Dilemas e perspectivas da Ciência, Tecnologia e Inovação no estado do Ceará: breve análise

Data: 09/02/2012
Armenio dos Santos

O ano de 2007 trouxe grandes expectativas à comunidade acadêmica cearense com a eleição do jovem governador Cid Gomes, que prometeu aproximar o governo da comunidade e investir fortemente em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), conforme declaração publicada no Jornal da Ciência de 27 de outubro de 2006: "o Ceará tem graves dificuldades de ordem econômica e social. E não vejo outro caminho para a gente vislumbrar a construção de um futuro de desenvolvimento, de oportunidades, que não seja investindo em ciência e tecnologia". Sobre a reestruturação do setor, disse ainda: "sem dúvida o Conselho Estadual de C&T será instalado. Tem que ter um plano, um conselho que o formule, acompanhe e cobre".



De fato, muito foi feito no quadriênio seguinte, tanto no arcabouço legal como no aumento dos investimentos na área. O primeiro grande passo foi a criação e instalação do Conselho Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Ceará, mediante Lei nº 14.016, de 10 de dezembro de 2007. O segundo passo foi a regulamentação do incentivo à inovação tecnológica das empresas estaduais, pela Lei da Inovação, nº 14.220, de 16 de outubro de 2008. Por fim, o Decreto nº 29.742, de 19 de maio de 2009, regulamentou o Fundo de Inovação Tecnológica do Ceará (FIT).



Em termos dos investimentos no setor, foi notável a recuperação salarial dos docentes das universidades estaduais, bem como o aumento no fomento em infraestrutura das mesmas. A instalação do Instituto de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (IPDI), da Rede NIT e do Cinturão Digital do Ceará, rede pública de banda larga que cobre 82% da população urbana do estado, estabeleceu as bases da estruturação do setor. Ainda no primeiro mandato, foi promovido um importante aumento do orçamento da Fundação Cearense de Amparo ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), embora sem alcançar a dotação orçamentária prevista na Constituição Estadual, que determina a destinação de 2% da arrecadação tributária líquida do estado. A Funcap passou por uma ampla reestruturação, desvinculando-se da rede estadual de ensino profissionalizante, além de criar 15 instruções normativas e três resoluções. As Câmaras de Assessoramento Técnico-Científico da Funcap foram reformuladas, passando a ser ocupadas em sua quase totalidade por pesquisadores do CNPq.



Em outra ação de fomento, a Funcap repassou a concessão das bolsas acadêmicas diretamente aos programas e instituições, mediante sistemas de cotas, processo similar ao adotado pela Capes. A Funcap lançou editais dirigidos a diferentes setores, desde o auxílio direto à pesquisa científica (Pronex, Pronem, PPP em parceria com o CNPq) a editais com recursos próprios para infraestrutura laboratorial e de bolsas de apoio técnico, passando por divulgação e popularização da ciência (Astronomia, Museus) até mesmo em inovação social e tecnológica (Segurança Pública, PPSUS, TI). Os investimentos na área de Inovação também foram vultuosos: R$ 33 milhões em Editais Pappe e R$ 26 milhões em Editais FIT. Das ações inovadoras da Funcap, destacou-se o incentivo à efetiva interiorização de CT&I no Ceará, ação de fomento posteriormente repetida pelo CNPq via concessão de bolsas de Produtividade em Pesquisa e Interiorização a docentes/pesquisadores com vínculos permanentes em Universidades e Faculdades públicas com sede no interior do estado.



Os feitos do primeiro mandato do governador Cid Gomes e o respectivo plano de governo para o segundo mandato tranquilizaram a comunidade acadêmica do estado quanto à continuidade da política de CT&I. Previa-se até o aprofundamento da reestruturação do setor, a fim de elevar o estado do Ceará ao mesmo nível de estados mais desenvolvidos no Nordeste e no Brasil, no que se refere à produção científica, de inovação e de formação de recursos humanos especializados para pesquisa e ensino superior.



Com a reeleição de Cid Gomes, o governo deu continuidade às ações da Funcap, que lançou oito editais científicos e dois editais de Inovação. Nesse mesmo sentido, foi alvissareira a aprovação da Lei de Reestruturação da Funcap (Lei Nº 15.012, de 14 de outubro de 2011), por reformular o seu Conselho Superior, recuperando o perfil eminentemente científico de outrora e atendendo à longa demanda, desde os idos de 2001, da comunidade acadêmica e da SBPC. Ao mesmo tempo em que criou a Diretoria de Inovação da Funcap, a nova lei extinguiu ainda os mandatos da Diretoria Executiva, inclusive o da Presidência. Por outro lado, o governador Cid Gomes perdeu a oportunidade de marcar de forma mais duradoura sua contribuição ao braço executivo da política de C&T do estado, pois a nova lei não previu a constituição de quadros próprios de funcionários para a Funcap. Atualmente, a Funcap conta apenas com uma quinzena de funcionários do estado, emprestados de outros órgãos, sendo os demais terceirizados ou bolsistas.



Ante tais notáveis avanços, há embaraços ao lembrar à comunidade científica como é frágil o setor de CT&I no Ceará, tanto nos instrumentos como na gestão das instituições. Não foram ainda publicados os resultados dos oito editais lançados em 2011, nos levando a supor que os julgamentos devem estar suspensos. Como fato inédito na atual administração, as mensalidades das bolsas acadêmicas de mestrado, doutorado, iniciação científica e iniciação científica júnior de dezembro de 2011 não foram pagas até a presente data, não havendo prazo oficial para o pagamento das mesmas. E pior, prevê-se para o ano de 2012 um corte em 20% no número de bolsas acadêmicas concedidas pela Funcap. Pois, embora a dotação orçamentária da Funcap em 2011 tenha sido maior que em 2010, o montante de recursos efetivamente repassados à Fundação diminuiu em mais de 10% em relação ao ano anterior, representando apenas cerca de 0,6% da arrecadação tributária líquida de todo o estado. E o mais grave, desde a publicação da nova lei da Funcap, ou seja, há mais de 100 dias, é que a Fundação vem sendo dirigida por uma presidência interina e sem diretores científico, de inovação e administrativo-financeiro e sem a instalação do novo Conselho Superior.



Como voto de confiança e capital de credibilidade adquirido como gestor no primeiro mandato, pode-se ainda pensar que a redução do montante dos repasses da Funcap em 2011 em relação a 2010 e a aparente paralisia de 100 dias em reconstituir a Diretoria Executiva e Conselho Superior da Funcap sejam meros acidentes de percurso, sem significar descaso do governador Cid Gomes ao setor de CT&I. Mas, ainda assim, essa situação expõe toda a fragilidade do sistema no Ceará.



Para se inscrever na história como o estadista que mudou de forma perene a CT&I, sem o concurso da qual, reconhecia, em 2006, não ser possível dar o salto social e econômico que o estado do Ceará necessariamente precisa dar, é urgente que o governador Cid Gomes retome as suas resoluções primeiras e determine:



1. Cumprimento integral do repasse duodecimal à Funcap de 2% da arrecadação tributária líquida do estado, conforme o Art. 72 do Estatuto da Funcap, de forma a possibilitar o planejamento efetivo das ações da Fundação, sem o perigo da descontinuidade;



2. Criação de cargos e planos de cargos e carreira para constituição de quadro permanente de funcionários especializados na gestão de C&T para a Funcap e o aparelhamento dos órgãos estaduais ligados à Secretaria de C&T do Estado do Ceará;



3. Utilização efetiva dos instrumentos já existentes, como o Conselho Estadual de C&T e o Conselho Superior da Funcap, para estreitar a parceria do governo do estado e da comunidade acadêmica na consolidação da CT&I, vital para a construção do Ceará do futuro.



O ano de 2012 traz, pois, grandes expectativas à comunidade acadêmica do estado do Ceará e espera-se que o governador Cid Gomes dê finalmente sequência ao seu segundo mandato no setor de CT&I.


Armenio Aguiar dos Santos é conselheiro Nacional da SBPC.

Jornal da Ciência


< voltar