Em meio à seca, professoras tratam água para evitar doença de alunos

Data: 30/05/2012

Em meio à seca, professoras tratam água para evitar doença de alunos


Na segunda cidade do país a apresentar mais decretos de emergência por estiagem nos últimos 10 anos, Lagoa Grande, no sertão de Pernambuco, as professoras tratam a água do Rio São Francisco para evitar que os alunos fiquem doentes.
Levantamento do G1 junto aos dados da Secretaria Nacional de Defesa Civil mostra que duas cidades pernambucanas vizinhas são as "recordistas da seca". O município de Santa Cruz apresentou 16 decretos desde 2003, seguido por Lagoa Grande, com 15.
A equipe de reportagem do G1 visitou as duas cidades, onde moradores relatam a vida à base de água salgada, e as autoridades, o abandono.
Lagoa Grande
A Prefeitura de Lagoa Grande (a 600 km do Recife) decretou situação de emergência pela última vez em abril deste ano. A zona urbana é parcialmente abastecida pelo Rio São Francisco, mas a água encanada não chega à zona rural.

Na Escola Municipal Padre José de Anchieta, onde estudam cerca de cem crianças de Riacho do Recreio, as funcionárias resolveram fazer o "tratamento da água" por conta própria.

Essa foi a saída para não colocar a saúde dos alunos em risco caso consumissem água de má qualidade, contam as professoras.

Todos os dias, elas relatam que coam, fervem a água e, depois de resfriada, adicionam cloro e passam por um filtro.

"A gente teve que tomar essa iniciativa, pois não dá para confiar na qualidade da água dos poços e dos carros-pipa. Nós conseguimos ver os resíduos que ficam no coador", conta a professora Eugênia Souza.


Banho a cada quatro dias
Josefa Maria da Conceição, 73 anos, mora em Santo Antônio, que fica a menos de 5 km do Rio São Francisco. Ela conta ao G1, constrangida, que passa até quatro dias sem tomar banho e que prefere usar a água da cisterna apenas para beber, cozinhar e dar aos animais.
"Eles só enchem a cada 15 dias e olhe lá. Às vezes, não tem nem para fazer o café e a gente passa fome. Falta alguém querer colocar cano aqui. Tenho a perna doente, não consigo chegar lá [no rio">", afirma.
Vizinho de dona Josefa, o agricultor Geraldino Firmo da Paixão carrega no peito a imagem de Santo Antônio. Neste ano, ele perdeu toda a plantação de feijão. "Não teve água para molhar os brotos. Foi assim com todo mundo por aqui", conta. Trinta famílias moram na comunidade sem sistema de abastecimento.
A falta de água encanada castiga 7,6 mil pessoas que moram na zona rural. Quem não tem como reservar água, vai parar nas filas formadas em frente aos poços, munidos de latas, baldes e carrinho de mão.
"Eu faço dezenas de viagens, pois tenho 12 pessoas lá em casa", relata Maria Vilma de Souza, com a neta no colo. Erivaldo Silva é o responsável por bombear a água do poço. "Eu fico a manhã toda subindo e descendo a alavanca para puxar a água e ainda tenho que prestar atenção no pessoal. Tem gente que fura fila, leva o balde do outro", diz.

Distrito de Jutaí
No distrito de Jutaí, que fica a 63 km da margem do Rio São Francisco, a situação é ainda pior. A localidade fica na chamada área de sequeiro, onde plantações e rebanhos dependem da água da chuva para serem irrigadas. A última chuva significativa na região ocorreu em maio de 2011, segundo o município.

Adolfo Gomes vive ao lado da barragem Contendas e não conseguiu plantar nada neste ano. "Até arei a terra para o milho e feijão, mas desisti. Quem plantou perdeu tudo", afirma. Cerca de 1,2 mil pessoas vivem no distrito. A maior parte das famílias não tem cisterna. (Veja o vídeo ao lado)
A Secretaria Estadual de Agricultura e Reforma Agrária de Pernambuco afirma que, entre 2010 e 2011, o governo entregou ao distrito de Jutaí 26 cisternas, no valor de R$ 48 mil, em projeto executado pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

Falta verba?

"Acho que o governo já poderia ter investido mais aqui. O povoado mais distante do Rio São Francisco fica a 105 km da sede da cidade. Se construíssem adutoras, tudo melhoraria. E nem precisa ir muito longe. Tem comunidade a 8 km do manancial que passa sede. A perfuração de poços artesianos também ajudaria muito. Hoje, temos apenas 105", afirma o secretário municipal de Agricultura, Reginaldo Alencar.

Em Jutaí, muita gente não tem cisterna e precisa buscar água em poço da prefeitura de Lagoa Grande, em Pernambuco (Foto: Luna Markman/ G1)
A prefeitura afirma que decretou situação de emergência neste ano porque toda a safra de milho e feijão foi perdida. As 80 mil cabeças de caprinos, ovinos e bovinos estão perdendo peso. O preço do animal caiu entre 50% e 70%. Além disso, falta água para o consumo humano. Atualmente, há cinco carros-pipa contratados, para 30 viagens por dia. O gasto é de R$ 60 mil por mês.
A prefeitura também diz pagar aluguel e operação de máquinas para abrir poços menores e rasos (R$ 180 mil), limpar aguadas, barreiros e barragens (R$ 200 mil), manter estradas para passagem de carros-pipa (R$ 280 mil), além de bancar equipe técnica para recuperar poços artesianos (R$ 20 mil). Os valores são referentes a contratos que duram três meses. Parte do recurso sai do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
A secretaria estadual diz que o Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA) construiu em Lagoa Grande 42 barragens e açudes (R$ 391.560); perfurou, instalou e recuperou sete poços (R$ 54 mil) e recuperou, ampliou e construiu duas pequenas barragens, de valor não divulgado.

Já o Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural (ProRural), segundo a secretaria, permitiu a construção de um poço em benefício de 58 famílias (R$ 195.156) e entregou 66 cisternas.
O secretário municipal de Agricultura diz que desconhece as duas primeiras ações do instituto. (Veja o vídeo ao lado)
Já o Ministério da Integração, desde 2003, liberou R$ 1.065.024,58 para Lagoa Grande, por meio de três convênios de 2005, 2006 e 2007, apesar de a cidade ter apresentado decretos de emergência todos os anos desde então.
A pasta aprovou R$ 114.884,45 para recuperação de mananciais, aguadas e barreiros em 2006, e R$ 100.140,13 para implantação do sistema de abastecimento de água simplificado de São Mateus, a barragem de Contendas, no ano anterior. Adutoras captavam água da barragem de Contendas e a distribuía aos povoados de Jutaí e São Mateus. Desde janeiro, o reservatório está vazio em razão da estiagem.


Obra parada

Outro problema é o atraso na implantação e recuperação do sistema de abastecimento de água do Açude Saco 2 e Riacho do Recreio. As obras estão paradas desde 2010, segundo a administração municipal. O sistema é resultado do reconhecimento de um dos decretos apresentados pela cidade, que recebeu R$ 850 mil do Ministério da Integração para a obra em 2007.
O açude, por causa da longa estiagem, hoje está apenas com 2% da capacidade. Segundo o secretário de Obras de Lagoa Grande, Eraldo Rêgo, apenas algumas tubulações foram instaladas. A obra está a encargo do município.
Já o sistema de Riacho do Recreio captaria e trataria a água do Rio São Francisco para abastecer os moradores da região, que fica a cerca de 6 km do manacial. Além do próprio Riacho do Recreio, as comunidades de Tanque de Ferro, Malhada Bonita e Santo Antônio também seriam beneficadas, totalizando cerca de 200 famílias. No povoado, há um reservatório e uma Estação de Tratamento de Água abandonados.
Até 8 dias sem água
Moradores de Riacho do Recreio recebem água bruta, sem tratamento, todos os dias. Já quem vive em Malhada Bonita e Tanque recebe água a cada oito dias. Sem tubulação em Santo Antônio, os moradores precisam esperar carros-pipa, que não são regulares, ou caminhar para buscar água no povoado vizinho.
Hoje, uma adutora que está em funcionamento no povoado retira a água do Rio São Francisco e a armazena em um segundo reservatório da região. De lá, canos improvisados pela prefeitura municipal fazem a distribuição de maneira precária.

Em 2007, o Ministério da Integração liberou R$ 850 mil para implantação e recuperação do sistema de abastecimento de Riacho do Recreio, em Lagoa Grande. Apesar do dinheiro em caixa, a obra não foi concluída. (Foto: Luna Markman/G1)
Em novembro de 2010, a Prefeitura de Lagoa Grande pediu à Agência Nacional de Águas (ANA) autorização para usar água do Rio São Francisco no sistema do Riacho do Recreio. Como o projeto requeria uma vazão de captação de água considerada insignificante pelos padrões da ANA, isto é, abaixo de quatro litros por segundo, a outorga foi dispensada.
De acordo com o secretário de Obras, 66% da verba do Ministério da Integração já foi usada para construir parte do sistema Riacho do Recreio e instalar algumas tubulações no Açude Saco 2.

"As obras começaram entre 2006 e 2007, mas estão paradas desde 2010, porque a Caixa Econômica Federal [CEF"> diz que só vai entregar depois que o projeto tiver a Licença de Instalação, dada pela CPRH [Agência Estadual de Meio Ambiente">. Não entendo porque liberou quase tudo e agora está prendendo o restante. Só falta chorar quando eu vou lá", afirma.


O secretário ainda afirma que não está conseguindo manter contato com a empresa executora do serviço. "O pior é que, há seis meses, a gente tenta falar com a empresa que ganhou a licitação para fazer a obra e ela não atende. Parece até que ela faliu. Estamos pensando em desfazer o contrato e procurar a [empresa"> que ficou em segundo lugar", diz.

Documentos pendentes

O Ministério da Integração informa que o convênio com o município de Lagoa Grande teve 66,34% de execução física e que o prosseguimento da execução está condicionado à apresentação da documentação exigida pela legislação.
Em nota, a CEF informa que aguarda documentação pendente e que a prefeitura deverá solicitar a medição da evolução das obras, conforme prevê o cronograma físico-financeiro do contrato, para que o desembolso seja efetuado.
A assessoria de comunicação da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) diz que a Licença Prévia (LP) do sistema de abastecimento Riacho do Recreio foi emitida no dia 16 de fevereiro de 2011, após o início da obra. Já sobre a licença de instalação, a agência afirma que não recebeu solicitação da Prefeitura de Lagoa Grande.
A Secretaria de Obras do município não se manifestou sobre as pendências até a publicação desta reportagem. A empresa citada pelo secretário de Obras não foi localizada.

Fonte : G1


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