Entrevista sobre ciência na Amazônia

Data: 02/08/2012
O Amazonas, onde 98% das florestas são preservadas, é o maior estado do Brasil, com um território equivalente à França, Espanha, Suécia e Grécia juntos, e um dos nove estados da região amazônica brasileira. No entanto, há dez anos, não tinha fundos estaduais para Ciência e Tecnologia (C&T) e apenas 433 doutorandos estavam trabalhando lá.



Para melhorar isso, ao longo de uma década, o Amazonas tomou várias medidas para triplicar o número de doutores. Em 2002, a Constituição Estadual determinou que, pelo menos, 1% do total dos impostos do estado deveriam ser dedicados à ciência e tecnologia, um modelo que foi liderado por São Paulo, com a criação de uma agência de C&T em 1962, e seguido por outros estados brasileiros. Em 2001, o Amazonas criou uma Universidade Estadual, uma Secretaria de Estado de C&T e, em 2003, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam).



Odenildo Sena, presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Ciência, Tecnologia e Inovação (Consecti), e ex-presidente da Fapeam nos anos de 2005 a 2010, falou ao SciDev.Net sobre o atual estágio da ciência no Amazonas.



SciDev.Net - A Fapeam foi criada em 2003 como a primeira fundação de pesquisa na Amazônia brasileira. Como isso aconteceu?

Odenildo Sena - Antes de 2003, não houve investimentos estatais explicitamente dedicados à C&T. Nossos pesquisadores tinham de solicitar a fontes nacionais de recursos através de agências como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Em dezembro de 2002, conseguimos inserir na política da Constituição do Estado que 1% das receitas ordinárias deve ser dedicada à C&T e, como resultado, a Fapeam abriu as suas portas.



Naquela época, a Fapeam era a única fundação de pesquisa do norte do País. Eu era, portanto, convidado a ir a quase todos os estados no Brasil para falar sobre a nossa iniciativa. Em 2007, o estado do Pará abriu uma fundação de pesquisa e, em toda a região, houve então um efeito dominó. Há agora apenas um estado na região, Roraima, que não tem a sua fundação própria de pesquisa.



Na época de sua criação, em 2003, a Fapeam tinha um orçamento de cerca de US$ 2,5 milhões. Em 2011, o orçamento foi de US$ 23 milhões. No total, cerca de US$141,5 milhões de dólares foram investidos pela Fapeam desde 2003. O orçamento para 2012 é de cerca de US$ 80 milhões. Desde 2003, 208 cientistas se tornaram doutores através de bolsas fornecidas pela Fapeam. Atualmente, o estado tem o triplo do número de doutores em relação há uma década. Mas as lacunas na formação continuam a ser muito significativas em todas as áreas. Os novos doutores estão espalhados por diversas áreas do conhecimento. Precisamos de uma revolução maior.



Se você tivesse o poder de fazer uma revolução acontecer, como você faria isso?

Sena - Eu não reinventaria a roda. Eu sempre me lembro da história da criação da Universidade de São Paulo (criada na década de 1930, que agora é a maior instituição brasileira de ensino superior e de pesquisa, respondendo por 30% da produção científica nacional). Como não havia muitos recursos humanos, trouxeram pessoas do exterior, principalmente da Europa. Se o Amazonas é estratégico para o País, vamos transformá-lo na maior plataforma de referência em pesquisas na biodiversidade e biotecnologia. Em resumo, para impulsionar a ciência na Amazônia, gostaria de escolher algumas áreas estratégicas, investiria mais dinheiro nelas e atrairia mais pessoas.



Em nível nacional, existe um interesse crescente em unir a pesquisa com a indústria brasileira, especialmente depois da Lei de Inovação de 2004. Como isso está progredindo no Amazonas?

Sena - No Amazonas, a Fapeam fez uma chamada para projetos que injetam recursos na forma de subsídios financeiros para as empresas, a fim de impulsionar a inovação através de uma parceria com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) do Brasil. A Finep é vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e tem a missão de promover o desenvolvimento econômico e social através da ciência, tecnologia e inovação em empresas privadas, universidades e institutos tecnológicos.



Uma das condições para ser convocado pela Fapeam era que as empresas privadas desenvolvessem pesquisas para a geração de processos inovadores a partir de recursos da biodiversidade. Várias empresas estão indo muito bem agora! Quando nós lançamos a primeira chamada em 2004, houve pouco interesse das empresas. Na verdade, tivemos que motivá-las, mostrando o quão importante era ter a pesquisa na indústria.



Na última chamada, em 2011, um fundo de cerca de US$ 3 milhões estava disponível e as empresas aplicaram cerca de US$ 5 milhões. Este programa tem sido um grande sucesso e é uma pena que a Finep vem passando por uma mudança estrutural. Atualmente, há uma tendência para que ela atue apenas como um banco, em vez de uma organização de empréstimos com juros muito baixos. Pelo que sabemos, não há mais quaisquer verbas para atribuição de subsídios financeiros. Se eles persistirem nessa ideia, o meu medo é que várias universidades públicas venham à falência porque eles usam os subsídios da Finep para financiar infraestruturas de pesquisa.



A Fapeam foi uma das primeiras fundações de pesquisa no Brasil a criar um programa de comunicação científica. Por que investir nessa área?

Sena - O programa de Comunicação Científica da Fapeam foi criado em 2006. Não fui eu quem teve a ideia. Eu descobri que a Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp) tinha um programa de Comunicação Científica e nós adaptamos para a situação da Fapeam. Em pouco tempo, criamos uma Universidade Estadual, uma Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia e uma Fundação de Pesquisa. Dissemos: É preciso engajar a sociedade nas nossas iniciativas para garantir o envolvimento do público. Por essa razão, criamos uma agência de notícias, um portal on-line e uma revista, Amazonas Faz Ciência, que está em sua 24ª edição. Lançamos também um certificado e um prêmio em jornalismo científico, cuja terceira edição recebeu 100 candidatos.



O impacto dessas atividades é interessante. Anos atrás, ninguém sabia o que era jornalismo científico e agora conseguimos criar um clima propício para esse tipo de jornalismo, muitos alunos estão interessados em cobrir ciência.



O que você acha do "Ciência sem Fronteiras" (um programa de US$2 milhões que pretende enviar 75.000 estudantes e pesquisadores para o exterior, bem como receber cientistas estrangeiros)?

Sena - É um programa muito ambicioso. Acabamos de receber a primeira lista de cientistas estrangeiros que querem vir para o Amazonas. Acho que o Brasil, hoje, está muito competitivo e capaz de atrair talentos estrangeiros por causa do que temos conseguido na ciência, ao longo de uma década, e pela crise econômica (que não afetou o Brasil tanto quanto em outras partes do mundo). Na minha opinião, deveríamos permitir que as universidades contratem cientistas estrangeiros e devemos começar um movimento mais amplo para atrair investigadores de alta qualidade.



No entanto, também precisamos planejar o futuro. Os brasileiros que vão para o exterior, voltam e nós precisamos garantir que, quando eles retornarem, eles encontrem a infraestrutura que lhes permita trabalhar aqui. Se não, será um desastre.



Eu não entendo o que está acontecendo agora - com o presidente Lula, o orçamento para a ciência foi crescendo continuamente. É de grande preocupação que, nos últimos dois anos [no governo da presidente Dilma">, o governo vem reduzindo significativamente o orçamento para a ciência. E então a presidente Dilma lançou o "Ciência sem Fronteiras" e falou sobre a importância do conhecimento científico com a consolidação do capital intelectual, mas, em seguida, cortou o financiamento da ciência. Parece um padrão esquizofrênico.



Confira a íntegra da entrevista publicada no portal SciDev.Net e assinada por Luisa Massarani: http://www.scidev.net/en/latin-america-and-caribbean/features/q-a-with-odenildo-sena-on-science-in-amazonas.html.



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