Entrevista com o Professor David Zee

Data: 07/05/2012
A paciência herdada dos antepassados orientais tem ajudado a contrabalançar a preocupação constante que tem rondado o dia-a-dia do professor David Zee. Conceituado estudioso da questão da água, especialmente dos oceanos, o Coordenador do Mestrado em Meio Ambiente da Universidade Veiga de Almeida (UVA), tem andado muito apreensivo com recentes acidentes, como dois ocorridos em áreas exploradas pela multinacional norte-americana Chevron. Ele alerta que estes vazamentos não só afetam a biodiversidade marinha mas também colocam em xeque a exploração do petróleo em águas profundas.
“A pressa e a desproporção dos investimentos entre a exploração e a prevenção com que a indústria do petróleo trata a exploração offshore brasileira produz este clima de insegurança ambiental”, adverte Zee, nesta entrevista exclusiva à Plurale em revista. Ninguém espere, no entanto, que o especialista condene definitivamente a exploração na camada do pré-sal. O que ele defende são regras e padrões ainda mais seguros para uma intervenção que está apenas no início. “Lembro que o Brasil não pode prescindir desta riqueza natural, contudo deve ser capaz de explorá-lo de forma segura e eficiente”, pondera. Leia a seguir esta entrevista.



Plurale em revista - A questão da água é cada dia mais crucial. Falta o insumo em alguns locais e a escassez pode provocar não só mudanças nos atuais padrões de consumo, mas até mesmo definir a permanência de povos em certas regiões ou - quem sabe - lutas e guerras. Como o senhor vê este cenário?
David Zee - Desde os primórdios dos tempos o homem sempre se estabeleceu onde o acesso a água fosse fácil e abundante. O desenvolvimento humano tem como premissa a existência de água para dessedentação e higiene. Atualmente o uso da água se expandiu para produção de energia, irrigação e produção industrial. A cada dia que passa a água como um recurso natural torna-se questão de segurança nacional para países que tem carência deste bem natural.

Plurale em revista- Como conciliar a questão da água e o desenvolvimento?
David Zee - O uso da água para o desenvolvimento humano em um planeta com mais de 7 bilhões de habitantes, depende do planejamento e do desenvolvimento de tecnologias que privilegiam a eficiência e o ordenamento do consumo.


Plurale em revista- O Brasil tem mananciais importantíssimos. De água doce , salgada e também subterrânea. Como a Bacia do Amazonas e do Xingu. Sem falar no Aquífero Guarani. Temos realmente vantagens comparativas? Estamos tratando bem destas reservas ou não?

David Zee - O Brasil é considerado um país privilegiado em água doce acessível. Entretanto a concentração populacional encontra-se em regiões brasileiras com mananciais menos abundantes, em termos de volume d’água. A região norte, onde se encontra os maiores mananciais d’água são os menos povoados.

Plurale em revista - Como fica a questão das hidrelétricas na Amazônia, na sua opinião?
David Zee - A região amazônica encontra-se assentada sobre uma enorme planície. Desta forma sua característica de relevo somada a sua biodiversidade vegetal e animal não são favoráveis para a instalação de hidrelétricas.

Plurale em revista - O petróleo agora está em camadas cada vez profundas, no chamado pré-sal. Mas os riscos também são muito maiores. Qual a sua análise destes acidentes/vazamentos recentes e tão reincidentes nos últimos meses?
David Zee - A pressa e a desproporção dos investimentos entre a exploração e a prevenção com que a indústria do petróleo trata a exploração offshore brasileira produz este clima de insegurança ambiental.
O atual cenário de acidentes ambientais provocados pede indústria do petróleo ameaça, tanto a acessibilidade quanto à capacidade do Brasil em promover a exploração do pré-sal. Lembro que o Brasil não pode prescindir desta riqueza natural, contudo deve ser capaz de explorá-lo de forma segura e eficiente.

Plurale em revista - O sinal de alerta está aceso, como o senhor tem insistido? O que é preciso fazer?

David Zee - É preciso reagir com desenvolvimento de novas normas, estratégias e políticas que privilegiam a precaução, prevenção e segurança da exploração de campos petrolíferos marinhos. Cabe a ANP e o IBAMA desenvolver novos instrumentos de controle, fiscalização e licenciamento para a exploração offshore. Um destes instrumentos pode ser a Análise de Risco Ambiental, além do estudo de Impacto Ambiental.

Plurale em revista - A Petrobras é estatal. A ANP, que fiscaliza é também de controle estatal. Os recentes episódios não indicam que falta um controle independente neste sentido?

David Zee - Sem dúvida, seria muito saudável e prudente, haver observadores de outros segmentos da sociedade, visando potencializar a transparência e a inclusão no processo de gestão da produção petrolífera no Brasil. Além de dividir os direitos, dividem-se os deveres de todos os segmentos envolvidos no processo.

Plurale em revista - Especialistas advertem que o foco tem sido muito mais na punição do que na prevenção. O senhor concorda?
David Zee - Precisamos evoluir quanto aos procedimentos e instrumentos que devem auxiliar na condução das ações reativas, ou seja, após a ocorrência do acidente. A multa é um instrumento punitivo e de pouca eficácia para mitigar os impactos e a prevenção de futuros acidentes. Além disso, a multa deve ser revertida para financiar o desenvolvimento de metodologia para prevenção

Plurale em revista - Os riscos destes vazamentos são não só para a biodiversidade local mas para todo o bioma? O que pode ser feito para aumentar a prevenção?
David Zee - Mais investimentos financeiros para equipamentar a Marinha do Brasil no sentido de poder apoiar nos momentos de acidentes. Maior rigor, e estabelecer critérios de investimentos em prevenção para as empresas operadoras e licenciadas para a exploração offshore.


Plurale em revista - A falta de saneamento ainda é um problema gravíssimo no Brasil do século 21. Como resolvê-lo?
David Zee - Políticas públicas voltadas para o saneamento básico e investimentos. Para isso acontecer é preciso mobilização da opinião pública neste sentido.

Plurale


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