Rio+20: o desafio alimentar

Data: 13/06/2012
Antonio Buainain

Dentre as questões que serão tratadas na Rio+20, talvez a mais difícil seja a alimentar. A população mundial de 7 milhões de habitantes continuará crescendo nas próximas décadas e alcançará 10 bilhões em 2050. O desafio não é simplesmente produzir alimentos, mas, sim, produzi-los nas condições adequadas, que vêm se estabelecendo e ampliando em resposta tanto às demandas dos consumidores por alimentos mais saudáveis como da sociedade em geral - exercida por meio dos movimentos sociais difusos e de organizações difusas - por produtos que embutem valores sociais e ambientais cada vez mais abrangentes. Muitas destas condições serão discutidas na Rio+20.



Ninguém duvida de que as respostas estão no âmbito da ciência, tecnologia e inovação (CT&I), que evoluem hoje pautadas por critérios e condicionantes mais restritivos e, ao mesmo tempo, mais virtuosos que os do passado. Pode-se dizer que a institucionalização da sustentabilidade como "valor universal" vem sendo construída desde a Rio-92, e espera-se que seja aprofundada na Rio+20.



No caso da produção de alimentos a CT&I deve prover respostas técnicas para diversos problemas, desde os sanitários mais básicos, que ainda hoje comprometem a produção em países pobres, até o do aquecimento global, que ameaça reduzir dramaticamente a área agricultável em regiões e países mais pobres e que já vivem déficits alimentares elevados.



A lista é enorme: desertificação, deflorestação, crescente escassez de água para sustentar a agricultura irrigada na Ásia, contaminação ambiental pelo uso de insumos agrícolas, perda de áreas agricultáveis para as cidades e obras de infraestrutura essenciais, como estradas, represas, e para as necessárias reservas ambientais, e muitos outros. E não podem ficar fora da equação os 2 bilhões de pequenos produtores, que na Ásia foram os grandes protagonistas da Revolução Verde nos anos 60 e que hoje estão ameaçados de inviabilidade econômica e social, em parte pelas mudanças que celebramos como virtuosas durante o boom recente e cuja sustentabilidade precisa ser repensada.



Somos otimistas quanto à capacidade de resposta da CT&I aos desafios que se colocam, mas pessimistas quanto ao resultado final, que depende de mudanças mais radicais da sociedade global, que se consolidou na emulação de estilos de vida e padrões de consumo dos países ricos que tradicionalmente representaram menos de 10% da população. Foi suficiente a inclusão de alguns milhões de "intrusos" a esse clube fechado para escancarar ao mundo a insustentabilidade da festa. O que no fundo parece que estamos buscando são tecnologias para prolongar o baile, e não uma mudança na organização social e estilo de vida da sociedade.



É possível que a Rio+20 nos leve um pouco mais adiante, definindo compromissos que viabilizem a transição para esverdear a sociedade atual, sem no fundo modificar os valores essenciais, os símbolos que orientam a alocação de energia dos jovens e dos cidadãos em geral. A lógica do "Business as usual" deve continuar.



No campo das respostas tecnológicas, os maiores riscos estão na forte ideologização dos temas e das possíveis soluções. Não é possível esverdear o mundo instantaneamente, e, por algum tempo, será preciso conviver com alternativas que representam progressos consideráveis em relação ao passado condenado, mas que ainda estarão longe do ideal. Uma postura militante tem sido bloquear esses progressos, contrapondo alternativas idealistas que, embora válidas para um pequeno grupo, fogem por completo à realidade (aí se incluem desde a agroecologia até a agricultura orgânica, biológica e natural proposta).



Outra postura militante é não aceitar, de forma efetiva, os novos valores que precisam ser assumidos e reagir com base em direitos de propriedade como se fossem absolutos e não condicionados às regras sociais. No caso dos alimentos, o grande desafio da Rio+20 é permitir o diálogo entre os "radicais" de ambos os lados, o que abrirá espaço para uma transição consistente para uma nova economia com capacidade de alimentar o mundo.


Antonio Buainain é professor do Instituto de Economia da Unicamp.

O Estado de S. Paulo



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