O terceiro polo do planeta está derretendo

Data: 05/09/2012
Jowhar Ahmed, vendedor de equipamentos de ar condicionado em Srinagar, cidade do norte da Índia, está feliz por ter mais trabalho neste verão boreal, já que a temperatura supera os 35 graus, em média, algo incomum neste vale rodeado por montanhas nevadas. “Vendi mais de 70 equipamentos de ar-condicionado em apenas um mês”, contou Ahmed, dono do comércio Oriental Sales, à IPS. Para enfrentar a demanda, ele e outros comerciantes já começaram a estocar equipamentos extras em Srinagar.

O clima estar esquentando no Estado indiano de Jammu e Caxemira não é algo novo para os cientistas, que já apresentaram inúmeros estudos indicando que as geleiras no Hindu Kush-Karakoram-Himalaya (HKKH), uma vasta região de cadeias montanhosas conhecida como “o terceiro polo”, derretem e retrocedem em ritmo acelerado. No último desses estudos, cientistas europeus encabeçados por Andreas Kaab, do Departamento de Geociência da Universidade de Oslo, demonstraram que o derretimento das geleiras é pior no Himalaia da Caxemira do que em outras regiões do HKKH.

As descobertas de Kaab, publicadas na edição do dia 23 de agosto da revista científica Nature, sugerem que as geleiras retrocedem meio metro por ano, o que representa uma ameaça imediata para os rios que alimentam a bacia do Indus. “As geleiras são um dos melhores indicadores da variabilidade climática terrestre”, pontuou o cientista na pesquisa. “Contribuem de forma substancial para os recursos hídricos em muitas regiões montanhosas, e são importantes fatores do aumento do nível do mar em nível mundial”. Kaab explicou que, apesar de ainda haver escassez de informação precisa sobre as geleiras no HKKH, existe “evidência direta de um complexo padrão de respostas” dessas massas de gelo diante da mudança climática.

Shakil Romshoo, professor de geologia e geofísica na Universidade da Caxemira, afirmou que estudos feitos por ele e outros cientistas em 2009 demonstraram que as geleiras da região derretem cada vez mais rapidamente. “Dissemos por muitos anos que as geleiras da Caxemira derretem em ritmo acelerado”, indicou à IPS. Sua equipe descobriu que a geleira Kolhai, uma das maiores na Caxemira, diminuiu dois quilômetros quadrados nos últimos 40 anos, para abarcar agora 11 quilômetros quadrados.

Outro estudo científico sobre o Himalaia na Caxemira também indica que as massas de gelo na região diminuem. A pesquisa, liderada pelo glaciologista H. S. Negi, foi publicada na edição de dezembro de 2009 da revista bimensal indiana Journal of Earth System Sciences. Negi, também vinculado ao Centro de Estudos sobre Neve e Avalanches do Ministério da Defesa da Índia, baseou suas conclusões em 20 anos de dados climáticos obtidos via satélite, entre 1988 e 2008. Segundo suas descobertas, as nevadas no Vale da Caxemira chegaram a 1.082 centímetros entre 2004 e 2005, caindo para 968 centímetros entre 2005 e 2006, e para 961 centímetros no período 2006-2007.

Especialistas na Caxemira expressaram especial preocupação pelos rios do Indus, alimentados pelas geleiras. “Ao contrário do Himalaia oriental, onde os rios como o Brahmaputra são abastecidos fundamentalmente pelas chuvas, a maior parte da água que vai para os rios do Indus procede do derretimento de neve, incluindo a das geleiras”, afirmou à IPS Mohammad Sultan, professor de geografia na Universidade da Caxemira. Segundo ele, “isto pode causar grandes problemas de irrigação e de geração de energia no noroeste da Índia e no Paquistão, por onde correm os rios que têm origem na Caxemira e terminam no mar”.

“O sistema hídrico do Indus é a boia de salvação do Paquistão, já que entre 75% e 80% da água que esse país recebe vem das geleiras do Himalaia”, explicou, por sua vez, o diretor-executivo do Centro de Estudos sobre Impactos da Mudança Climática no Paquistão, Irshad Muhammad Khan. “O derretimento das geleiras é a coluna vertebral da rede de irrigação no Paquistão, que alimenta 90% das terras agrícolas” do país, descreveu Khan à IPS, em entrevista realizada por e-mail. “Qualquer perturbação no fluxo da água no Indus terá graves consequências para a produção agrícola paquistanesa”, ressaltou.

No entanto, o ritmo com que derretem as geleiras do Himalaia é tema de controvérsia internacional. O Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), diz em um informe de 2007 que o derretimento era tão rápido que todas as geleiras desapareceriam até 2035. Depois que destacados cientistas climáticos questionaram esta previsão, seu presidente, Rajendra Pachauri, ganhador do Nobel da Paz, foi obrigado a admitir publicamente, em janeiro de 2010, que as projeções não tinham base científica.

Um estudo elaborado por cientistas das universidades da Califórnia e Potsdam, divulgado em janeiro de 2011, demonstra que as geleiras na cadeia montanhosa de Karakoram, no noroeste do HKKH, de fato estavam avançando e que o aquecimento do planeta não era um fator decisivo no derretimento. Contudo, os cientistas coincidiram quanto às mudanças no tamanho das geleiras no KHHK afetarem diretamente os recursos hídricos da Ásia, embora pareça difícil medi-los de forma exata. O documentário Uma Verdade Incômoda, de 2006, apresentado pelo ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, sugere que 40% da população mundial depende das geleiras do Himalaia para seu fornecimento de água.

(IPS/Envolverde)




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