Sintonia e dissonância

Data: 27/04/2012
Odenildo Sena


Historicamente a cena é incomum e, até pouco tempo, inaceitável. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) se une à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e à Academia Brasileira de Ciência (ABC) e, juntas, assinam um manifesto onde pontuam preocupações em relação aos cortes profundos - diga-se de passagem - no orçamento do Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI) para o corrente ano. Incomum, de um lado, porque, fruto de uma compreensão obtusa em mão dupla, o setor produtivo sempre viu com algum desdém o papel da academia como componente fundamental para o desenvolvimento do País. A academia, por sua vez, sempre viu com desconfiança os propósitos do setor produtivo em relação ao mesmo fim. Ruim para todos, conviveram anos a fio com esse antagonismo, responsável, sem dúvida alguma, pelo lento processo de ascensão da nossa economia.



Até pouco tempo inaceitável, de outro lado, porque é fato que, nos últimos anos, esses dois campos protagonistas têm sabido tirar boas lições da História, aqui e lá fora, e vêm construindo a madura e desejável compreensão de que essa, sim, é uma via de mão dupla que faz bem à economia e ao desenvolvimento do País e, por consequência, à sociedade. Muito bom, portanto, que os cortes orçamentários para CT&I tenham evidenciado a quebra desse nocivo paradigma e demonstrado o fortalecimento dessa positiva articulação entre o setor produtivo e a academia.



Associando-se às mesmas preocupações, diversos outros segmentos estão por entender essa estranha lógica que norteou o Governo Federal a optar por um corte de 23% nos recursos para CT&I, enquanto a média para outras áreas foi de 4%. Em meio aos protestos individuais por meio de dezenas de artigos e manifestações públicas, o Conselho nacional de secretários para assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação (Consecti) e o Conselho nacional das fundações estaduais de amparo à pesquisa (Confap) assinaram conjuntamente documento encaminhado à Presidenta da República onde registram sua preocupação.



A perplexidade de todos decorre de um conjunto de fatores que, nos últimos anos, motivou o País a imprimir mais ritmo e velocidade na execução da pauta de CT&I. Desde 2003, início do governo Lula, os investimentos na área vinham numa contínua ascensão, inclusive com o cumprimento da promessa de zerar o contingenciamento nos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Em pouco tempo, os estados criaram suas estruturas públicas de C&T e, num curto período, os que não tinham criaram suas fundações estaduais de amparo à pesquisa. Hoje, apenas Roraima está a dever a criação de sua Fap.



O Brasil passou a formar 12 mil doutores por ano. Micro, pequenas e médias empresas foram estimuladas a inovar com recursos da subvenção econômica. Universidades e institutos de pesquisa ampliaram suas atividades, construíram, equiparam e modernizaram seus laboratórios. A cultura do registro de patentes está em franca evolução. Criou-se o programa Ciência sem Fronteiras. No meio disso tudo, o País passou a ser a sexta economia do mundo. Ou seja, esse conjunto de esforços e ações imprimiu um ritmo nunca antes visto no País na área de CT&I. Mas tudo isso corre risco de descontinuidade.



Alguém tem que fazer chegar aos ouvidos da presidente a máxima irretocável lembrada pelo cientista Miguel Nicolelis de que renunciar a investimentos em CT&I é renunciar à soberania nacional.


Odenildo Sena é secretário de Ciência e Tecnologia do Amazonas e presidente do Conselho Nacional de Secretários para Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação (Consecti).

Diário do Amazonas


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