O MERCOSUL e o Dia Mundial da Água

Data: 23/03/2012
Rafaela Brito


O MERCOSUL, criado pelo Tratado de Assunção em 26 de março de 1991, é o mais importante projeto internacional da República Argentina, da República Federativa do Brasil, da República do Paraguai e da República Oriental do Uruguai. Os quatro Estados Partes dividem a comunhão de valores que encontra base nas sociedades democráticas, pluralistas, defensoras das liberdades fundamentais, dos direitos humanos, da proteção do meio ambiente e desenvolvimento sustentável, incluindo o compromisso com a consolidação da democracia, da segurança jurídica, do desenvolvimento social e econômico com equidade e da luta contra a pobreza.
É importante considerar que a região hídrica que compõe os países integrantes do MERCOSUL compreende o Aquífero Guarani, maior manancial de água doce subterrânea transfronteiriço do planeta. É tido como reserva estratégica pela alta produtividade agrícola que serve ao abastecimento e desenvolvimento das atividades econômicas e de lazer das populações locais, além de proporcionar a captação de água para a irrigação em áreas em risco de desertificação, como o sul de Goiás e o oeste do Rio Grande do Sul.
O sítio eletrônico da Agência Nacional de Águas – ANA- cita o Projeto de Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Sistema Aquífero Guarani. Conhecido por Sistema Aquífero Guarani-SAG, foi criado com o propósito de apoiar Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai na elaboração e implementação de um marco legal e técnico de gerenciamento e preservação do manancial subterrâneo de água doce para as gerações presentes e futuras .
Ocorre que as legislações de cada país sobre a gestão das águas subterrâneas são diferentes e assimétricas entre si, o que gera preocupação para as populações locais que se utilizam do manancial e também para os próprios governos, no que diz respeito a uma eventual disputa entre “as águas” que saem do Aquífero, haja vista a tendência, no futuro, de aumento no valor econômico desse bem em razão da escassez. Por enquanto, os quatro Estados Membros são guiados por princípios universais que transpõem o individualismo de cada país, visando à adoção de medidas para a gestão da proteção do Aquífero Guarani.
O Dia Internacional da Água surgiu como recomendação da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 e ocorre anualmente no dia 22 de março, desde 1993, quando foi designado pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Cada ano é dedicado a um aspecto específico sobre conservação e gestão. A temática de 2012 é “Água e a Segurança Alimentar”. É o momento singular em que a Organização das Nações Unidas – ONU- convida a comunidade internacional a refletir sobre a importância de políticas – governamentais ou não – a serem adotadas com o fito de gerir a sustentabilidade dos recursos hídricos.
Representantes do MERCOSUL, considerando a importância das questões ambientais e da gestão dos recursos hídricos, assinaram o Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente em 22 de junho de 2001, em Assunção, sobre medidas regulamentares de proteção e conservação do ambiente. Apesar de não existir legislação específica que abarque o tópico de águas dentro do MERCOSUL, o Acordo é o marco concreto inicial para a atuação do desenvolvimento do meio ambiente e para a possível implementação de legislação comum que regulamente o uso da água no Aquífero.
Por isso, um dos objetivos do Tratado de Assunção é a integração entre os quatro Estados Partes, por meio da livre circulação de bens, serviços e fatores de produção, o estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum; a coordenação das políticas macroeconômicas e setoriais e a harmonização das legislações nos domínios pertinentes, para conseguir o fortalecimento do processo de integração. Sem legislação específica para o uso discriminado e racional da água, conta-se apenas com os princípios que norteiam a questão em relação às águas dentro do MERCOSUL. É fundamental, contudo, que se dê a devida e real importância – não só no Dia Internacional da Água, que é celebrado em todo mundo, inclusive no Bloco do MERCOSUL – ao bem limitado que é a água.
Ademais, interessante seria observar a legislação nacional que está avançada, no que diz respeito à temática abordada, com a criação desde 1997, da Lei n.9433- Lei das águas- que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e regulamentou o inciso XIX do art. 21 da Constituição Republicana de 1988, que definiu a água como bem de domínio público. Assim, o Aquífero Guarani abarca as águas fronteiriças como bem jurídico, pertencente a todos, ou seja, é interesse difuso de pessoas indeterminadas.
Vale lembrar, porém, que as ações praticadas pelos Estados Partes do Projeto de Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Sistema Aquífero Guarani – PSAG, tais como os Planos Nacionais de Recursos Hídricos da Argentina, da Lei Geral de Ambiente das Águas n.25.675/2002; a Lei de Gestão Ambiental das águas n.25.688/2002; do Plano Nacional de recurso Hídrico do Brasil; a Lei de Recursos Hídricos do Paraguai, aprovada em 2008; e as emendas à Constituição do Uruguai e o Código de Águas n. 14.859/1979, exemplificam o compromisso assumido, no Bloco, para se criarem legislações comuns, eficazes e uniformes sobre a utilização do recurso natural limitado, dotado de valor econômico, como é a água.
É preciso acreditar que Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai estarão comprometidos moralmente e pautados ao cumprimento da legislação do acordo. A sanção vem com supostas perdas de assinaturas de contratos bilaterais e da própria população, que estarão fazendo o controle. O Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do MERCOSUL é, na verdade, o marco legal, ainda que incipiente, da receptividade por todos os Estados Partes para que se concretize a gestão legal integrada do uso da água, já que essa faz parte de uma das áreas temáticas do Acordo, em que os Estados Partes pactuaram pautas de trabalho que contemplem as áreas de caráter enunciativo e serão desenvolvidas em consonância com a agenda de trabalho ambiental do MERCOSUL.
O direito ambiental posiciona-se na busca constante em dirimir os conflitos no ambiente social e trabalha de maneira a preservar e conservar o ambiente natural, reconhecendo a importância desse para a saúde, para a agricultura, para o fornecimento de alimentos para a população diretamente envolvida na gestão das águas do Aquífero, para o repouso e para o bem-estar dos seres humanos. Conclui-se observando que o pensamento do Ministro do Superior Tribunal de Justiça Herman Benjamin de que “em nível de MERCOSUL, não temos muito que festejar do passado recente. O que assistimos e criticamos hoje não é lá diferente do manequim-padrão da nossa evolução histórico-social” , não é de todo correto, haja vista os passos legais, ainda que lentos, dados pelos países do MERCOSUL, para gerir o Aquífero Guarani.
Espera-se que este Dia não seja somente mais uma data de celebração, mas de conscientização de que os países integrantes do MERCOSUL devem criar normas comuns e, por conseguinte, forte fiscalização, para que sejam implementadas na proteção e na conservação das águas do Aquífero. E sejam utilizadas com o fito de atender aos anseios da população local, que vivem da agricultura, da irrigação e dos alimentos que provêm do solo acima do Aquífero.


(*) Rafaela Brito é Colunista de Plurale, colaborando com artigos sobre Sustentabilidade. Bacharela em Direito com Habilitação em Direito Agrário e Direito Ambiental pela Universidade da Amazônia - Belém. Advogada, em Fortaleza e em Brasília, atuante no direito e nas relações internacionais. Membro da comissão de Direito Ambiental da OAB-DF. Participante da Comissão de Direitos Humanos da OAB-DF. Especialista em Direito Penal pela Faculdade Projeção. Especialista no MBA em Mercado Financeiro e Investimento pela Faculdade Fortium. Especialista em Auditoria e Legislação Tributária pela Faculdade Fortium. Especialista em Direito Ambiental pela Facinter. Pós-graduanda em Direito Internacional pela UNIFOR. Mestranda em Gestão e Auditorias Ambientais pela Universidad de León-Espanha, Coordenadora Jurídica do escritório Lubbad Advogados Associados. Membro efetivo do grupo de Comunhão e Direito (Comunione e Diritto), ligado ao Movimento dos Focolares. Estudos e palestras realizados na Alemanha, Argentina, Irlanda e Itália.


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