Barreiras para pesquisa

Data: 18/04/2012
Nos laboratórios e nas salas de aula da pós-graduação da Universidade de Brasília (UnB), surgem ideias e pesquisas que podem mudar a realidade da cidade e do País. A instituição é hoje o grande centro produtor de conhecimento da capital do Brasil e da Região Centro-Oeste. Cada um dos 422 grupos de estudo da UnB conta com cientistas de renome e alguns núcleos de pesquisa conquistaram aplausos e reconhecimento da comunidade internacional. Mas, em coro, os pesquisadores da universidade reclamam: faltam investimentos para o setor de inovação e de desenvolvimento tecnológico. A captação de dinheiro na iniciativa privada ainda engatinha e os cientistas dependem quase exclusivamente dos cofres públicos para tocar seus trabalhos.



No ano passado, as pesquisas desenvolvidas na UnB receberam investimentos de R$ 180 milhões. Os recursos são expressivos, mas ainda pequenos se comparados com os R$ 2,02 bilhões que a Universidade de São Paulo (USP) investiu em pesquisa em 2011. Professores reclamam da falta de recursos distritais para os estudos, já que houve mudanças recentes na legislação e o percentual de dinheiro do GDF destinado à ciência caiu de 2% para 0,5%. Mas os especialistas afirmam que nem essa fração prevista em lei está sendo aplicada. A Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (Fap-DF) reconhece o problema e promete expandir os investimentos até o fim do ano.



A expansão da Universidade de Brasília, com a criação de campi em Ceilândia, no Gama e em Planaltina, também deu impulso à pesquisa na instituição. Os três espaços têm programas de pós-graduação, com cursos de mestrado e doutorado em novas áreas, como gestão em saúde e sistemas mecatrônicos. O número de cursos de pós-graduação na UnB cresceu 50% nos últimos quatro anos. Hoje, a instituição mantém 83 mestrados e 64 doutorados, nas mais variadas áreas de conhecimento.



Qualidade - Apesar dos constantes embates a respeito de recursos, a Universidade de Brasília tem uma fonte inquestionável para produção de conhecimento: um qualificado quadro de docentes e pesquisadores. A despeito da falta de dinheiro para trabalhar, esses profissionais batalham para tirar do papel projetos inovadores. Conduzem pesquisas importantes pelo ideal acadêmico e em nome do desenvolvimento científico.



Maria Sueli Soares Felipe é professora da UnB há 30 anos e trabalha no laboratório de biologia molecular - uma das linhas de pesquisas da universidade com maior nota da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A pós-graduação nessa área tem conceito 6, em uma escala que vai a 7. Com a autoridade de quem conduziu ou acompanhou pesquisas importantes em áreas como a biotecnologia, a química de proteínas e a microbiologia, ela conta sobre as dificuldades que os professores enfrentam para tocar pesquisas.



"Sempre tivemos apoio institucional, mas as pesquisas são fruto do trabalho dos pesquisadores, que correm atrás de recursos fora da UnB. Porque aqui o dinheiro sempre foi escasso", afirma.



Para Maria Sueli, os investimentos em estudos de qualidade são fundamentais. "Como 90% das pesquisas são financiadas com recursos públicos, esse dinheiro tem que ser bem investido, e a obrigação é que isso se reverta em benefícios para a sociedade, que está pagando por esse trabalho. A universidade precisa formar gente, mas, sobretudo, tem que gerar conhecimento", defende a pesquisadora, que está na categoria 1-A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a mais alta classificação entre estudiosos brasileiros. Apenas 22 docentes da UnB estão nesse patamar.



Parceria - Quem também ostenta esse título é o geólogo e professor emérito da UnB Reinhardt Adolfo Fuck, o nome mais importante do Instituto de Geociências. Ele está na instituição há 43 anos e é um dos pesquisadores reconhecidos na área. O professor é um dos responsáveis pelo laboratório de geocronologia da universidade, um dos mais bem equipados do Brasil. O espaço recebeu financiamentos da Petrobras, porque realiza importantes estudos que são úteis para a exploração de petróleo no país e no exterior.



Reinhardt Fuck fala com desenvoltura sobre como os pesquisadores usam isótopos de chumbo e de urânio para determinar a idade das rochas. O laboratório tem modernos e milionários equipamentos, como o espectrômetro de massa, que ajudam a definir quando minerais se formaram. Os pesquisadores do grupo conseguem determinar o tempo de existência de rochas com até 3,5 bilhões de anos. O laboratório de geocronologia funcionou no subsolo do Minhocão até 2006, quando ganhou um novo prédio. "Os pesquisadores batalharam e buscaram recursos nos anos 1980 e 1990 para a criação desse laboratório. Conseguimos canalizar os investimentos para a formação de pessoas", comenta.



Apesar de os leigos geralmente associarem pesquisas científicas às áreas de exatas, o curso de pós-graduação com melhor nota da Universidade de Brasília pertence às humanas. A antropologia é a única área com conceito 7 da Capes, o que assegura ao programa um nível de excelência internacional. Pesquisadora nível 1-A do departamento, a antropóloga Rita Segato critica a política que apregoa que professores e alunos com maior número de publicações de textos e artigos seriam os mais qualificados.



Para ela, essa tese é "suicida" e a cobrança por produtividade compromete a qualidade das pesquisas. "A nossa universidade, pela centralidade que ela tem no País, deveria assumir a liderança na discussão das políticas de pesquisa, que condenam os jovens a pensar dentro de uma lógica da produtividade que não hesito em qualificar de suicida", defende Rita. "Isso porque elas não permitem pensar com profundidade e tranquilidade, não concedem tempo para debater, não interpelam nem promovem tomadas de decisões", diz Rita.



Falta de inovação - A decana de Pesquisa e Pós-Graduação da UnB, Denise Bomtempo, destaca o papel estratégico da universidade e garante que os cursos oferecidos estão alinhados com as necessidades da sociedade. "A UnB tem centros de excelência em pesquisa e projetos em pós-graduação em áreas estratégicas para o desenvolvimento do Brasil", afirma. Segundo ela, nos últimos cinco anos, foram criados 46 cursos de mestrado e doutorado.



Mas, assim como a maioria dos pesquisadores, ela critica a falta de interesse do setor privado em investir em ciência e inovação. "Não temos tradição de investimentos da indústria, mas, sem a interação com o setor produtivo, as pesquisas perdem muito. A tradição brasileira é que o Estado financia tudo, mas precisamos de mais parcerias público-privadas", defende a decana. Ela também critica a falta de investimentos do governo local. "O DF precisa de uma política clara de ciência e inovação. A descontinuidade de ações tem dificultado a nossa inserção como polo nacional de ciência e inovação", comenta Denise.



O presidente da Fundação de Apoio à Pesquisa do DF, Renato Rezende, reconhece os problemas identificados pelos pesquisadores e garante que vai interceder na cúpula do governo para aumentar de 0,5% para 2% dos recursos locais o total de investimentos em ciência e inovação. "A descontinuidade da gestão na Fap realmente impôs alguns prejuízos, que são inegáveis. Mas estamos buscando superar os problemas decorrentes dessa herança que encontramos", afirma. Segundo ele, até o mês que vem, serão lançados editais que preveem investimentos de R$ 25 milhões. Ele afirma que serão gastos R$ 70 milhões até o fim do ano.

(Correio Braziliense)





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