O futuro é engenhoso

Data: 12/06/2012
Houve um tempo em que engenheiro, depois de se formar, virava suco - caso de um profissional que ficou famoso nos anos 1980 por, graças à falta de perspectiva em sua área, abrir uma lanchonete em São Paulo batizada de 'O Engenheiro que Virou Suco'. Três décadas depois, o enredo é outro. "Hoje, não falta emprego", diz José Tadeu da Silva, presidente do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea).



Para o futuro, o cenário é ainda mais otimista. Segundo a entidade, os cerca de 40 mil engenheiros formados anualmente no Brasil não serão suficientes para atender à demanda de 300 mil profissionais da área necessários para obras e investimentos previstos para os próximos cinco anos, como os da Copa do Mundo, das Olimpíadas, do PAC e do petróleo do pré-sal.



Mas não é apenas a retomada de investimentos em infraestrutura que aquece o setor. "A necessidade de inovação tecnológica como fator de competitividade das empresas pressiona a demanda por engenheiros", afirma James Wright, coordenador da Fundação Instituto de Administração (FIA).



Como resultado, sobra trabalho e faltam profissionais em dia com as exigências tecnológicas do mercado. "Depois de duas décadas perdidas, sem investimentos, grande parte dos engenheiros migrou para outras áreas, como o mercado financeiro", afirma Guilherme Melo, diretor de engenharias, ciências exatas, humanas e sociais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).



Para completar o quadro, a evasão de alunos nas faculdades de engenharia é tradicionalmente alta. "Algo entre 40 e 50% dos alunos abandona o curso, que é longo e difícil", afirma Melo. Quem consegue o canudo, porém, encontra ofertas de remuneração que costumam compensar o esforço. A categoria tem piso salarial de R$ 5.600 mil.



Interesse - Com as boas perspectivas de crescimento, começa a ressurgir o interesse pela carreira. Neste ano, o curso de engenharia civil da USP São Carlos desbancou o de medicina no primeiro lugar do ranking de cursos mais concorridos da Fuvest, com 52,27 candidatos por vaga. Em 2010, com disputa de 26,78 candidatos por vaga, o curso era o nono mais disputado. O número de formandos também vem crescendo. No ano passado, 38.148 novos engenheiros chegaram ao mercado,172% a mais que 2002, segundo os registros de profissionais emitidos pelos Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia (Creas).



Novos cursos também foram criados. O governo paulista abriu neste ano 11 cursos de engenharia na Universidade Estadual Paulista (Unesp), somando 440 novas vagas.



Mas é preciso ir além. As empresas públicas e privadas não só encontram dificuldades para contratar jovens profissionais como também especialistas sênior. Levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) revela que dos cerca de 10 mil doutores formados por ano, apenas 10% são da área.



'Engenheiralista' - Seja qual for a área de especialização escolhida, uma coisa é certa: para construir uma carreira sólida, o engenheiro tem de ter formação generalista. "A era do superespecialista acabou", afirma James Wright, coordenador de pesquisa da FIA sobre as carreiras mais promissoras dos próximos anos.



Nos novos tempos, quem tem apenas conhecimento técnico, por mais consistente que seja, costuma empacar na carreira, reforça o britânico Derek Abbel, ex-professor da Harvard Business School, nos Estados Unidos, e atual decano da escola de negócios HSM Educação. "Os profissionais precisam cada vez mais cedo entender as necessidades do mercado, a viabilidade financeira dos projetos, suas estratégias e conhecer até um pouco de vendas", afirma.



Nesse contexto, boa capacidade de comunicação e negociação são fundamentais. "No dia a dia, engenheiros precisam não só se relacionar com profissionais de outras áreas, como a financeira, a de serviços sociais e de meio ambiente, como também convencê-los de suas propostas", ressalta Guilherme Melo, um dos diretores do CNPq. "Não dá mais para simplesmente chegar com a melhor solução de engenharia e dizer: cumpram."



Novas demandas do mercado também são apontadas pela Nextview People, empresa de pesquisas em recursos humanos. Em levantamento realizado com 60 companhias brasileiras, a capacidade de gestão financeira, gestão de projeto e de riscos estão entre as habilidades mais exigidas dos jovens profissionais. "A habilidade gerenciamento é fundamental", afirma Danilca Galdini, sócia da Nextview People.



Mais promissoras - Na visão do diretor do CNPq, duas carreiras são especialmente promissoras. A primeira delas, impulsionada pela descoberta e exploração das reservas do pré-sal, é a engenharia de petróleo, primeira colocada no ranking de profissões com grande perspectiva de contratação elaborado pela Federação da Indústria do Rio de Janeiro (Firjan). O segundo destaque é a engenharia aeroespacial, embalada pelo programa brasileiro de lançamento de satélites e pela escassez de mão de obra na aviação.



Melo também vê bom futuro na engenharia de alimentos - resultado da busca por aumento da produtividade na indústria alimentícia e na agroindústria - e sublinha ainda a engenharia de produção, "sempre 'na moda' por otimizar processos produtivos em diferentes setores". As engenharias de minas e ambiental também integram a lista de especializações em alta.



Engenharia ambiental - A preocupação com o crescimento sustentável, a preservação do planeta, a redução dos níveis de poluição e a otimização do uso de recursos naturais são fatores que contribuem para que esta carreira seja uma das mais procuradas atualmente.



Quando criado o curso, em 1994, os recém-formados encontravam oportunidades de trabalho principalmente no setor público. Hoje, a demanda por engenheiros ambientais é intensa também no setor privado. O coordenador do curso de engenharia ambiental da Unesp Sorocaba, Roberto Wagner Lourenço, diz que a média no vestibular é de 20 candidatos por vaga - o curso oferece 60 vagas por ano.



"Mais da metade termina [o curso"> com uma colocação no mercado, dentro da área", afirma Lourenço, lembrando que empresas privadas costumam buscar a Unesp para recrutar alunos como estagiários, visando a futura efetivação.



Biológicas - Com formação multidisciplinar, o engenheiro ambiental recebe o conteúdo básico da engenharia, apoiado em ciências exatas, além de disciplinas voltadas à computação.



A ênfase recai sobre a área biológica. A visão multidisciplinar o prepara para atuar nos campos de geoprocessamento (processamento informatizado de dados georreferenciados), sensoriamento remoto (medição das emissões de poluentes com os veículos em movimento), gestão ambiental, poluição ambiental, tratamento de esgotos sanitários, segurança do trabalho, entre outros.



Engenharia de alimentos - O primeiro curso de engenharia de alimentos do Brasil e pioneiro na América Latina (o da Faculdade de Tecnologia de Alimentos da Unicamp, que mais tarde se tornaria Faculdade de Engenharia de Alimentos) foi implantado há mais de 40 anos. De lá para cá, a oferta de cursos nessa área subiu para 80 (13 em São Paulo). O setor deu um salto e tanto, devendo alcançar neste ano um faturamento de R$ 400 bilhões, segundo a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia).



A indústria é o setor que mais emprega esses profissionais. Mas, ao contrário de segmentos afetados pela crise econômica internacional, o cenário para quem opta por esse ramo da engenharia é bastante promissor.



O consultor Juliano Ballarotti, gerente da Hays, empresa de recrutamento, afirma que a ascensão e o poder de compra da classe C impulsionaram a abertura de um nicho de mercado no ramo de alimentos industrializados. "As empresas estão se segmentando por classes, criando assim novas oportunidades de trabalho." Segundo o consultor, com perfil versátil e formação multidisciplinar o engenheiro de alimentos pode atuar nas áreas de controle de qualidade, projetos agroindustriais, pesquisa e desenvolvimento.



Giovana Tommaso, coordenadora do curso de engenharia de alimentos da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP, lembra que, por sua formação abrangente, o profissional desenvolve habilidades para criar novos produtos, elaborar processos, atuar em vendas técnicas, em gerenciamento de pessoas e também nas áreas de qualidade e segurança alimentar. "A indústria de alimentos é o principal empregador, mas há também espaço nas usinas de álcool, centros de pesquisa, fábricas de aditivos, de ração e em biotecnologia, além de redes de supermercados e restaurantes." O estágio obrigatório no quarto ano do curso facilita a entrada dos universitários no mercado de trabalho.



Engenharia de produção - Não faz muito tempo, telefone celular era artigo de luxo. Hoje, substituídos a cada novo lançamento, não apenas celulares como também laptops e aparelhos de TV ultra modernos estão ao alcance de toda a população. Mas o que isso tem a ver com engenharia? Tudo, diz o professor Alexandre Augusto Massote, coordenador do curso de engenharia de produção da Fundação Educacional Inaciana (FEI). "Mais do que trabalhar na construção de um produto, a carreira de engenheiro de produção também está ligada ao desenvolvimento de novas tecnologias e ao acesso do público consumidor a esse serviço."



Por atuar em diferentes frentes, como recursos humanos, materiais e financeiros, o engenheiro de produção é considerado um profissional curinga. Segundo Massote, esse ramo da engenharia não se limita somente à indústria, abrange também os setores de bens e serviços que buscam a minimização dos custos, a maximização da produtividade, o cumprimento de prazos e padrões de qualidade estabelecidos. "Na indústria, ele fornece os parâmetros para cada etapa da produção, levando em conta as necessidades do mercado, o emprego de tecnologia e o custo baixo", afirma Massote.



Processos - A gestão de meio ambiente é outra área da engenharia de produção e tem a sustentabilidade como premissa. Pesquisa o uso eficiente de recursos naturais nos diversos sistemas produtivos. De acordo com o professor da FEI, como o engenheiro de produção estuda processos exaustivamente, encontra espaço para atuar também no mercado financeiro (nas áreas de gestão de carteiras e análise de investimentos), logística, transportes e área hospitalar. No setor de recrutamento, o profissional é requisitado para gerenciar a seleção de pessoal, definir funções e planejar escalas de trabalho.



Embora o maior volume de vagas concentre-se nas regiões Sul e Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste têm requisitado essa mão de obra. O professor Massote lembra aos futuros candidatos que é preciso gostar de cálculo e ciências exatas, naturalmente, mas não só, porque o mercado busca profissionais versáteis, proativos, dinâmicos e com jogo de cintura para lidar com diferentes demandas.



Engenharia aeroespacial - "Tudo o que voa, seja avião, foguete, satélite ou dirigível, exigirá necessariamente a presença de um engenheiro aeroespacial no processo de fabricação", diz o coordenador do curso de engenharia aeroespacial da USP São Carlos, Fernando Catalano.



De acordo com o professor, a USP forma cerca de 40 engenheiros na área ao ano, e o ITA, outros 30, além de outras universidades públicas e privadas do País. "Mas o número de profissionais, não mais do que uma centena de recém-formados por ano, não é suficiente para atender à demanda, pois, além do crescimento da indústria nacional, novas empresas estrangeiras estão chegando ao país", afirma Catalano.



Para ter ideia da movimentação desse mercado, só a Helibrás, fabricante brasileira de helicópteros, projeta contratar 400 novos profissionais neste ano, 150 deles engenheiros aeronáuticos. Há ainda as empresas de defesa e de produção de energia eólica, que também exigem a presença desse tipo de profissional. A atuação do engenheiro aeroespacial está em todas as etapas, da criação do projeto à construção e manutenção da aeronave.



Estágio gringo - Os universitários brasileiros encontram boas oportunidades de estágio em empresas no exterior. A USP São Carlos, por exemplo, há quatro anos mantém convênio com a europeia EADS, grupo ao qual pertence a Airbus. "Anualmente, são selecionados seis alunos para uma temporada na Europa. Quatro deles já foram contratados", diz o coordenador. "O número parece pequeno, mas reflete o quanto o Brasil cresceu nesse setor."



Engenharia de petróleo - A indústria de petróleo no Brasil mudou radicalmente nos últimos anos. O que, há pouco mais de uma década, era monopólio da Petrobras e produzia algo em torno de 700 mil barris por dia, é formado hoje por dezenas de empresas, extrai diariamente 2 milhões de barris e se tornou motor para a indústria nacional - quadro que ainda mal considera a produção do pré-sal, em plena atividade somente por volta de 2020.



A perspectiva certa de crescimento somada à baixa formação de profissionais faz do engenheiro de petróleo um dos profissionais mais cobiçados e bem pagos do mercado nacional na atualidade. Segundo pesquisa de salários realizada trimestralmente pelo site de busca de empregos Catho, um engenheiro de petróleo sênior recebe atualmente o terceiro maior salário do País, com média de R$ 10.237, atrás somente do médico oftalmologista (R$ 10.980) e do piloto de avião (R$ 10.304).



A atividade compreende tudo o que diz respeito à extração do petróleo da jazida, no fundo da terra ou do mar, passando pelo mapeamento dessas áreas, o desenvolvimento dos poços, a perfuração e pelas primeiras etapas de processamento, em que o óleo deve ser separado do gás e da água - tudo regado a cálculo e tecnologia.



Homens ao mar - O trabalho pode ser tanto em terra, concentrado mais na parte estratégica, quanto no mar, diretamente na operação das plataformas. Nesse caso, são 14 dias seguidos de trabalho embarcado, intercalados por pelo menos outros 14 de folga e uma série de benefícios - e também de riscos. Paga-se adicional de insalubridade, seguro de vida e horas extras.



Há, hoje, reservas sendo exploradas em estados do Nordeste, como Bahia e Ceará, e até na Amazônia, na bacia do Solimões. Mas continua sendo no Rio, onde está 80% da produção, no Espírito Santo e em São Paulo, por onde se estendem as reservas do pré-sal, onde estão as maiores oportunidades. Além, é claro, de um grande intercâmbio com o exterior. Shell, Chevron, BP, ExxonMobil e Statoil são algumas das gigantes mundiais que, ao lado da Petrobras e de outras nacionais, como OGX e Queiroz Galvão, engrossam o time de empregadores. "Aliás, inglês fluente é preponderante", afirma Osvair Vidal Trevisan, diretor do Centro de Estudos de Petróleo da Unicamp. "O petróleo é uma indústria totalmente internacional."

Folha de São Paulo



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