Entrevista: Beatriz Amorim Bóris

Data: 13/08/2012

Uma das principais organizadoras do I Encontro Interregional de Cooperação Sul-Sul da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), que aconteceu nos dias 8, 9 e 10 em Brasília e reuniu representantes de mais de 40 países, Beatriz Amorim Bóris é uma entusiasta da cultura de propriedade intelectual no Brasil. Nesta entrevista, a vice-diretora da OMPI no Brasil destaca o empenho das economias em desenvolvimento para se inserirem na economia global por meio da proteção ao conhecimento e os avanços do Brasil nesse sentido.


É a primeira vez que a OMPI organizou um evento sobre propriedade intelectual para as economias sul-sul. Por que a organização chegou a conclusão de que era preciso promover um encontro direcionado a esse público para discutir a proteção do conhecimento?


Esse evento foi organizado no contexto do comitê de desenvolvimento e propriedade intelectual, que é o comitê que foi formado a partir da proposta do Brasil e Argentina em 2004, para a criação de uma agenda para o desenvolvimento dentro da OMPI. Vários projetos que já estão sendo implementados a partir da demanda desses países, que basicamente querem que a dimensão de desenvolvimento, a preocupação com o desenvolvimento econômico social também esteja presenta nas atividades relacionadas à propriedade intelectual.

Nesse contexto, alguns desses países, especialmente o Egito no ano passado, solicitaram à OMPI que fosse criado um programa de cooperação sul-sul entre países em desenvolvimento para discutir justamente propriedade intelectual e o desenvolvimento econômico social. Esta é a primeira reunião sobre o tema. Ao todo, 37 países e uma organização intergovernamental, a ARIPO - Associação de Propriedade Intelectual dos Países Africanos de Língua Inglesa, estão participando. Outros encontros ainda virão.

Países como a Etiópia, o próprio Egito e o Haiti, que tradicionalmente não são citados nos debates mundiais de Propriedade Intelectual, participaram do evento. Isso demonstra que o mundo inteiro realmente reconhece a importância da propriedade intelectual?

A OMPI é um organismo internacional e tem 182 estados membros da OMPI, incluindo esses países. Mas eu diria que a propriedade intelectual está sendo mais e mais discutida no contexto de estratégias de desenvolvimento econômico social. As discussões relativas à proteção do conhecimento tem acontecido num contexto mais amplo, de prioridades de estado, desenvolvimento econômico, social e industrial - então o Egito, a Etiópia e o Haiti também estão tentando fazer uso estratégico da propriedade intelectual no turismo, na área agrícola, com as suas marcas e tecnologias para agregar valor a seus produtos e, nesse mundo globalizado, também podem ganhar mais no comércio internacional.

Além da assinatura de um acordo de cooperação Sul-Sul, quais foram os principais destaques e temas de especial interesse dos países que participaram deste evento?

Quando pediram esse encontro, os países em desenvolvimento definiram três temas principais para a reunião: a proteção na área de conhecimentos tradicionais, de recursos genéticos e folclore; a governança na área de propriedade intelectual, como o sistema é estruturado, quais são os players e atores que atuam no contexto nacional; e o direito de autor.

As economias Sul-Sul têm feito um esforço para entender a propriedade intelectual como uma ferramenta de negócio, que pode gerar desenvolvimento econômico, numa perspectiva muito mais concreta do que teórica?

Sem dúvidas. Quando eu comecei a trabalhar com esse tema, ainda era um assunto muito pontual na área legal, sempre visto sob o ponto de vista técnico-jurídico. Desde 1999 eu tenho visto tanto no Brasil, por trabalhar sete anos no INPI, quanto no contexto internacional estando agora na OMPI, eu vejo que cada vez mais a propriedade intelectual está realmente sendo entendida como um instrumento estratégico de desenvolvimento socioeconômico. A palavra inovação tem uma importância muito grande nessas ações hoje, e a propriedade intelectual agora é vista nesse contexto.

Podemos perceber isso nos discursos internacionais e quando recebemos as demandas dos países na OMPI. Felizmente, hoje a propriedade intelectual é vista como um instrumento importante para a melhoria da qualidade de vida das populações em países em desenvolvimento.

Pensando na situação do Brasil diante do contexto mundial da propriedade intelectual, quais são os principais desafios que você acha que temos pela frente, para fortalecer, e construir e cultivar a cultura de propriedade intelectual no país? Como podemos fazer uso da propriedade intelectual como uma ferramenta estratégica?

Acho que o Brasil tem feito muita coisa nos últimos anos, vi isso nos lugares que trabalhei. A iniciativa da CNI nessa área é um reflexo dessa evolução: tive o privilégio de participar do desenho do seu programa de propriedade intelectual, que hoje é implementado com tanta competência no país. Tenho estado em muitos eventos em que a indústria tem tido um papel muito importante no apoio ao tema e no reforço da máquina, para que ela possa funcionar bem e para que a indústria possa ter um serviço do INPI condizente ao crescimento econômico social do Brasil.

Também percebo um esforço grande do governo brasileiro para colocar a inovação no centro dos desafios de desenvolvimento - a própria presidente da república tem dito isso várias vezes em público. O Brasil é sim um player fundamental nesse contexto globalizado, tem tido uma postura muito proativa. Temos um papel central.




< voltar