Não basta ser verde

Data: 05/04/2012
Enquanto a Packeless, uma fábrica de pallets de plástico (estrados para movimentação de cargas) se consolidava e conseguia mais clientes, seus responsáveis também deparavam sempre com as mesmas questões: não seriam os pallets de madeira melhores, já que provêm de árvores que podem ser replantadas? E os de plástico não teriam alto impacto ambiental por vir do petróleo e gerar emissão de gases do efeito estufa?

Wanter Montesso, diretor comercial da Packless, conta que eram necessários dados técnicos para provar a viabilidade do novo produto. “Encomendei uma Análise de Socioecoeficiência para comparar os impactos ambientais e sociais do processo produtivo entre pallets de madeira e os da Packless, de plástico. E o resultado foi uma surpresa”, diz.

A Análise de Socioecoeficiência encomendada difere das tradicionais Análises de Ciclo de Vida (ACV – leia mais na reportagem “Múltipla Escolha”) que abordam apenas os impactos gerados no meio ambiente pelo processo produtivo, de distribuição, consumo e descarte de produtos. Esse estudo, realizado pela Fundação Espaço Eco, inclui também a vertente de impacto social durante a cadeia produtiva do pallet – como número de funcionários envolvidos, riscos de acidentes de trabalho, desenvolvimento de pessoas, entre outros.

Ao comparar o número de acidentes em serrarias, os de plástico ganham vantagem. “O setor madeireiro é um dos que tem maior risco de acidentes entre trabalhadores. O pallet de plástico é uma alternativa a um produto já disseminado, que envolve mais segurança no trabalho”, diz Montesso. Também são mais leves e diminuem a necessidade de combustível nos caminhões de transporte, o que gera menos emissão de gases de efeito estufa.

Análises de Ciclo de Vida que incluem vertentes sociais, como a realizada pela Fundação Espaço Eco, estão ganhando força na última década. É uma forma de fechar o tripé da sustentabilidade: um produto para ser sustentável deve ser econômica, ambiental e socialmente viável e responsável. Recentemente, a rede espanhola de roupas Zara sofreu grande abalo quando descobriu-se que parte de seus fornecedores usava mão de obra análoga à escrava.

“A ACV social é importante porque fala-se da sustentabilidade dos produtos mas isso não pode ser baseado apenas na questão ambiental ou de viabilidade econômica para a empresa e o consumidor. É preciso considerar a relação com todas as partes envolvidas nesse processo produtivo – como trabalhadores e comunidades locais”, diz Cássia Maria Lie Ugaya, professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná e pesquisadora especializada em ACV Social.

ACV Social aborda, por exemplo, como uma empresa está ligada à casos de corrupção, se os processos produtivos usam mão de obra escrava ou se demandam tanto recurso natural (como a água) que atrapalha o bem estar de um comunidade local.

O grande desafio desse tipo de análise é criar parâmetros e metodologias para valores qualitativos e não quantitativos. É preciso ir a campo e ver de perto cada etapa dos processos. Se um produto envolve dois casos de trabalho infantil não significa que é melhor do que um envolvendo cinco. É preciso saber em quais condições isso acontece. “Talvez, aquelas duas crianças sofram grande exploração e corram risco de contaminação por insumos tóxicos ou acidentes de trabalho. Enquanto as cinco, da outra empresa, apenas estejam ajudando os pais, com segurança, e continuem com os estudos em dia, muito embora, trabalho infantil seja sempre indesejado”, relativiza Cássia.

Desde 2004, a Unep (United Nations Environment Programme, braço da ONU para o meio ambiente) têm investido na pesquisa para que a ACV social seja tão difundido quanto hoje é a ACV ambiental. Já foram lançados dois livros com diretrizes para esse tipo de estudo, mas que ainda estão em fase de projetos pilotos.

Um deles está sendo desenvolvido pela Natura para avaliar o impacto social na cadeia produtiva do sabonete de cacau da linha Ekos. “Nos resultados prévios já provamos como a empresa impacta positivamente nas comunidades locais ao gerar renda e melhor qualidade de vida entre as pessoas”, afirma Fabien Brones, gerente científico de impacto ambiental da Natura. “Percebemos, no entanto, que há muitos desafios para melhorar as metodologias de ACV Social para que, no futuro, possamos implementá-la em todos os produtos, como hoje fazemos as análises de impacto ambiental”.

Ao contrário dos ACVs ambientais que têm auxílio de bancos de dados e médias territoriais – por exemplo, sobre emissões de acordo com a matriz energética de um país- os aspectos sociais devem ser analisados caso a caso. Não é porque uma cidade têm relatos de trabalho escravo que tudo o que se faz lá venha dessa mão de obra. Também, as horas trabalhadas não significam nada sem considerar as condições dos envolvidos. “Trabalhar menos pode parecer bom para o sindicato e ruim para a empresa, mas a produtividade é o mais importante. Não se pode abusar de um trabalhador em cinco horas de expediente”, diz.

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