Marco regulatório para as ONGs

Data: 26/01/2012
Jorge Abrahão*

A crise entre governos e organizações da sociedade civil por conta de repasses de ministérios pode levar a uma desarticulação de parcerias importantes nos campos social e ambiental.

Em novembro de 2010, em meio a denúncias de escândalos e corrupção envolvendo ONGs, o governo criou um grupo de trabalho que deverá estabelecer um novo marco regulatório para as organizações da sociedade civil. Como sempre acontece em situações de crise, todas as ONGs brasileiras ou que atuam no Brasil passaram a ser suspeitas de envolvimento com o descalabro no uso de recursos públicos, não importando sua história, sua atividade ou sua forma de financiamento. Principalmente na mídia, joio e trigo se espalharam em promiscuidade. Já venceu o prazo dado então pelo ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, para que o grupo de trabalho de manifestasse com propostas para uma nova regulamentação do setor.

Nesse período, apenas o Ministério do Turismo anunciou formalmente a criação de um grupo de trabalho para estudar as parcerias da pasta com ONGs. Foi criado um grupo informal, com representantes de diversos ministérios e organizações, mas não houve avanço significativo no debate sobre o papel das organizações da sociedade civil e nem sobre o formato de suas relações com organismos públicos.

O que se sabe é que o governo, seja em que nível for, não pode prescindir do apoio e da colaboração de ONGs para a realização de trabalhos em áreas sensíveis como saúde, educação, proteção à infância, apoio a viciados, combate ao uso de drogas e muitas outras tarefas para as quais é necessário ter mais agilidade e liberdade do que é possível no setor público. Mas, para que essa relação seja eficaz e produtiva, é necessário que a transparência de métodos, objetivos, resultados e recursos seja a maior possível, principalmente para organizações que recebem recursos públicos.

Os ataques que algumas organizações receberam por conta de relações promíscuas com governos e partidos políticos devem ser considerados em investigações acuradas. Não se pode compactuar com desmandos e desvios de dinheiro público. Mas há que se tomar cuidado com generalizações. Além das organizações que atuam em setores sensíveis de atendimento social e que dependem de recursos públicos, há organizações que são independentes financeiramente, financiadas por militantes e associados e que atuam de forma correta em função de seus ideais. Da mesma forma que existem empresas de todos os portes e finalidades, assim também são as organizações sociais. Há aquelas que defendem os direitos humanos, as que atuam em causas sociais, as que militam em áreas ambientais e, até mesmo, organizações que são formadas por empresas e que carregam a missão de fortalecer setores econômicos.

Existem no país, segundo estimativas de profissionais do terceiro setor, cerca de 400 mil organizações da sociedade civil. Talvez seja um bom momento para a realização de um censo do terceiro setor. Isto seria importante para o próprio terceiro setor se conhecer melhor. E também para poder lidar com críticas vindas de setores da imprensa em que todas as organizações são alinhadas em um paredão e tratadas como bandidos ou vagabundos.

Em pleno ano da realização da Rio+20, a mais importante conferência sobre desenvolvimento deste século, na qual as organizações sociais terão e já estão tendo papel de extrema relevância, é importante fazer novamente a separação entre o joio e o trigo, para que os avanços conseguidos pela ação da sociedade organizada não sejam tratados de forma tão displicente por formadores de opinião.

Um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que, entre 1999 e 2010, cerca de 0,5% do orçamento da União (do orçamento, e não do PIB) foi destinado ao financiamento de projetos desenvolvidos por ONGs. Antes que se pense em cerrar esta torneira, o melhor é fazer um estudo sobre o destino desses recursos e quais os benefícios que esse dinheiro tem trazido para a sociedade.

O prazo para que se apresente um estudo de marco regulatório para o terceiro setor está correndo e as organizações estão, em grande número, apáticas a isso. A mídia também deixou o tema em segundo plano nos últimos meses e a sociedade não encontra canais para se manifestar.

Para as empresas que buscam construir e aprimorar suas políticas de responsabilidade socioambiental e sustentabilidade, as parcerias com ONGs são fundamentais. São elas que apoiam na linha de frente das ações, oferecendo expertises raras no cenário corporativo. Além disso, nos últimos anos as organizações do terceiro setor também estão cumprindo um novo papel: o de formadoras de pessoal especializado que depois é aproveitado pelas empresas. O fluxo de recursos humanos entre o terceiro setor e empresas tem sido fortemente positivo para estas últimas. Também anda muito valorizado nos currículos de jovens em início de carreira contar com a experiência de trabalhos voluntários em organizações sociais. Esses jovens são vistos como proativos e com valores importantes para a evolução das empresas num cenário de desenvolvimento sustentável.

É importante reforçar o trabalho iniciado pela Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil, composta por mais de 130 organizações sociais e redes da sociedade civil de todo o país, que no final de 2010 encaminhou, para a então candidata à presidência Dilma Rousseff, uma carta solicitando a criação do grupo de trabalho e a prioridade na criação de um marco legal para organizações sociais. O objetivo dessa plataforma é a criação de uma política de Estado de fomento à organização autônoma da sociedade, abarcando mecanismos de acesso a recursos públicos e ambiente tributário favorável para organizações sem fins lucrativos.

O Brasil que vai emergir da Rio+20 não pode prescindir da participação da sociedade civil organizada em seus mais diversos desafios. Para isto é preciso que as organizações sociais tenham um marco legal transparente, sejam reconhecidas como úteis à sociedade e possam realizar seu trabalho sem a permanente iniquidade que vem sendo lançada de forma generalizada nos últimos dois anos.

* Jorge Abrahão é presidente do Instituto Ethos.

site Instituto Ethos.




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