Relação de São Paulo com as águas é tema de livro
Dois problemas aparentemente opostos que afetam a Região Metropolitana de São Paulo a escassez de água e as inundações possuem raízes históricas semelhantes: políticas públicas equivocadas, guiadas muitas vezes por interesses particulares, e um processo de apropriação excludente dos recursos hídricos e áreas de várzea da capital.
A análise foi feita pela geógrafa Vanderli Custódio, professora do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP), em livro recém-lançado pela Editora Humanitas.
A obra, publicada com auxílio da FAPESP, reúne textos produzidos durante o mestrado e o doutorado de Custódio ambos realizados no Departamento de Geografia da USP.
Os três primeiros capítulos foram acrescentados para delinear o processo de urbanização que deu origem tanto ao problema de falta dágua quanto às enchentes.
Houve uma apropriação perversa e excludente dos recursos hídricos da bacia do alto Tietê, que vai da nascente do rio em Salesópolis até a barragem de Pirapora do Bom Jesus. Priorizou-se a geração de energia, como se não houvesse uma metrópole que dependesse dessas águas para o abastecimento, afirmou a pesquisadora.
Custódio se refere à concessão dada pelo governo paulista à empresa The São Paulo Tramway, Light and Power Company (conhecida como Light) no início do século 20, para explorar durante 90 anos os recursos hídricos da região para a geração de energia.
A medida ajudou a ampliar o parque industrial e a transformar São Paulo na locomotiva do Brasil, mas, como o crescimento não veio acompanhado de uma preocupação ambiental, a poluição gerada pelas indústrias e pelo adensamento populacional inutilizou as águas para qualquer outro fim.
Os rios ficaram assoreados demais para o transporte. Não dá para pescar e não servem para o lazer ou recreação. Viraram canais de escoamento de esgoto, basicamente. Mas essa água poluída gerava energia, desenvolvimento e progresso, disse Custódio.
Os efeitos dessa política começaram a ser notados no fim dos anos 1980, quando a Região Metropolitana teve de enfrentar os primeiros rodízios no abastecimento. A situação se agravou na década seguinte e hoje vive um equilíbrio frágil.
A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), com todos os seus sistemas trabalhando na capacidade máxima, consegue produzir aproximadamente 67 metros cúbicos de água por segundo. A vazão do Tietê quando atravessa a Região Metropolitana é de 82 metros cúbicos por segundo. Daria para abastecer a todos e sobraria água, disse Custódio.
No caso das inundações, questão ainda mais delicada e difícil de solucionar segundo Custódio, a Light também teve papel decisivo. A empresa foi a responsável pela retificação dos rios Tietê e Pinheiros e também pela inversão do curso deste último.
Os rios ficaram estreitos e subdimensionados. A Light se apropriou das áreas de várzea, que se valorizaram, e as vendeu para o mercado imobiliário, disse Custódio.
O projeto de construção das avenidas marginais foi outro grande equívoco da administração pública. Priorizou-se o modelo rodoviarista. Para abrir espaço para as avenidas, o espaço dos rios foi reduzido. O solo foi impermeabilizado, disse.
Custódio também cita como causa importante das cheias a forma inadequada como tem sido feita a terraplenagem durante os processos de construção de rodovias e abertura de loteamentos habitacionais.
Você tem uma elevação ao sul, que é a serra do Mar. Ao norte temos a serra da Cantareira. Quando há movimentação de terra sem o devido cuidado, os resíduos vão para o fundo da bacia, ou seja, o rio Tietê. É mais caro fazer do jeito correto, então as pessoas deixam isso em segundo plano, explicou.
Esses problemas, somados à falta de manutenção adequada das galerias pluviais e à tendência de aumento das chuvas fortes durante o verão, fazem a pesquisadora acreditar que a capital ainda sofrerá com as enchentes por muitos anos. Sou pessimista. Não vejo solução definitiva ou de curto prazo, disse.
Escassez de Água e Inundações na Região Metropolitana de São Paulo
Autora: Vanderli Custódio
Lançamento: 2012
Preço: R$ 25
Páginas: 172
Mais informações: www.editorahumanitas.com.br/detalhesLaSQL.php?cod=591.
(Agência FAPESP)
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A análise foi feita pela geógrafa Vanderli Custódio, professora do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP), em livro recém-lançado pela Editora Humanitas.
A obra, publicada com auxílio da FAPESP, reúne textos produzidos durante o mestrado e o doutorado de Custódio ambos realizados no Departamento de Geografia da USP.
Os três primeiros capítulos foram acrescentados para delinear o processo de urbanização que deu origem tanto ao problema de falta dágua quanto às enchentes.
Houve uma apropriação perversa e excludente dos recursos hídricos da bacia do alto Tietê, que vai da nascente do rio em Salesópolis até a barragem de Pirapora do Bom Jesus. Priorizou-se a geração de energia, como se não houvesse uma metrópole que dependesse dessas águas para o abastecimento, afirmou a pesquisadora.
Custódio se refere à concessão dada pelo governo paulista à empresa The São Paulo Tramway, Light and Power Company (conhecida como Light) no início do século 20, para explorar durante 90 anos os recursos hídricos da região para a geração de energia.
A medida ajudou a ampliar o parque industrial e a transformar São Paulo na locomotiva do Brasil, mas, como o crescimento não veio acompanhado de uma preocupação ambiental, a poluição gerada pelas indústrias e pelo adensamento populacional inutilizou as águas para qualquer outro fim.
Os rios ficaram assoreados demais para o transporte. Não dá para pescar e não servem para o lazer ou recreação. Viraram canais de escoamento de esgoto, basicamente. Mas essa água poluída gerava energia, desenvolvimento e progresso, disse Custódio.
Os efeitos dessa política começaram a ser notados no fim dos anos 1980, quando a Região Metropolitana teve de enfrentar os primeiros rodízios no abastecimento. A situação se agravou na década seguinte e hoje vive um equilíbrio frágil.
A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), com todos os seus sistemas trabalhando na capacidade máxima, consegue produzir aproximadamente 67 metros cúbicos de água por segundo. A vazão do Tietê quando atravessa a Região Metropolitana é de 82 metros cúbicos por segundo. Daria para abastecer a todos e sobraria água, disse Custódio.
No caso das inundações, questão ainda mais delicada e difícil de solucionar segundo Custódio, a Light também teve papel decisivo. A empresa foi a responsável pela retificação dos rios Tietê e Pinheiros e também pela inversão do curso deste último.
Os rios ficaram estreitos e subdimensionados. A Light se apropriou das áreas de várzea, que se valorizaram, e as vendeu para o mercado imobiliário, disse Custódio.
O projeto de construção das avenidas marginais foi outro grande equívoco da administração pública. Priorizou-se o modelo rodoviarista. Para abrir espaço para as avenidas, o espaço dos rios foi reduzido. O solo foi impermeabilizado, disse.
Custódio também cita como causa importante das cheias a forma inadequada como tem sido feita a terraplenagem durante os processos de construção de rodovias e abertura de loteamentos habitacionais.
Você tem uma elevação ao sul, que é a serra do Mar. Ao norte temos a serra da Cantareira. Quando há movimentação de terra sem o devido cuidado, os resíduos vão para o fundo da bacia, ou seja, o rio Tietê. É mais caro fazer do jeito correto, então as pessoas deixam isso em segundo plano, explicou.
Esses problemas, somados à falta de manutenção adequada das galerias pluviais e à tendência de aumento das chuvas fortes durante o verão, fazem a pesquisadora acreditar que a capital ainda sofrerá com as enchentes por muitos anos. Sou pessimista. Não vejo solução definitiva ou de curto prazo, disse.
Escassez de Água e Inundações na Região Metropolitana de São Paulo
Autora: Vanderli Custódio
Lançamento: 2012
Preço: R$ 25
Páginas: 172
Mais informações: www.editorahumanitas.com.br/detalhesLaSQL.php?cod=591.
(Agência FAPESP)
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