Os estados, a União e o apoio à pesquisa

Data: 03/05/2012

Os estados, a União e o apoio à pesquisa


,Carlos Henrique de Brito Cruz

Quase um terço do investimento público em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no Brasil é feito pelos governos estaduais. No momento em que se debate o corte de recursos federais para P&D é oportuno expor fatos relevantes sobre a contribuição estadual, pouco notada, mas essencial para o desenvolvimento científico e tecnológico do País.



O dispêndio público em P&D no Brasil em 2010, segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), foi de R$ 23 bilhões. Destes, R$ 7 bilhões vieram de cofres estaduais. A distribuição do esforço em P&D entre os estados é heterogênea. São Paulo, sozinho, responde por 72% do dispêndio estadual, com R$ 5 bilhões. Em segundo e terceiro lugares vêm Rio de Janeiro, com R$ 489 milhões, e Paraná, R$ 414 milhões. Seguem-se Minas Gerais (R$ 214 milhões), Santa Catarina (R$ 210 milhões) e Bahia (R$ 120 milhões). Os outros 20 Estados e o Distrito Federal, em conjunto, aplicaram R$ 541 milhões em P&D em 2010.



O MCTI divide o dispêndio estadual em P&D em duas partes. Os dispêndios dos estados com fundações de amparo à pesquisa (Faps) e institutos de pesquisa estaduais constituem a menor parte, 36%. A maior (64%) são os dispêndios em P&D das universidades e instituições estaduais de ensino superior, a qual exclui os dispêndios com aposentadorias, sentenças judiciais e outras atividades não ligadas à pesquisa.



No dispêndio com Faps e institutos tem havido uma real desconcentração. Em 2001 São Paulo respondia por 61% do total nessa categoria e, mesmo com o aumento constante dos dispêndios da Fapesp, em 2010 respondeu por 45%. Dois fatores contribuíram para tal: a melhora das finanças estaduais, com o crescimento da economia, facilitou a natural emulação do modelo Fapesp; e ações do MCTI exigindo contrapartida estadual em certos programas de investimento em ciência e tecnologia (C&T).



Ótimo exemplo do que se pode fazer em colaboração é o programa de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), que tem expressivo apoio das fundações estaduais e de órgãos federais. A segunda maior fonte de recursos para os INCTs é a Fapesp, a primeira é o FNDCT. Ponto para o Brasil, que ganhou mais abrangência e capilaridade regional na boa pesquisa. O programa Pappe Subvenção da Finep faz a mesma coisa, apoiando P&D em pequenas empresas junto com as Faps estaduais.



Já no dispêndio estadual relativo à pesquisa em universidades o diferencial de prioridades entre os estados permanece: São Paulo responde por 86% no País. O insucesso na desconcentração resulta do caráter substitutivo da política federal, cujo investimento é feito independentemente do esforço estadual e sem articulação com este. A União premia os estados que menos se esforçam para ter pesquisa no ensino superior, fazendo o dispêndio em seu lugar e reduzindo a eficiência do investimento federal.



Há muito a ser feito para se chegar a um sistema de C&T menos concentrado em São Paulo, onde o esforço estadual é decisivo. Os dados mostram que não é uma questão de diferença em riqueza, mas de prioridades. O dispêndio paulista em P&D é 23 vezes maior que o de Minas Gerais, mas o PIB paulista é só 3,6 vezes o de MG. No caso do RJ o dispêndio em pesquisa paulista é 11 vezes maior, mas o PIB é apenas três vezes maior. Na maioria dos estados a pouca prioridade dada à P&D reflete a esperança de que isso seja compensado por quinhão maior do apoio federal.



É grande o potencial para aumento do dispêndio estadual em P&D. São Paulo tem um terço do PIB total do País e aplica R$ 5 bilhões em P&D. Se os demais estados aplicassem a mesma proporção do seu PIB, estaríamos falando de R$ 10 bilhões. O dispêndio dos demais estados em 2010 foi de R$ 2 bilhões, logo, o potencial adicional é de R$ 8 bilhões. Se políticas adequadas realizassem um quarto desse potencial (R$ 2 bilhões), isso significaria mais que o corte do governo federal no orçamento do MCTI em 2012.



A complementaridade de esforços é ideia antiga e oposta à substituição. Nos EUA, o Morrill Act de 1862 doou terras da União aos estados que assumissem a responsabilidade de manter e desenvolver o ensino superior, naqueles que vieram a ser os Land-Grant Colleges. Mais de 70 instituições de ensino superior nos EUA resultaram dessa ação, como as Universidades da Califórnia, de Illinois, Rutgers, Cornell e Purdue, para citar algumas.



O tamanho dos desafios que o País enfrenta requer colaboração entre as esferas de governo. Não se trata apenas de aumentar o dispêndio nacional (e não somente federal) em P&D: trata-se, principalmente, de criar mais instituições de ensino superior e de pesquisa com mais pesquisadores. Contados por milhão de habitantes, o Brasil tem um quarto do número de pesquisadores da Espanha e um oitavo da Coreia do Sul.



Para que haja mais pesquisadores a colaboração entre as esferas federal e estadual poderia ser vencedora. Geridas pelos estados, com regime de autonomia como já se pratica em São Paulo, as novas universidades financiadas colaborativamente pelas esferas estadual e federal poderiam adaptar-se às características locais sem estar presas à camisa de força e à lentidão do governo federal. Já se faz isso na saúde com o SUS e na educação básica com o Fundef: financiamento federal e local (estadual, municipal e até privado) para cumprir objetivos de alto interesse público. Poderia também o Ministério da Educação montar com os estados um plano nacional (e não federal) para que o Brasil desenvolva dez universidades - estaduais, federais ou privadas - para estarem entre as cem melhores do mundo em dez anos.



Haveria benefícios para o País se o governo federal assumisse sua responsabilidade nacional no ensino superior. Por ora sua ação não tem sido de caráter nacional, apenas federal. Agindo em articulação com os governos estaduais, mais e melhores resultados poderão ser obtidos, criando oportunidades para mais jovens e desenvolvendo a C&T no Brasil.


Carlos Henrique de Brito Cruz é diretor científico e ex-presidente de Fapesp, membro da Academia Brasileira de Ciências e foi reitor da Unicamp.


O Estado de São Paulo



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