Incentivos à sustentabilidade

Data: 19/10/2012
Luiz Fernando Furlan

Há 40 anos, um amigo estava para se casar e ganhou de presente da mãe uma viagem até Manaus para, junto com a noiva, comprar o enxoval. Naquela época se comprava, por exemplo, cristais da Boêmia isentos de impostos, porque eram embalados e recebiam um selo na Zona Franca de Manaus. Era tudo muito livre, uma festa de consumo. Essa realidade não existe mais. Mas por conta do passado, o preconceito ainda marca a percepção da região.

Olhando para trás, constatamos que muita coisa mudou no mundo, no País e na região Norte do Brasil. Ao longo de quatro décadas e meia de existência da Zona Franca, o potencial ecológico aliado a uma política de negócios embasada na sustentabilidade transformou a capital amazonense na sexta cidade brasileira com maior geração de renda para seus habitantes. Grande parte desse sucesso se deve ao Polo Industrial de Manaus (PIM), um modelo de desenvolvimento regional baseado nos incentivos fiscais que hoje abriga quase 600 empresas nacionais e internacionais, gerando mais de 100 mil empregos diretos e um faturamento anual superior a US$ 41 bilhões.

De acordo com o Ministério do Trabalho, Manaus registrou, em 2011, saldo positivo de 30.388 postos de trabalho formais. Esse saldo supera, por exemplo, o da cidade de Campinas, que encerrou o ano passado com saldo positivo de 16.352 empregos formais. Outro dado interessante porém pouco citado é o fato de que a capital amazonense está em 13º lugar entre os principais polos industriais do País em termos de geração de emprego na indústria de transformação. Fora do eixo Sul-Sudeste, Fortaleza é a única capital brasileira que fornece mais empregos industriais do que Manaus. E no quesito geração de salários, Manaus fica em 16º lugar nacional.

Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) houve a criação de 14,5 milhões empregos formais no País de 2004 a 2010, representando uma média anual de mais de dois milhões de empregos. Especificamente na capital do Amazonas, registrou-se crescimento de 67% no emprego entre 2003 e 2010. Indubitavelmente, trata-se de uma taxa excepcional, sobretudo quando considerados os grandes polos industriais do centro-sul do País como São Paulo (26,7%), Rio de Janeiro (31,9%), Porto Alegre (19%), Belo Horizonte (57,5%) e Curitiba (54,9%).

No entanto, o vigor deste modelo se vê agora ameaçado pela possibilidade de redução dos atrativos fiscais da região, preconizada pelo decreto 7.742/12, que altera a tabela de incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e trará resultados adversos para um setor-chave na região, o de bebidas não alcoólicas. Em vigor desde 1º de outubro, a medida pode enfraquecer toda a cadeia produtiva da região e, no limite, levar ao cancelamento de novos investimentos e até o fechamento de fábricas.

Cabe ressaltar que a indústria de concentrados e bebidas é o segmento industrial com maior grau de impacto socioeconômico no interior da região, reflexo da forte interligação propiciada pela aquisição de insumos agrícolas locais, sobretudo o guaraná. Instalado desde os anos 80 na região do Polo Industrial de Manaus, o setor de bebidas gera cerca de dois mil empregos formais, 70% deles no interior da região amazônica. Se incluirmos nessa conta os produtores rurais, que entregam insumos absorvidos pelas fábricas (apenas na produção de açúcar mascavo, por exemplo, são 300 produtores), o volume de empregos diretos formais e informais é ainda maior.

Em que pese a renúncia fiscal dos governos federal, estadual e municipal dentro do Polo Industrial de Manaus, já restou comprovada em números a importância econômica e financeira da região, que consegue, ao longo dos anos, sucessivas altas de arrecadação de tributos. Calcula-se que, para cada real renunciado, a cidade, o estado e a União ganham 1,33 real. Tais subsídios não vão para um "poço sem fundo". São reinvestidos para garantir emprego e renda à população local e para a manutenção de políticas públicas que asseguram a conservação ambiental.

Somem-se a isso os positivos efeitos da redução da pressão de desmatamento no restante do estado do Amazonas, fruto da concentração da atividade econômica em Manaus. Adicionalmente, empresas do PIM estão ampliando seus investimentos em projetos voltados para a conservação ambiental e melhoria da qualidade de vida das comunidades ribeirinhas. Sem eles, a exploração irregular de madeira teria elevado o ritmo de desmatamento e degradação da floresta. Para se ter uma ideia, dentro do Bolsa Floresta - o maior programa brasileiro de pagamento por serviços ambientais, bancado pela Fundação Amazonas Sustentável (FAS) - são mais de oito mil famílias beneficiadas com investimento em geração de renda e benefícios sociais em 15 unidades de conservação que totalizam uma área de 10 milhões de hectares, com investimentos de R$ 39,5 milhões entre 2008 e 2011.

Embora questionáveis em alguns aspectos, os incentivos fiscais podem, sem dúvida, ser utilizados de forma racional e corretos, tal como ocorre no Amazonas. A maior unidade de federação, com 1,57 milhão de quilômetros quadrados, se orgulha de ter o menor índice de desmatamento do País. O fato é que o corte brusco desses estímulos e seus nocivos desdobramentos poderão resultar em uma desarticulação profunda da economia local e estimular o desmatamento, criando na Amazônia uma crise sem precedentes.

Aliar crescimento econômico com ampliação de bem-estar social e conservação ambiental apresenta-se como principal desafio que o mundo enfrenta hoje. Um desafio que o setor de concentrados de bebidas não alcoólicas de Manaus equaciona muito bem: retém o homem no interior, gera emprego e renda e aprimora a produção local. Qualquer movimento em contrário pode gerar forte desequilíbrio, resultando em prejuízos irreparáveis à sustentabilidade.

Luiz Fernando Furlan, ex-ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2003-2007), é presidente do Conselho de Administração da Fundação Amazonas Sustentável.

Valor Econômico


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