Além do PIB
José Alberto Gonçalves Pereira, da Página 22
Anfitrião da Rio+20, o Brasil ainda não estabeleceu um sistema nacional de contas econômico-ambientais integradas, conforme recomendação do item 8 da Agenda 21, um dos principais documentos adotados na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92. Mas, na Rio+20, o País deverá finalmente anunciar que terá pronta em 2014 a conta nacional da água sua primeira conta econômico-ambiental. Está prevista para este mês a assinatura de portaria conjunta dos ministérios do Meio Ambiente e do Planejamento que instalará o grupo de trabalho responsável pelos cálculos da conta. Participarão técnicos da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A primeira edição da conta da água divulgará dados de 2013, informa Marco Neves, assessor do diretor-presidente da ANA. Como a medição seguirá os padrões estatísticos do Sistema de Contabilidade Ambiental e Econômica Integrada da Divisão de Estatística das Nações Unidas, suas informações poderão ser comparadas com as de outros países que possuem o instrumento, caso da Austrália.
Segundo Neves, mediante a conta nacional da água, será possível entender melhor a relação entre uso da água e dinâmica econômica. A ANA dispõe de muitos dados sobre disponibilidade e demanda hídrica, mas ainda não há informações mais sólidas sobre o custo da água para os setores econômicos. Não se sabe também quanto se gera de valor na produção a cada metro cúbico de água consumido pela agricultura, indústria e setor de serviços. Poderemos saber se um determinado setor econômico está agregando maior valor financeiro com decréscimo no consumo de água, explica. Em um segundo momento, talvez em 2014, o indicador também medirá em termos monetários as perdas acarretadas ao país pela poluição do mar e de rios, lagos e represas.
Esse tipo de informação é muito valioso para os gestores públicos, observa Wadih João Scandar Neto, diretor de Geociências do IBGE. A conta permitirá ao gestor, por exemplo, administrar melhor os conflitos de uso do recurso, facilitando sua decisão sobre outorgar mais água para a indústria ou a agricultura em determinada bacia. Há muitos dados sobre consumo de água, assinala o executivo do IBGE, mas são parciais e não estão integrados à dimensão econômica da produção industrial e primária. Além do mais, a conta brasileira da água será tecnicamente bastante confiável, visto que seguirá o padrão internacional de contas econômico-ambientais definido em fevereiro pela ONU.
A recomendação para os países produzirem suas contas nacionais econômico-ambientais deverá ser reiterada na declaração final da Rio+20. No item 111 do Rascunho Zero, documento divulgado em janeiro, é reconhecida a limitação do Produto Interno Bruto para medir o bem-estar humano e a necessidade de indicadores complementares ao índice que integrem as dimensões econômica, ambiental e social.
Para o professor José Eli da Veiga, do Instituto de Relações Internacionais da USP, a declaração final deveria sugerir a formulação de indicadores que superem o PIB em vez de o complementarem, como prevê o rascunho. Simultaneamente, propõe Veiga, a declaração precisa fazer referência explícita às recomendações do Relatório Stiglitz-Sen-Fitoussi, de 2009: maior ênfase no consumo familiar que no PIB, criação de um índice de qualidade de vida e uso de alguns indicadores biofísicos, como as pegadas de carbono, água e nitrogênio. Fora disso, será inevitavelmente mais conversa fiada, critica o professor da USP.
As contas econômico-ambientais medem a contribuição à economia de ativos ambientais como água, ar, solo, floresta, minerais e biodiversidade, bem como contabilizam monetariamente a degradação de recursos naturais causada pela atividade econômica. Dessa forma, conferem visibilidade a dimensões inexistentes no cálculo do PIB. Estudos recentes, a exemplo do trabalho sobre economia verde publicado em 2011 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e do relatório da Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi, apontam a hegemonia do PIB na avaliação do desempenho econômico como um fator limitante ao desenvolvimento sustentável de uma nação.
Isso ocorre porque o PIB calcula basicamente a variação negativa ou positiva na produção de bens e serviços. Na economia convencional, o crescimento robusto do PIB sinaliza a boa saúde econômica de uma nação, não importando que o desempenho esteja associado à piora de indicadores ambientais e sociais. Não é deduzido do PIB, por exemplo, o custo das doenças e milhares de mortes provocadas pela poluição atmosférica na China decorrente do crescimento exuberante e veloz da economia asiática nas duas últimas décadas.
É importante destacar que há uma longa história de tentativas de desenvolvimento de contas ambientais, sublinha Sandra Paulsen, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Segunda ela, o tema ganhou mais atenção com a Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi, mas o americano Robert Repetto, um dos mais importantes economistas ambientais da atualidade, já falava da necessidade de incorporar o capital natural na contabilidade nacional lá pelos idos da década de 1980.
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