Feras da sustentabilidade

Data: 05/04/2012
Odenildo Sena


Fui não. Confesso que não me motivei nem um pouquinho a marcar presença no Fórum de Sustentabilidade ocorrido há duas semanas em Manaus. Acho até que nem vou tratar aqui do assunto, apesar do título já atribuído a este texto. Prefiro falar de um evento acontecido na véspera, promovido pela Secretaria de Desenvolvimento Sustentável, que abordou o tema comunicação socioambiental, para mim muito mais apaixonante. Lá estive e manifestei para uma atenta plateia minhas impressões sobre os grandes desafios de profissionais e estudantes levarem adiante essa dura missão. E sustentei meus argumentos em duas principais razões: a crença na abundância eterna e o apagamento da história.



No primeiro caso, mais evidente a olho nu, parece-me indiscutível a resistência que considerável parcela da sociedade, independente de classe social, tem para acreditar na finitude daquilo que a natureza esbanja e bondosamente coloca à disposição da vida. Difícil encarar como possível que toda essa imensa floresta, com seu verde de tantos matizes e toda riqueza que se abriga em seu ventre, um dia possa sumir do mapa. Impensável crer que toda essa volumosa massa d'água chamada Negro e Solimões corra o risco de definhar e se transformar no simples filete de um córrego. E não são poucos os que assim ainda pensam.



No segundo caso, que chamei de apagamento da história, idêntica convicção na crença da abundância eterna se dá pela ausência de referências pregressas. Como, por exemplo, convencer meu filho menor de que seu pai aprendeu a nadar em um belíssimo igarapé, se não é mais possível fazer disso uma das tantas experiências de sua vida? Como fazê-lo crer que, nos quintais de minha infância, a natureza pródiga nos provia de sustento sem nada nos exigir em troca? Passa-me agora a ideia de que o Prosamim, exemplo de programa que vem mudando radicalmente o cenário de diferentes pontos da cidade, é uma alternativa extrema e necessária diante do leite derramado, mas não deixa de ser, também, uma forma de apagar a história. As gerações futuras, imagino, rirão da nossa cara ao afirmarmos que, no tempo de menino, os moleques faziam das pontes da Sete de Setembro trampolim para belos e ornamentais saltos no igarapé. O desejável, mesmo, era que não tivéssemos precisado do Prosamim.



Quanto ao Fórum de Sustentabilidade, para não dizer que não falei de flores e para não deixar em vão o título deste texto, devo registrar que acentuou bastante minha revolta e rabugice com esses forasteiros que se arvoram a vir aqui nos dar lições de como preservar a Amazônia sem que, para isso, tenham lastro e histórias edificantes. Não me venham com essa de discutir a preservação da Amazônia apagando a existência de 22 milhões de almas que por aqui habitam e que têm direito à felicidade! Não me venham com essa de discutir "o futuro da Amazônia"! Os habitantes da região não podem continuar exaurindo suas vidas nessa espera e guardando a Amazônia para o outro Brasil e para o mundo. O futuro da Amazônia tem que ser hoje!



Odenildo Sena é secretário de Ciência e Tecnologia do Amazonas e presidente do Conselho Nacional de Secretários para Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação (Consecti).

Diário do Amazonas.




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