É preciso aumentar o investimento em ciência

Data: 05/09/2012

Apesar de demonstrar otimismo em relação ao futuro e de reconhecer os avanços já conquistados, a presidente da SBPC é categórica ao afirmar que ''estamos muito aquém do desejado''.


Se o assunto é o desenvolvimento da ciência, o Brasil - apesar das dificuldades enfrentadas - pode ser considerado um país promissor. Isso porque o número de cientistas e de universidades estaduais e federais cresceu nos últimos anos, o que estimulou a criação de pesquisas em diferentes áreas.



A análise é da presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader. Segundo ela, as iniciativas governamentais são de suma importância para que o Brasil se consolide como uma das principais potências em pesquisa científica. Como exemplo, Helena cita o programa Ciência sem Fronteiras, que visa atrair pesquisadores do exterior e oferecer até 101 mil bolsas para que alunos brasileiros possam expandir a ciência e a tecnologia do País em diferentes localidades do mundo.



Apesar de demonstrar otimismo em relação ao futuro e de reconhecer os avanços já conquistados, a presidente da SBPC é categórica ao afirmar que ''estamos muito aquém do desejado''. Ela cobra a criação de mais programas de qualidade, como o de incentivo à pós-graduação - criado na década de 1970 - bem como um maior investimento por parte da iniciativa privada.



Em entrevista à Folha, Helena lamenta que os valores destinados pelo MEC para financiamentos de pesquisas tenham sofrido cortes e aponta que as greves que assolam as universidades federais estejam prejudicando a formação de novos cientistas. ''A SBPC acredita que sem diálogo as coisas não vão para frente. Tem que haver uma negociação, uma oferta, uma mudança'', cobra.



Como a senhora avalia o atual momento da pesquisa científica no Brasil? Quais os principais avanços conquistados nesse setor?

Melhoramos de forma significativa em relação ao número de pesquisadores e de universidades federais e estaduais nos últimos oito anos. Temos ainda um projeto incrível de pós-graduação, que é o Programa Brasileiro de Pós-Graduação, que começou oficialmente na década de 1970 e contribui com a área da pesquisa. Os investimentos por parte do Ministério de Educação aumentaram por um tempo. Mas, infelizmente, os financiamentos sofreram cortes. Estamos lutando para que isso se reverta e para que este ano, em que a lei orçamentária será discutida no Congresso Nacional, consigamos aumentar expressivamente os valores oferecidos. Apesar dos avanços, no entanto, ainda estamos aquém do desejado.



E o que falta para o País se desenvolver mais nesse campo?

Precisamos de mais programas de qualidade. O Programa de Pós-graduação funcionou porque preenchia os requisitos mínimos de qualidade e desde o começo foi submetido a avaliações efetivas, o que foi fundamental para o bom funcionamento. Também seria importante haver mais investimento por parte da iniciativa privada. Temos uma limitação no número de doutores. O Brasil forma cerca de 16 mil doutores por ano e 35 mil mestres. A maioria é absorvida no mercado de trabalho, quase sempre no meio universitário. A diferença entre nós e os países desenvolvidos é o número de doutores por habitante. Temos que ter mais doutores e mais pessoas buscando agregar valores aos nossos produtos, o que só acontece por meio da ciência. Nós somos otimistas, pois a capacidade científica do nosso país é muito boa. O Brasil vai reverter a fase de diminuição de financiamento.



O pesquisador brasileiro sabe onde e como buscar financiamento?

Sim, mas os financiamentos não são suficientes. É claro que, além do governo, é preciso ''puxar a orelha'' também dos empresários. É preciso haver financiamento em conjunto. O problema é que quando o governo corta o valor, a iniciativa privada acaba diminuindo também. Quando falamos do percentual do PIB para ciência, tecnologia e educação, consideramos o investimento dos governos federal, estaduais e municipais, além da iniciativa privada.



Greves como as das universidades federais podem prejudicar e inviabilizar a formação de novos cientistas?

Qualquer greve prejudica. Eu não quero entrar no mérito se ela é justa ou injusta, mas trata-se de um mecanismo de pressão para ser ouvido. A greve da Polícia Federal, por exemplo, deixou quatro mil pessoas em fila no Aeroporto de Guarulhos em São Paulo. Atrapalhou muita gente. Então, sempre prejudica. O que precisa é abrir um canal verdadeiro de negociação entre ambas as partes: universidades e governo. A carreira do docente nas universidades federais não está boa, não é justa. O salário inicial de um professor com doutorado, que tanto estudou, em nada se equipara com outras carreiras, como as do Judiciário e do Executivo. O salário não está de acordo e tem que ter negociação. Eu me lembro de uma greve dessa dimensão somente no governo do Fernando Henrique Cardoso. Não existia uma polarização com essa há muito tempo. A SBPC acredita que sem diálogo as coisas não vão para frente. Vamos, inclusive, nos manifestar oficialmente pedindo que os ministros envolvidos sentem com todos os que representam a classe. Tem que haver uma negociação, uma oferta, uma mudança.



Pesquisadores brasileiros que querem estudar no exterior têm incentivo?

A presidente Dilma criou o Programa Ciência Sem Fronteiras, que é bastante ousado e envolve o ensino médio, cursos de graduação, pós-graduação, pós-doutorado e MBA. A garantia da volta existe, pois todo bolsista que vai para fora do país com dinheiro público tem um documento que mostra o tempo de estadia e a volta. Isso não é o que preocupa. O que nós queremos é aperfeiçoar o programa. Por isso, nossa luta é para que haja um aumento no orçamento disponibilizado pelo ministério. Nossa vontade era que até 2014, um percentual de 1,8% do PIB fosse em investimento nas áreas de ciência, tecnologia e inovação. E até 2022, 10% em educação. Não vamos chegar nem perto disso, mas eu vou continuar lutando. Nós temos um ensino médio fraco. Basta analisar os resultados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). E, para alcançar esses índices, os investimentos devem acontecer em todos os níveis educacionais, desde o jardim da infância até o pós-doutorado. E os investimentos devem acontecer ao mesmo tempo em todos os níveis.



O Brasil tem iniciativas para atrair estudantes e pesquisadores estrangeiros?

Temos e elas estão aumentando. O nosso problema é o idioma. Poucos falam português e os cursos da grande maioria das nossas universidades não são em inglês. Isso está começando a mudar, pois trata-se de uma língua universal. E a realidade é que nem todos os cientistas dos países em desenvolvimento falam inglês, conforme apontou em recente visita ao Brasil o Prêmio Nobel Dan Schechtmam. A pergunta que surge é como evoluir se estamos atrasados em requisitos tão básicos? Isso é um gargalo no Brasil, tanto que o Programa Ciência Sem Fronteiras está oferecendo cursos online, entre outras iniciativas.



O que a senhora tem a dizer para quem pretende seguir a carreira de pesquisador?

Que é uma profissão fantástica. Não existe rotina, monotonia. Estamos sempre descobrindo algo novo que vai te levar para frente e te fazer rever os resultados anteriores. É estimulante. O cientista é o seu próprio patrão, pois tem autonomia para decidir o que quer estudar, onde buscar a sua qualificação, financiamentos etc.



Folha de Londrina





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