Materiais Particulados (MP). Dito isso, prevalece à pergunta inicial: Como ter saúde em um planeta doente que convive com uma economia destrutiva altamente emissora de poluentes?
* Marcus Eduardo de Oliveira é economista, professor e especialista em Política Internacional pela Universidad de La Habana – Cuba
(Adital)


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