Entrevista com Silvia Calou, diretora-presidente da Arsesp

Data: 09/05/2012

Criada em 2007, a partir da Comissão de Serviços Públicos de Energia, a Arsesp (Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo) é vinculada à Secretaria de Energia do Estado de São Paulo.

O órgão é soberano regulador para o setor de gás e responsável pela fiscalização das empresas de energia elétrica, além de também responder pela área de saneamento do estado paulista.

De acordo com sua atual diretora-presidente e também diretora de Regulação Técnica e Fiscalização dos Serviços de Distribuição de Gás Canalizado, Silvia Calou, a busca pelo equilíbrio das relações de atendimento ao mercado, demandas dos prestadores de serviços e a política do estado paulista têm norteado as ações da Agência, que reúne entre seus principais desafios: possibilitar condições para a ampliação do mercado de gás, qualificar o diálogo com as empresas de saneamento e, diante da consideração do quesito Qualidade para as revisões tarifárias das empresas de energia elétrica, fortalecer a fiscalização junto às companhias.

“Temos presença crescente no mercado paulista, seja pela regulação, ou pela fiscalização, e acredito que vamos evoluir num estado altamente qualificado. Queremos, cada vez mais, contribuir para um diálogo com as concessionárias, possibiltando que o fornecimento de energia em São Paulo atinja a qualidade merecida pelo estado, com segurança energética e, claro, dentro de condições de equilíbrio”, aponta a diretora-presidente da Arsesp, que é economista pela Unicamp, com mestrado em Política Energética pela Universidade de Surrey (Inglaterra).

Confira, a seguir, a íntegra da entrevista concedida por ela com exclusividade ao site do SindiEnergia:


SindiEnergia – Sua história profissional reúne a atuação em companhias do setor de energia, órgãos de governo, entidades de representação da categoria e, agora, agência reguladora. Essa experiência tem facilitado o diálogo com as empresas de energia elétrica e de gás?

Silvia Calou – Comecei em uma empresa então estatal, passando pela Secretaria de Energia (SP), no escritório de Privatização, após meu mestrado sobre o tema. Na ocasião, trabalhei no processo de privatização das companhias paulistas. Depois atuei na inciativa privada e organizações de representação do setor, em que se busca a defesa dos interesses coletivos. Toda essa experiência realmente ajuda a compreender a visão das partes envolvidas no setor econômico. Saber como “funciona” o outro lado contribui para compreender os posicionamentos, as dificuldades, os pontos, inclusive, que devem ser atentados pela regulação.

Para o regulador, é fundamental alcançar o equilíbrio. Muitas vezes confunde-se o papel do regulador com organizações de defesa do consumidor, quando não é esse o objetivo. É fato que o órgão regulador dedica uma atenção diferenciada para o lado do consumo, chamado “hipossuficiente”. É considerado esse o entendimento porque a experiência (até em audiências públicas) nos mostra que os grandes consumidores estão mais bem preparados para discutir questões técnicas, por exemplo, enquanto que os consumidores residenciais não estão organizados.

A Arsesp busca justamente o equilíbrio entre a necessidade de atendimento ao mercado, demandas dos prestadores de serviços e a política do estado, uma vez que seguimos uma diretriz estabelecida pelo governo paulista.


SindiEnergia - Em sua posse, em 2011, você destacou, entre os desafios da gestão na Arsesp, a expansão do mercado de gás em São Paulo sem afetar de maneira intensa a tarifa do produto. Fale um pouco a respeito de como a Agência tem trabalhado esta questão.

Silvia Calou – Eu diria que este é o maior desafio que temos pela frente. O mercado de gás, ao mesmo tempo em que se parece com o de energia elétrica, também muito se difere. Nele, não existe necessidade de universalização, como acontece em energia elétrica – por ser um bem essencial, insubstituível. Para o gás, há fontes substitutas, tanto para residências, como para indústrias, tornando-o uma commodity competitiva.

Nesse contexto, é preciso que haja uma oferta grande de gás, permitindo um preço competitivo do produto. Entretanto, hoje temos restrição. Existe uma perspectiva grande de extração nas bacias do pré-sal, mas não há muitos ofertantes. Atualmente, o principal é a Petrobras, que consome cerca de 50% do que produz. Por outro lado, há também a necessidade de demanda para justificar a oferta.

Nós, da direção da Arsesp, temos apontado que São Paulo precisa de “âncoras” porque só o mercado residencial é insuficiente para que os investimentos do setor sejam economicamente viáveis. É preciso que haja as termelétricas, a cogeração (utilização do gás para o processo produtivo e geração de energia elétrica) e uma consolidação do mercado de GNV (hoje à margem por uma ruptura no incentivo).

Há perspectiva de instalação de três usinas termelétricas nos próximos anos em São Paulo e também de crescimento no consumo de GNV, mas há a necessidade de uma integração da política para a energia elétrica e o gás, incentivando o consumo deste último – especialmente no caso da cogeração.

Dentro deste contexto, recentemente, publicamos as deliberações para os comercializadores. Já temos dois agentes autorizados para comercializar gás para consumidores livres (até 300.000 metros cúbicos/mês). Temos também discutido com a direção da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) para que haja uma flexibilização das regras, incentivando mais empresas a participarem dos leilões. Hoje, as companhias precisam de 100% de garantia do gás (lastro) para se candidatar ao leilão, quando se sabe que as térmicas não operam 100% do tempo.

Além disso, atuamos nas revisões tarifárias, e criamos uma “conta gráfica” para que as empresas de distribuição não tenham que carregar um custo financeiro da matéria prima, podendo repassar aos consumidores, quando necessário, o valor relativo ao aumento do produto adquirido, como já acontece em outros estados do país.

Mas, é preciso que seja dito, toda a evolução do mercado de gás no Brasil é muito recente. A Lei do Gás é relativamente nova, a possibilidade de estabelecer um mercado consistente para esta fonte energética é recente, veio com o pré-sal, com a perspectiva do mercado de importação do gás liquefeito (devido a um excedente na oferta internacional, seja por menor consumo na Europa, ou queda demanda por parte dos Estados Unidos).

É diferente do que acontece com o setor de energia elétrica, já estabelecido há muito mais tempo. Internamente ainda precisamos avançar com a regulamentação, as rodadas de licitação dos blocos de petróleo e gás e investimentos nas estações de fornecimento.


SindiEnergia - Ainda falando de sua posse, foi enfatizada a importância do estabelecimento de um plano de cargos e salários dentro da Agência para se manter a qualidade do corpo de colaboradores. Tem sido possível evoluir neste projeto?

Silvia Calou – O plano não é apenas de cargos e salários, mas, principalmente, de valorização dos profissionais da Arsesp, envolvendo treinamento proposto pela direção da Agência e também pelas áreas.

Recentemente, publicamos a deliberação sobre uma política de pós-graduação, com possibilidade de a Agência cobrir até 100% do valor dos cursos. Há dois anos, enviamos os reguladores para cursos nos EUA, o que deve continuar a ser feito para a contínua qualificação do pessoal, além da promoção de um concurso para a contratação, o que vai fortalecer os recursos de atuação da Agência.

Estamos estabelecendo planos de benefícios, como de Previdência, de Saúde, além da promoção de ginástica laboral, mostrando que a Arsesp está preocupada com a qualidade de vida de seus colaboradores, tornando a Agência também uma alternativa para a carreira de profissionais do setor.

A Agência completa no início de 2013 cinco anos sem reajuste salarial, por isso as atenções da diretoria estão centradas um projeto junto ao governo para o acerto de uma tabela. Paralelamente, vamos definir melhor o conceito de autarquia especial e critérios para promoção. Acredito que até a metade deste ano já tenhamos uma definição sobre estas questões.

Ainda em âmbito de projeto, há o plano para valorizar a própria Arsesp, uma organização relativamente nova, aproximando a Agência tanto das empresas, quanto dos consumidores residenciais. Queremos tornar a organização mais conhecida como órgão ao qual se é possível recorrer.


SindiEnergia - Como é a relação da Agência estadual com as empresas? Tem se alcançado uma atividade em parceria para o aprimoramento da qualidade dos serviços do setor?

Silvia Calou – As empresas nos setores de energia e de gás estão acostumadas à regulação. Na área de energia elétrica ainda mais até por sua longa história. Já entre as empresas de saneamento, a administração da Arsesp está começando um trabalho de entendimento e relacionamento nas questões regulatórias e de fiscalização, envolvendo as companhias e os municípios.

São 226 empresas de saneamento em todo o estado, demandando um esforço bastante intenso, principalmente, considerando que ainda estamos estruturando uma cultura de comunicação com essas companhias.


SindiEnergia - No setor de Energia Elétrica, a Arsesp fiscaliza os serviços de distribuição e também a operação de Pequenas Centrais Hidroelétricas e Pequenas Centrais Termoelétricas. Como é atuar em conjunto com a Aneel na regulação deste segmento?

Silvia Calou – Somos conveniados à Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). E este é um processo que vem avançando. Tivemos dificuldades no passado devido ao contingenciamento de recursos – até pelo fato de a própria Aneel sofrer do mesmo problema. A Arsesp muitas vezes acaba tolhida de sua atuação.

Na busca por soluções, conversamos com a administração da Secretaria de Energia do Estado de São Paulo a respeito da transferência de aportes para reforçar o trabalho de fiscalização da Arsesp, o que está andamento.

Na atuação em parceria com a Aneel, temos dado subsídios para o órgão regulador nacional sobre a relevância das atividades preventivas, que possam prever eventuais problemas. São Paulo demanda um tratamento diferenciado não só pelo nível de exigência quanto à qualidade dos serviços, bem como toda a questão logística, de deslocamento.

A Aneel mudou recentemente a metodologia da revisão tarifária, incluindo a Qualidade como um dos quesitos. Isso torna ainda maior a necessidade de fiscalização, por isso nosso reforço sobre a relevância de ampliarmos os recursos para as atividades da Arsesp, que atua no maior mercado da economia nacional.


SindiEnergia - A seu ver, qual a relevância do COE (Conselho de Orientação de Energia) para as decisões que são tomadas pela diretoria da Agência?

Silvia Calou – Para o setor de gás, a Arsesp é a última instância de julgamento dos recursos e tem soberania para deliberar. Para o setor de energia, há manifestação sobre os processos, que posteriormente são levados para a Aneel.

Com relação ao COE, acho que vamos avançar no aspecto de orientação para as ações da Agência. Os seus membros têm se mostrado mais interessados em participar das atividades da Arsesp. E, como estamos em fase de definição de um plano estratégico, todas as contribuições favorecem esse trabalho. O Conselho, por contar com a apresentação de importantes representantes da sociedade, tende a evoluir como um sinalizador dos temas nos quais a direção da Arsesp deve se envolver.

SindiEnergia - A Arsesp regula e fiscaliza os serviços de distribuição de gás canalizado de 3 (três) concessionárias. Quais as referências utilizadas pela diretoria para promover a regulamentação e fiscalização do setor?

Silvia Calou – Atuamos muito junto a consultorias internacionais, além de estarmos finalizando um convênio com a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), responsável por regular a produção e o transporte de gás, visando a “harmonia” com outros elos da cadeia para formular a regulamentação para o setor de distribuição.

Recentemente, estive numa missão para conhecer o mercado britânico, que é referência para a regulação de gás, sem abrir mão de atender à competitividade. O aprendizado foi importante. O país também reviu toda a regulamentação de energia elétrica há pouco tempo, incluindo a Sustentabilidade como quesito para a revisão tarifária.

São esses intercâmbios que possibilitam para nós colhermos subsídios para evoluirmos nas atividades da Agência.

SindiEnergia - O estado de São Paulo possui um cenário de regulação do gás que é considerado uma referência para outros estados. Quais os aspectos da regulação deste setor que, a seu ver, demandam atenção e melhorias?

Silvia Calou – Nesse momento, há sim um desafio para a regulação do gás que exige desenvolvimento regulatório da Arsesp, que é a interconexão da distribuição de gás entre estados.

Recentemente, foi noticiada a compra de parte da Gás Brasiliano pela Cemig, envolvendo um aporte de recursos para investimentos no ramal Anhanguera, gasoduto que conectará a unidade distribuidora de São Paulo a uma unidade de fertilizantes da Petrobras em Minas Gerais.

Não há regulação estabelecida para este caso e será necessário estabelecer regras para situações como esta, que deve se repetir não apenas aqui em São Paulo, como também em outros estados.


SindiEnergia - Por fim, olhando para frente: quais são os desafios da Arsesp num cenário de otimismo quanto ao crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e de relevância internacional do Brasil?

Silvia Calou – Temos muito trabalho pela frente, com presença crescente no mercado paulista, seja pela regulação, bem como fiscalização, para a oferta e demanda de energia. Acredito que vamos evoluir num estado altamente qualificado e especializado. Temos metas elevadas de qualidade para o trabalho a ser desenvolvido.

Queremos, cada vez mais, contribuir para o diálogo com as concessionárias, possibiltando que o fornecimento de energia em São Paulo atinja a qualidade merecida pelo estado, com segurança energética e, claro, dentro de condições de equilíbrio, a busca permanente de todas as ações desempenhadas pela Arsesp.

boletim SindEnergia


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