Peso pesado

Data: 30/03/2012

Em tempos em que atitudes simples como separar o lixo residencial e viver sem as sacolinhas plásticas de supermercado tornaram-se pontos centrais na discussão sobre resíduos sólidos, acredite, uma caçamba de entulho pode soterrar a sua força de vontade em jogar a casca da banana no lixo orgânico.

Embora não esteja nos holofotes, é o entulho o maior componente do lixo nosso de cada dia. O volume de Resíduos da Construção Civil (RCC), gerados nas construções, reparos e demolições, representa de 50% a 70% da massa de resíduos sólidos urbanos, segundo versão preliminar do Plano Nacional de Resíduos Sólidos [1">.

[1"> O Plano é o principal instrumento da Lei no 12.305/10, sancionada em agosto de 2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e definiu diretrizes gerais para a correta disposição dos resíduos

Em algumas cidades, estima-se um valor médio de 0,50 tonelada anual por habitante de RCC. O crescimento da população urbana, que leva à construção de mais casas, constitui-se um desafio a mais para os municípios cumprirem as metas do governo federal, que preveem, por exemplo, a eliminação até 2014 dos chamados “bota-foras” – áreas irregulares de disposição final de RCC –, em todo o território nacional. Com o fim dos lixões, deverão ser implantados aterros sanitários que receberão apenas rejeitos – aquilo que não pode ser reciclado ou reutilizado.

Mas somente as prefeituras que apresentarem até agosto deste ano o seu Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PGIRS) receberão recursos da União para instalação dos aterros e a implantação da coleta se- letiva. Será o PGIRS de cada município que determinará o caminho para o destino correto dos RCC.

Ousadas ou não, as metas servem de impulso para que o setor da construção civil assuma a responsabilidade que recai ainda mais pesada sob seus ombros: reduzir a quantidade de resíduos de construções e demolições, separar o que pode ser reciclado e reaproveitado e, finalmente, dar um bom destino para os materiais excedentes, livrando as vias públicas, os rios e as encostas de problemas ambientais.

A provocação para que as obras passassem a ter um Projeto de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil começou em 2002, quando o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), por meio da Resolução no 307, colocou cada coisa em seu lugar e determinou que entulho é da responsabilidade daquele que o produziu. (Confira no site do MMA)

O representante do Comitê de Meio Ambiente do SindusCon-SP, André Aranha, conta que o setor da construção formal está se preparando para se adequar à PNRS, mas o grande problema vem dos pequenos empreiteiros, responsáveis pela geração de 75% dos RCC. São as reformas domiciliares, o quartinho a mais na casa que fazem a grande diferença no montante, por serem na sua grande maioria despejados em áreas irregulares.

Mesmo não sendo os responsáveis diretos pelos RCC, os municípios coletaram, em 2010, aproxima- damente 31 milhões de toneladas desses resíduos, que haviam sido lançados indevidamente em áreas públi- cas. A Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) estimou que no mesmo ano foram produzidos cerca de 99,357 toneladas por dia de RCC. E esse número pode ser ainda maior.

Uma alternativa para a boa gestão do entulho no caso de grandes demolições e construções é montar no próprio canteiro de obra uma miniusina de reciclagem, onde se podem fazer a moagem e a separação dos resíduos (veja quadro abaixo). Além de economizar no transporte da coleta, o produto reciclado já serve para a obra seguinte. “Se você junta tudo e faz um bom sistema de gestão, agrega valor ao resíduo. Tem-se um gasto inicial, mas a economia é maior que o investimento e, em consequência, você tem um ambiente mais limpo e com menos acidentes de trabalho”, explica Aranha.

Em Curitiba, primeira cidade brasileira a exigir desde 2008 Projeto de Gerenciamento de Resíduos na Construção Civil, a construtora BVZ – Projetos e Empreendimentos aprova as mudanças previstas pela PNRS. “Já fazia parte da nossa política gerar a menor quantidade possível de resíduos e os custos que tínhamos com o nosso plano de gestão era agregado ao valor da obra, que aumentava de 5% a 6%. Agora as outras construtoras serão forçadas a agir dessa forma, e podemos competir no mercado em pé de igualdade”, conta o engenheiro Edson Vier.

A BVZ possui baias de armazenamento que separa todos os resíduos da construção, inclusive o lixo orgânico da alimentação dos trabalhadores. “Por usarmos elementos pré-fabricados, como as argamassas industrializadas que vêm em blocos e evita desperdícios, nossa geração de resíduo é muito pequena se comparada a uma cons- trução convencional”, completa Vier.

Pouca saída

Eles podem ser até 30% mais barato, mas a desconfiança do consumidor ainda não permitiu que os produtos oriundos da moagem e britagem dos RCC, chamados de agregados reciclados, ganhasse o mercado. “Muita gente já conhece o produto e sabe o quanto é compensatório, mas a falta de conhecimento técnico é o que mais atrapalha a saída dos reciclados”, explica Pierre Ziade, da ECO-X, usina de reciclagem de RCC que chega a processar 80 toneladas de entulho por hora.

Conforme classificação do Conama, resíduos de blocos de concreto, argamassas, bloquetes, lajotas e pedras podem ser transformados novamente em areia, brita e pedrisco, e seus subprodutos, utilizados na pavimentação de ruas, por exemplo, mas nunca como elemento estrutural da obra. Mesmo com a vasta aplicabilidade, a venda de reciclados ainda é tímida. De acordo com Torres, da Abrecon, é a desconfiança que dificulta a saída do produto. “O engenheiro não confia na areia reciclada e pensa que é areia do mar”, exemplifica.

Apesar do baixo custo, a falta de incentivo fiscal também impede que os agregados reciclados fiquem ainda mais em conta. “Hoje pagamos por um material que viraria lixo, e essa bitributação [1"> acaba nos atrapalhando”, afirma Torres.

[1"> O produto é taxado duas vezes: quando virgem e quando reciclado

Falta muito

Pioneiro no setor público, o Programa de Reciclagem de Entulho da prefeitura de Belo Horizonte existe desde 1993 e hoje a cidade conta com três usinas que movimentam até mil toneladas por dia dos materiais que sobram das grandes construções. Os resíduos reciclados são aplicados em bases de vias públicas, meios-fios e na confecção de blocos para obras da prefeitura.

Embora esta não seja a realidade da grande maioria dos municípios brasileiros, a promessa é de que um dia chegaremos lá. Uma das metas do Plano Nacional de Resíduos Sólidos é incrementar, até 2015, atividades de reutilização e reciclagem dos RCC nos empreendimentos em todo território nacional. Mas, para Nestor Kenji Yoshikawa, pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) do Estado de São Paulo, o caminho para a correta implementação do Plano implica necessariamente o desenvolvimento científico e tecnológico, e não é bem isso o que está acontecendo nos confins do País.

“O desenvolvimento técnico científico em relação às metas do Plano está na estaca zero, e o IPT não difere desse panorama. O instituto não tem nenhuma diretriz clara de pesquisas para esse tema, mas, sim, prestação de serviços quanto à elaboração de planos de resíduos”, diz.

O diretor de Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Silvano Silvério da Costa, assume que as metas são difíceis, e consola: “É o que a lei dita, e é o que foi aprovado no Congresso. A maior dificuldade dos municípios é a falta de gestão e de sustentabilidade econômica para garantir o serviço”.

Após receber contribuições da sociedade nas audiências públicas regionais, a versão final do Plano Nacional de Resíduos Sólidos deverá ser apresentada ainda no primeiro semestre deste ano, em Brasília.



O CAMINHO DAS PEDRAS

Os resíduos da construção podem ser classificados em quatro categorias:

Classe A: alvenarias, concreto, argamassas e solos – podem ser reutilizados na forma de agregados;
Classe B: restos de madeira, metal, plástico e papel, papelão, vidros – podem ser reutilizados no próprio canteiro de obra ou encaminhados para reciclagem;
Classe C: resíduos sem tecnologia para reciclagem;
Classe D: resíduos perigosos, tais como tintas, solventes, óleos e outros, ou aqueles contaminados oriundos de obras em clínicas radiológicas, hospitais, instalações industriais etc.

FERRAMENTA ÚTIL AOS GESTORES

Recém-lançado, o site do Iclei Resíduos pretende ser uma mão na roda para os administradores elaborarem o Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PGIRS) do seu município. O portal vai contribuir com o programa de capacitação do Projeto GeRes – Gestão Local de Resíduos Sólidos, uma iniciativa do Ministério do Meio Ambiente em parceria com o Iclei Brasil e apoio da Embaixada Britânica. “O objetivo principal desse projeto é contribuir para a capacitação dos tomadores de decisão e gestores públicos no desenvolvimento de planos municipais, estaduais ou intermunicipais e na sua implementação”, afirma Florence Laloe, secretária-executiva regional interina do Iclei para a América do Sul.

Na primeira fase do projeto, serão lançados dois manuais orientativos: o primeiro sobre como elaborar planos de gestão integrada de resíduos sólidos e, o segundo, sobre as principais tecnologias para tratamento e destinação de resíduos sólidos urbanos. “Na segunda fase, um curso de ensino à distância e treinamentos serão desenvolvidos”, completa Florence.

Conheça as diferentes terminologias

Construção verde é a prática de criar estruturas e adotar processos ambientalmente responsáveis e eficientes no uso de recursos através do ciclo de vida de um edifício, desde a escolha da localização até o projeto, construção, operação, manutenção, renovações e desconstrução. Esta prática vai além e complementa as preocupações clássicas de projetos de edifícações com economia, utilidade, durabilidade e conforto. (mais em epa.gov/greenbuilding/pubs/about.htm)

Green Building (Construção Sustentável) é a edificação ou espaço construído que teve na sua concepção, construção e operação o uso de conceitos e procedimentos reconhecidos de sustentabilidade ambiental, proporcionando benefícios econômicos, na saúde e bem estar das pessoas.” (Fonte: Green Building Council Brasil. Guia para uma Obra mais verde. 2ª edição, abril 2010)

Edifícios sustentáveis não são apenas eficientes no uso de energia; eles fazem parte da infraestrutura de uma cidade, contribuindo positivamente para a comunidade e meio ambiente. Eles coexistem em um sistema integrado e funcionam com energias limpas e renováveis; fazem o melhor uso possível dos recursos locais, utilizando materiais reciclados e reutilizados; buscam ser regenerativos, contribuindo ativamente para a biodiversidade local e segurança alimentar; esforçam-se para se adaptar e evoluir com as mudanças climáticas, econômicas e sociais, além de salvaguardar o bem-estar e a saúde humana.” (Fonte: World Economic Forum. SlimCity – Sustainable Buildings, 2009)

(Trechos extraídos de Construindo Cidades Verdes: Manual de Políticas Públicas para Construção Sustentável – Iclei Brasil)

(Página 22)





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