Áreas Úmidas são tema de congresso, com discussões sobre o Código Florestal

Data: 10/08/2012

Começou ontem (8) o 1º Congresso Brasileiro de Áreas Úmidas (Conbrau), que reunirá até sexta-feira, no Centro de Eventos do Pantanal, em Cuiabá (MT), alguns dos principais cientistas nacionais e internacionais especializados no assunto. O tema é 'Água, Alimento, Energia no Presente e no Futuro' e um dos objetivos do evento, organizado pelo Centro de Pesquisa do Pantanal (CPP), Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia e, Áreas Úmidas (Inau), é pôr lado a lado representantes governamentais, acadêmicos, pesquisadores, sociedade e empresários para um debate sobre a pesquisa, a sustentabilidade e a proteção das Áreas Úmidas (AUs).



Uma mesa sobre o Código Florestal, ministrada pelo coordenador do Inau, Wolfgang Junk, abriu o evento. Junk apresentou os conceitos das AUs e suas diversidades, que não são protegidas pelo Código Florestal. "No Código é considerado apenas o nível mínimo de água das regiões, o que prejudica a proteção em épocas de cheia, muito comuns no Pantanal", lembra Junk.



Para ele, as principais ameaças para essas áreas são os usos invasivos para agropecuária, a poluição por esgotos, a construção de hidrelétricas, entre vários outros fatores. "Apesar de tudo isso, a maior ameaça é a falta de uma Lei específica. O processo político em andamento indica que temos poucas chances de incorporar nossa proposta no novo Código, porém isso não pode frear os esforços dos cientistas", disse Junk.



"Queremos que a sociedade, os políticos, os tomadores de decisões e técnicos incorporem e assimilem o que são as áreas úmidas e sua importância. Esses sistemas são negligenciados", conta ao Jornal da Ciência a presidente da Comissão Científica do evento, Cátia Nunes. São consideradas áreas úmidas aquelas alagadas ao longo de grandes rios de diferentes qualidades de água, como águas pretas, claras, brancas; áreas alagáveis nos interflúvios (campos, campinas e campinaranas alagáveis, campos úmidos, veredas, campos de murunduns, brejos, florestas paludosas) e áreas úmidas do estuário (mangues, banhados e lagoas costeiras).



Código Florestal - Em entrevista, o coordenador do evento, Paulo Teixeira de Sousa Junior, lembra que foi o Inau, junto ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que fez repercutir a necessidade de incluir áreas úmidas na discussão do Código, com notas na imprensa (uma delas publicada na 'Nature') e um documento encaminhado para o Senado. Ele diz que, mais além da inquietação com o Código, está a preocupação com a Constituição, "que fala em recursos hídricos e não em áreas úmidas". Ele lembra que as AUs "não se limitam a recursos hídricos".



"A versão do Código que tínhamos anteriormente previa uma métrica baseada no nível máximo de cheia dos rios, e agora passou a prever no nível mínimo. A situação ficou pior do que a que tínhamos com o Código de 1965", ressalta Sousa. Pierre Girard, presidente da Comissão Executiva do Conbrau, lembra que o Código "ainda está em elaboração". "É preciso haver uma declaração especial para as áreas úmidas, em especial o Pantanal e as várzeas amazônicas, que precisam de redação específica", detalha o pesquisador canadense, que vive há quase duas décadas no Brasil.



Ontem (8), a comissão mista criada para analisar a Medida Provisória 571/12, que modifica o novo Código Florestal (Lei 12.651/12), aprovou quatro alterações no texto. Em uma votação que precisou ser desempatada pelo voto do presidente da comissão, Bohn Gass (PT-RS), foi rejeitada a emenda de autoria do deputado Valdir Colatto (PMDB-PR) propondo a supressão do conceito de "áreas úmidas". Os ruralistas argumentavam que, com o resguardo às AUs, não seria mais possível plantar arroz em ilhas gigantes da Amazônia, no Vale do Araguaia e charqueados gaúchos. A rejeição da emenda foi considerada uma vitória para os ambientalistas.



Outros temas - As hidrelétricas, a falta de lei específica para as AUs e o Projeto de Lei 750/2011, do senador Blairo Maggi, apelidado "Lei do Pantanal", serão outros temas abordados durante o congresso. A respeito do PL, Sousa lembra que o evento "vai promover diversos debates com setores da sociedade com o objetivo de tentar conciliar o conhecimento científico com o conhecimento tradicional". "Com isso vamos buscar subsidiar e melhorar esse PL apresentado", destaca.



"Por que uma Lei para o Pantanal? Por que não ter uma para o Araguaia ou para o Guaporé? São o mesmo estilo de sistema que o Pantanal. Essas pessoas não sabem o que são as áreas úmidas, porque o Pantanal é um dos tipos de AUs. Os parâmetros e a base onde foi definida a Lei estão incorretos", alerta Cátia, sublinhando a necessidade de um planejamento mais detalhado, considerando questões além da proteção das margens dos rios. Ela ressalta também os danos de construir hidrelétricas nos rios que vão para o Pantanal, "pois isso muda seus ciclos hidrológicos". "Temos que trabalhar uma política de Lei para os dois períodos da região, o aquático e o terrestre, de seca", sublinha.



O congresso conta com diversos especialistas no assunto, entre eles o indiano Brij Gopal e o norte-americano Bill Mitsch. "Estamos trazendo diferentes experiências ao redor do mundo. O professor Gopal traz a da Índia, país com grandes áreas úmidas e questões sociais e culturais que envolvem a água. Já Mitsch liderou um instituto na Flórida de recuperação de áreas úmidas de lá, como os Everglades. Toda a reserva de água potável que abastece Miami, por exemplo, está comprometida a longo prazo", exemplifica Cátia.



Para Sousa, os estrangeiros também ajudam a entender o exemplo a não ser seguido. "A Europa não tem o conceito de APP [Áreas de Preservação Permanentes"> e não é por isso que vamos fazer igual", destaca. "A gente pode ver que dentro da América do Norte não foi muito diferente. Começaram a acabar com as AUs para depois se darem conta que deveriam ser recuperadas, gastando bilhões de dólares. Podemos aproveitar a pesquisa que fizeram e descobrir como fazer para não chegar lá", completa Girard.



Importância - Na abertura, Sousa relembrou a criação do Centro de Pesquisa do Pantanal, que neste ano completa uma década de existência, dizendo que o centro "foi uma janela para o desenvolvimento dos trabalhos para uso sustentável das Áreas Úmidas". Ele conta que as AUs sofrem também em parte pelo desconhecimento sobre sua importância. "Ninguém sabe direito quais são os serviços ambientais prestados por essas áreas úmidas. Muitas vezes a imagem é até negativa, as pessoas associam com pântano, com água suja, mosquitos, e não é nada disso", conta Sousa. "Muitas vezes são vistas como algo que atrapalha a agricultura e o ambiente urbano para o desenvolvimento e ocupação de espaço. Até no Pantanal se tem essa percepção. As pessoas não estão vendo que o Pantanal regula o clima da região Centro-Oeste", completa Girard.



Pesquisadores informam que as áreas úmidas em geral proporcionam benefícios e serviços como estocagem de água, limpeza de água, recarga do lençol freático, regulamento do clima local, manutenção da biodiversidade, regulagem dos ciclos biogeoquímicos, inclusive estocagem de carbono, habitat e subsídios para as populações humanas tradicionais, como pesca, agricultura de subsistência, produtos madeireiros e não-madeireiros, dentre outros.



Sousa sublinha que do congresso possivelmente sairá uma carta de recomendações para os tomadores de decisões. "Mas isso tem que ser discutido amplamente com a sociedade. As terminologias devem ser adequadas à terminologia que o povo usa para facilitar que a população seja nossa parceira", conta. "O fato de essas pessoas [tomadores de decisões e sociedade"> participarem do congresso já é uma vitória porque vão se inteirar das coisas", conclui Girard.



(Jornal da Ciência, com informações da assessoria do Conbrau e da Agência Câmara)





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