O uso da Propriedade Intelectual como indicador para seleção de pesquisadores

Data: 26/04/2012
Rafael de Andrade

À medida que a inovação tecnológica ganha importância estratégica para o desenvolvimento econômico, aumenta o interesse pelas formas de mensurá-la. E, no caso das agências de fomento à pesquisa, cresce a necessidade de identificar e valorizar aqueles pesquisadores que desenvolvem atividades mais diretamente ligadas aos processos de inovação tecnológica. O número de depósito de patentes de invenção ou outras modalidades de proteção da propriedade intelectual, normalmente são sugeridos como um importante indicador nesses casos.



Neste resumo de um artigo encaminhado para publicação, são apresentados alguns comentários e observações a respeito das possibilidades e restrições ao uso dos depósitos de patentes de invenção como indicador de produtividade dos pesquisadores. Longe de buscar um consenso ou conclusões definitivas a respeito do tema, o intuito é o de contribuir para o debate e o aprimoramento da complexa, porém necessária, tarefa de desenvolver indicadores adequados para a avaliação e seleção dos pesquisadores.



A concessão de patentes é uma medida de invenção, apenas uma etapa do longo e complexo caminho de trazer uma boa idéia a uma condição de utilização extensiva pela sociedade, que é a essência do conceito de inovação. Ainda que este caminho esteja distante de ser classificado como linear, pode-se pressupor que, em uma parcela significativa dos casos, o pedido de depósito de uma patente de invenção é a etapa final de um processo que tem sua origem na pesquisa básica produzida no ambiente acadêmico. Em sua essência, a propriedade intelectual está relacionada à proteção de um determinado conhecimento. Assim sendo, é um equívoco acreditar que se possam produzir patentes sem fomentar a geração do conhecimento a ser apropriado.



Após a criação dos Fundos Setoriais, no início da década passada, e a retomada das políticas industriais de Estado, observou-se um aumento gradual dos recursos direcionados a pesquisadores que se dedicam de forma mais intensa às atividades ligadas mais diretamente ao processo de inovação. Entretanto, o desenvolvimento dos novos instrumentos e incentivos ao processo inovativo, não foi acompanhado da criação dos indicadores necessários para avaliação e seleção dos pesquisadores.



A busca por paralelos ou comparações entre artigos científicos e depósitos de patentes é uma iniciativa temerária em função de suas diferenças básicas. As exigências para concessão de um depósito ou registro de propriedade intelectual podem fazer com que os avaliadores tomem uma pessoa simplesmente "criativa" por uma "inovadora". Ao protocolar um depósito, apenas os aspectos burocráticos formais do processo são analisados. Como a análise técnica do pedido pode demorar até mais oito anos para ocorrer, o comitê de avaliação do CNPq pode ser levado a uma análise equivocada ao privilegiar pesquisadores detentores de pedidos de depósitos que não serão efetivamente concedidos. Por outro lado, aguardar a concessão pode ser desestimulante por obrigar os pesquisadores a aguardar por vários anos para terem seus esforços valorizados.



Diferente de um artigo científico, que continua "válido", com os mesmos autores e localizado no mesmo periódico, número, volume e página indefinidamente; um depósito de pedido de patente, registro de desenho industrial, registro de computador ou registro de cultivar, sofre modificações ao longo do tempo. Embora os inventores permaneçam os mesmos, até mesmo antes da análise técnica, o depósito ou registro pode ser comercializado e, assim, mudar de titularidade. O pedido de depósito ainda pode ser arquivado em função de litígios judiciais, por falta de pagamento das anuidades, pelo não cumprimento de exigências ou simplesmente por não cumprir algum dos critérios básicos para concessão. Mesmo após a concessão as possibilidades de mudanças em seu status permanecem, havendo ainda a perda dos direitos de monopólio patentário por expiração do prazo legal de exploração.



Assim como no caso de artigos científicos, o desenvolvimento de uma invenção pode envolver uma equipe relativamente grande. Não há um limite para o número de inventores a serem listados e não há uma ordem específica para a inserção destes no pedido de depósito. No caso dos artigos, alguns periódicos limitam esse número para, no máximo, quatro autores e há uma convenção estabelecendo que os autores sejam citados em ordem decrescente de relevância para o trabalho.



Outra distinção básica entre o sistema de proteção de propriedade intelectual e o universo das publicações de artigos científicos, é a dificuldade para realizarmos uma análise qualitativa de depósitos e/ou registros. No caso dos periódicos, existem critérios que determinam e classificam as revistas de acordo com sua relevância, que cada vez mais citam índices numéricos de impacto e levam em conta a amplitude do público atingido, freqüência e graus de consulta. Embora questionável, a classificação Qualis¹ realizada pela Capes é aceita pela maior parte da comunidade acadêmica. Quando tratamos de depósitos ou registros de propriedade intelectual, não há classificações universalmente aceitas que os distinguam qualitativamente uns dos outros. Sem citar o fato de que um escritório pode conceder uma carta patente que outro escritório avaliou como não passível de concessão.



Entretanto, existem algumas formas de se inferir a respeito da relevância de um depósito ou registro. Uma delas é analisar a quantidade de citações que este recebeu de outros depósitos ou registros. Neste caso, avalia-se que uma invenção relevante serviria de referência para várias outras. Outra possibilidade é verificar os valores envolvidos no licenciamento ou comercialização da propriedade intelectual em questão. Esta última alternativa não seria válida nos casos em que a própria empresa detentora da titularidade da propriedade intelectual opte por não comercializá-la ou licenciá-la. Ou seja, este fato, analisado de forma isolada, não permitiria inferir sobre sua relevância.



Uma observação pertinente relacionada a intenção de se utilizar os depósitos e registros de propriedade intelectual como indicador, é a de que estas formas de proteção apresentam relevâncias significativamente distintas de acordo com a atividade econômica envolvida. Via de regra, setores como biotecnologia, telecomunicações, software, eletrônico e farmacêutico, utilizam forma mais intensa os serviços dos escritórios de patentes. Enquanto que uma parcela significativa opta pelo segredo industrial quando há o interesse de proteger alguma propriedade intelectual. Ou seja, para muitos setores, a quantidade de depósitos e/ou registros apresenta uma baixa correlação com suas atividades inovativas.



Há uma busca notória e legítima no sentido de valorizar os esforços dos pesquisadores que desenvolvem atividades mais próximas da etapa de proteção e difusão do conhecimento gerado pela academia. Além da proteção da propriedade intelectual, as agências de fomento vêm desenvolvendo mecanismos que considerem a participação dos pesquisadores em projetos de cooperação universidade-empresa, na qualificação de recursos humanos incorporados em empresas, na extensão tecnológica, dentre outros.



Embora tenham sido apontados alguns questionamentos e dificuldades para utilização dos depósitos de patente de invenção como indicador para a seleção dos candidatos a bolsas e outras formas de fomento, não significa que devemos abrir mão deste indicador; apenas que este deve ser utilizado com prudência. Embora seja uma tarefa complexa, é possível encontrar formas de analisar e mensurar a relevância de uma patente, depósito e/ou registro para a sociedade, assim como a sua contribuição para o avanço tecnológico de um determinado setor produtivo. Entretanto, esta é uma tarefa que deve ser realizada de modo criterioso, evitando generalizações e "fórmulas mágicas".



O fato é que, embora os indicadores de "produção acadêmica" estejam consolidados, ainda há um longo caminho a percorrer na busca de formas adequadas para estimar e qualificar a contribuição direta dos pesquisadores que desenvolvem outras atividades relacionadas ao processo de inovação.



Notas:

1 Qualis é o conjunto de procedimentos utilizados pela Capes para estratificação da qualidade da produção intelectual dos programas de pós-graduação. Tal processo foi concebido para atender as necessidades específicas do sistema de avaliação e é baseado nas informações fornecidas por meio do aplicativo Coleta de Dados. Como resultado, disponibiliza uma lista com a classificação dos veículos utilizados pelos programas de pós-graduação para a divulgação da sua produção.



O autor alerta que o conteúdo aqui expresso não representa uma posição Institucional final do CNPq sobre o tema.


Rafael Leite Pinto de Andrade é chefe do Serviço de Suporte à Propriedade Intelectual do CNPq.

Jornal da Ciência.




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