Brasil traça estratégia para cumprir metas de ampliar áreas protegidas

Data: 27/09/2012
Apesar dos desafios, o Brasil está comprometido em superar as metas mundiais de ampliação de áreas protegidas. A afirmação é do presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Roberto Ricardo Vizentin. Ele um dos palestrantes no VII Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação (CBUC), realizado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza no Centro de Convenções de Natal (RN). Vizentin falou hoje (26) sobre “O modelo de gestão brasileiro e os desafios a serem superados” dentro do painel “Modelos e mecanismos de gestão de áreas protegidas”.

Em outubro de 2010, o Brasil e outros países membros da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) da ONU aprovaram o Protocolo de Nagoya, que contém as Metas de Aichi, sendo que uma das metas determina que pelo menos 17% de áreas terrestres e de águas continentais e 10% de áreas marinhas e costeiras deverão ser conservadas por meio de sistemas de áreas protegidas até 2020. Segundo Vizentin, o Ministério do Meio Ambiente, com a participação do ICMBio, está desenvolvendo uma estratégia para estabelecer ações efetivas que consolidem as áreas protegidas já estabelecidas e ampliem a cobertura, dentro do que foi estabelecido junto à CDB. “Há o compromisso com a efetividade, representatividade, conectividade dessas áreas. O nosso desafio não é simples, mas estamos comprometidos em superá-lo”, disse Vizentin.

De acordo com Vizentin, entre 2003 e 2009, o Brasil foi o responsável pela criação de 74% de todas as unidades de conservação criadas no planeta. Segundo o Cadastro Nacional de Unidades de Conservação do Ministério de Meio Ambiente, o país possui atualmente 312 unidades de conservação federais, distribuídas nos seis biomas brasileiros (Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal) e também na Zona Costeira e Marinha. Contudo, há ainda um desequilíbrio na distribuição dessas unidades pelo território nacional. “Ampliar o número de unidades de conservação, por exemplo, em áreas costeiras e marinhas, Cerrado, Pantanal e Pampas constitui um dos atuais desafios”, afirmou Vizentin. Outros passos para sedimentar essa ampliação, segundo Vizentin, são incluir as unidades de conservação no processo de desenvolvimento nacional, de forma que elas cumpram o seu papel de conservar a biodiversidade e mantenham serviços ecossistêmicos.

Para Vizentin, o modelo brasileiro de gestão das unidades de conservação é único porque tem uma lei específica que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), que é multifuncional, multiespacial, participativo e com controle social.

No VII CBUC, Vizentin abordou o tema “O modelo de gestão brasileiro e os desafios a serem superados” dentro do painel “Modelos e mecanismos de gestão de áreas protegidas”, que aconteceu hoje, dia 26 de setembro.

Confira a seguir a entrevista que Vizentin concedeu à Fundação Grupo Boticário:

1. Como é o modelo de gestão das unidades de conservação (UCs) no Brasil?

Roberto Vizentin - O nosso modelo é praticamente único, porque temos aqui um marco legal inovador, que é a Lei nº 9.985, de 2000, que estabelece a gestão das áreas protegidas, ou melhor, das unidades de conservação da natureza, sob a forma de um sistema amplo e integrado, com 13 macro objetivos distintos.

O sistema, basicamente, tem três grandes características: a primeira é ser multifuncional, isto é, permite diferentes níveis de intervenção nos ecossistemas (tanto os usos sustentáveis, antigamente denominados de uso direto, quanto os usos mais restritos, que eram denominados de uso indireto). Essa característica possibilita ampla capacidade de harmonização dos distintos interesses da nossa sociedade.

A segunda é ser multiespacial, ou seja, proteger os recursos naturais, em particular a biodiversidade e as belezas cênicas, em diferentes áreas do território nacional. Hoje, as áreas protegidas estão representadas em todos os biomas, porém há um desequilíbrio nessa representatividade. Ampliar o número de unidades de conservação, por exemplo, em áreas costeiras e marinhas, Cerrado, Pantanal e Pampas constitui um dos atuais desafios.

A terceira característica do sistema é ser participativo e com controle social. A criação de UCs, por exemplo, já não pode ser feita apenas a partir de levantamentos in loco. Há que se dialogar com a sociedade e autoridades locais. Isso algumas vezes torna o processo mais lento. Contudo, reflete o estágio avançado da nossa democracia, que implica considerar o contraditório. A gestão das áreas pode e deve ser feita com a participação da sociedade. Para isso, há os conselhos das unidades. Os planos de manejo, que também s&atild e;o elaborados de forma participativa, precisam ser cada vez mais práticos e orientadores, a fim de facilitar a vida dos gestores e da comunidade. Então, o SNUC trouxe um novo paradigma para todos nós, e estamos aprendendo com ele a cada dia.

2. O modelo brasileiro foi inspirado em algum modelo internacional?

Vizentin – O nosso modelo foi elaborado a partir de um amplo debate com a sociedade brasileira. Desde a década de 70 do século passado, quando foi criado o Plano do Sistema de Unidades de Conservação do Brasil, havia o debate sobre o modelo brasileiro. De lá para cá, muita coisa mudou, a agenda ambiental mudou. Surgiu o socioambientalismo no mundo, a partir especialmente da experiência brasileira. Tivemos a Constituição de 1988; tivemos Chico Mendes defendendo a floresta; os extrativistas reivindicando reservas para o seu modo de vida. Enfim, tudo isso entrou no debate de formulação do SNUC que, vale dizer, ficou 10 anos em tramitação no Congresso. E o resultado é um sistema amplo, com dois grandes grupos e 12 categorias, das mais restritivas até as mais abertas.

3. Qual a diferença entre o nosso modelo de gestão e o de outros países?

Vizentin - Nosso modelo está ainda em fase de estruturação. Acabamos de completar 12 anos da Lei do SNUC. Portanto, o foco tem sido na criação e na implantação das unidades de conservação, ou seja, na elaboração dos planos de manejo, na instalação dos conselhos, na alocação de servidores e infraestrutura e nas ações de proteção. Já nos Estados Unidos, Canadá e alguns países africanos, a situação é outra, o que lhes permite, por exemplo, focar em programas diversificados de uso público.

4. Quais os principais desafios a serem superados neste processo?

Vizentin - Eu diria que o principal desafio é fazer com que as nossas UCs sejam parte do desenvolvimento nacional, cumprindo o seu papel de conservar a biodiversidade e de manter os serviços ecossistêmicos, fundamentais para a qualidade de vida em nosso País. Embora hoje estejamos numa situação melhor, a ponto de pertencermos ao grupo dos países “emergentes”, temos aqui ainda uma expressiva desigualdade social e regional. Acreditamos que, sob o marco do desenvolvimento sustentável, conceito reafirmado por ocasião da Conferência Rio +20, nossas UCs podem contribuir significativamente. Nesse sentido, há muito que se fazer. Precisamos, por exemplo, atuar fortemente na implantação das nossas unidades, na regularização fundiária, precisamos facilitar e ampliar o turismo sustentável, a pesquisa científica, o manejo florestal e fortalecer o papel das comunidades tradicionais na conservação e uso sustentável. Portanto, há que se ter ação integrada com os diferentes entes das três esferas da federação e com a sociedade civil. Isso é um desafio contínuo, haja vista que as atuais 312 unidades de conservação federais estão espalhadas em praticamente todo o território nacional.

5. Uma das metas do Brasil, assumidas diante da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), é ampliar as unidades de conservação até 2020. O Brasil vai cumprir esta meta? Como está o processo de ampliação das UCs?

Vizentin - Sim. Veja que o Brasil foi o responsável, entre os anos de 2003 e 2009, pela criação de 74% de todas as unidades de conservação criadas no planeta. Além disso, repare que o Brasil, na pessoa da Ministra Izabella Teixeira, teve um papel importantíssimo nas negociações que levaram à definição das Metas de Aichi, lá na 10ª Conferência das Partes (COP 10) da CDB, realizada em Nagoya, em 2010. Agora, o Ministério do Meio Ambiente, com a participação do ICMBio, está elaborando uma estratégia para cumprir os compromissos de fazer avançar a consolidação e ampliação do SNUC, em consonância com as metas compromissada s internacionalmente. Vale lembrar que as Metas de Aichi vão muito além de simplesmente criar novas áreas protegidas. Há o compromisso com a efetividade, representatividade, conectividade, etc. Portanto, o nosso desafio não é simples, mas estamos comprometidos em superá-lo.



6. Quais os principais entraves para que novas UCs sejam criadas?

Vizentin - Os processos de criação devem ser muito bem conduzidos e fundamentados em peças técnicas consistentes. Para a criação de cada nova área, é importante explicitar, para além do valor biológico, os demais benefícios para a população brasileira, tanto no aspecto ambiental quanto no social, no cultural e mesmo no econômico. Ou seja, em respeito ao pacto federativo a criação passa por uma negociação com os diversos setores da sociedade. No regime democrático é natural que outros interesses sejam considerados. A fundamentação técnica é indispensável, o que atribui qualidade à decisão. Isso o ICMBio est&a acute; fazendo. Hoje, nós temos demanda para a criação de mais de três centenas de UCs. Então, precisamos de uma estratégia, para saber quais devem ser criadas primeiro, quais devem ficar para um segundo momento, e para quais a conjuntura oferece uma janela de oportunidade. E essa estratégia, como disse, está sendo elaborada pelo MMA com a participação do ICMBio.

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