A galinha e o ouro da floresta

Data: 14/09/2012
Ennio Candotti

Foi apresentado pelos reitores das Universidades da região Norte ao senador João Capiberibe (AP), em audiência realizada no Senado em 28 de agosto último, um programa de desenvolvimento acelerado da capacidade de pesquisa e de formação em nível de pós-graduação na Amazônia. A proposta prevê a criação de uma Bolsa de fixação de pesquisadores na Amazônia de R$ 3.000 mensais a ser paga durante os primeiros cinco anos de contrato com uma instituição acadêmica ou de pesquisa na região.



Os reitores pensaram em um programa de dez anos, com uma meta de atrair dez mil pesquisadores para a região. Por outro lado o projeto apresentado ao senador e ao ministro da Ciência e Tecnologia M.A.Raupp, também presente na audiência, propõe também ampliar as bolsas oferecidas a pesquisadores já em atuação na região. Em dez anos o investimento para este programa de bolsas seria de R$ 1,7 bilhão.



Durante os debates foi sugerido também utilizar as bolsas do programa Ciência sem Fronteiras para convidar cientistas estrangeiros a passarem alguns anos nas universidades e institutos da Amazônia e colaborar nas pesquisas e na formação de jovens pesquisadores.



Obviamente deveria-se pensar em equipar os laboratórios dos Institutos e Universidades de modo que o sangue novo injetado no sistema de pesquisas revigore braços e mentes empenhadas em agregar inteligência aos planos de desenvolvimento sustentável da Amazônia.



O projeto é oportuno e mesmo imperativo ainda que o propósito de incentivar a fixação de quadros técnicos especializados na região vem sendo reafirmado há décadas, sem sucesso. Apesar de tímidos progressos devidos principalmente às Fundações de Apoio à Pesquisa Estaduais, são poucos, muito poucos, os laboratórios de excelência existentes na região. Pesquisadores do mais alto nível na classificação do CNPq atuantes na região, contam-se ainda nos dedos.



Qual seria então, para além dos incentivos financeiros, o ingrediente necessário para garantir a desejável fixação na região dos pesquisadores jovens ou menos jovens? Arrisco algumas hipóteses:



1. Precisamos, antes de mais nada, de um projeto nacional de desenvolvimento social e econômico para a Amazônia. O que existe hoje, o Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC trata a região Norte como os países centrais tratam o Brasil: um fornecedor de grãos, minérios e energia.



2. Não há no PAC preocupação com o desenvolvimento sustentável da Amazônia. E tanto menos com a ampliação do conhecimento científico e tecnológico necessários para promover a exploração da biodiversidade, microrganismos, toxinas e produtos naturais da floresta.



3. Os projetos de mineração, construção de hidrelétricas, portos, ferrovias, linhões que encontramos no PAC/Norte, preveem investimentos de mais de R$ 200 bilhões nos próximos dez anos. Pergunta-se quanto destes recursos se destinam a P&D ou a políticas públicas necessárias para promover uma mudança significativa na qualidade de vida da região?



4. Enquanto existir crédito abundante para plantar soja e criar gado na terra desmatada e forem regateados os necessários investimentos em laboratórios e indústrias de biotecnologia e microbiologia, o quadro de dependência e subordinação política da região Norte ao poder do Centro Sul se perpetuará e não haverá bolsas e incentivos financeiros que consigam fixar quadros técnicos e jovens talentos (como havia dificuldade em fixá-los no Brasil até poucos anos atrás).



5. Dever-se-ia também pensar em criar na região empreendimentos de base tecnológica equipados para realizar esta tradução/transferência dos processos e produtos naturais e microbiológicos dos laboratórios para a indústria.



6. Cabe enfim observar que os conhecimentos existentes que possam dar origem a produtos de interesse comercial são ainda muito escassos. Será preciso muito trabalho de pesquisa e inventário para que as possibilidades aplicativas se multipliquem até níveis capazes de mover a economia da região. Para tanto, os dez mil (ou mais) quadros técnicos de bom talento, empenhados em pesquisas e desenvolvimentos realizados em laboratórios equipados são essenciais.



7. O que desconhecemos da biodiversidade amazônica supera de muito o que conhecemos e não adianta, como querem alguns 'pragmáticos', abrir a galinha dos ovos de ouro para dela extrair o ouro. O tesouro se encontra na caminhada, floresta adentro. Cuidado, porém! Precisamos de guias para entrar e sair da floresta com vida. Já sabemos como formá-los? Sabemos que sem eles não haverá tesouro, encontraremos apenas galinhas.


Ennio Candotti é diretor do Museu da Amazônia e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).


Jornal da Ciência


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