E SE...nosso planejamento energético fosse abrangente, sistêmico e com visão de futuro

Data: 24/01/2012
Alexandra Lichtenberg,

No fim do ano passado fui à uma palestra bastante interessante sobre a “Sustentabilidade da Matriz Energética Brasileira”, promovida pela FGV-Projetos, e proferida pela Diretoria de Furnas. Palestra muito bem proferida, esclarecedora, rica em números do plano decenal de energia, gráficos e ilustrações. Só fiquei com uma duvida: onde entra a Sustentabilidade no planejamento energético brasileiro de médio e longo prazo? Em nenhum momento da palestra falou-se em planos de eficiência energética, que é a forma mais limpa e barata de “geração“ de energia! E tão pouco nos esforços para explorar energias renováveis – solar, eólica, marés, geotérmica - em larga escala. Deixo aqui a biomassa de fora, porque tenho sérias duvidas quanto ao problemas da competição do uso do solo entre usos energéticos e usos para comida, no longo prazo por conta das mudanças climáticas.


Temos hoje uma matriz energética bastante dependente do petróleo (em torno de 45%), principalmente por conta dos transportes, totalmente baseados no modal rodoviário. Por conta da, na minha modesta opinião, obsessão de nosso governo pelo petróleo e pela exploração do pré-sal, vamos continuar amarrados a este modelo ultrapassado. A conta é que devemos investir aproximadamente R$ 700 bilhões de reais na exploração do pré-sal, para dentro de 10 a 15 anos sermos totalmente auto-suficientes e exportadores de petróleo..

Alguém parou para pensar em como vai ser este mundo e este mercado de combustíveis fosseis dentro de 10 a 15 anos, com os efeitos devastadores das mudanças climáticas já hoje acontecendo na frente de nossos narizes? Será que vamos ter tantos consumidores externos dispostos a comprar este petróleo caro explorado perigosamente nas profundezas dos oceanos? As energias renováveis estão em franco desenvolvimento, e os países da Europa e Ásia investindo pesadamente em sua viabilização. Considero esta uma boa reflexão para o pessoal da Petrobras, que tanto reluta em se transformar em uma empresa de energia para se concentrar apenas no ultrapassado petróleo. A atmosfera terrestre não terá como absorver tanto CO2 emitido pelos combustíveis fosseis – isto é um fato já demonstrado por inúmeros cientistas e pelo IPCC.


Bem, a matriz elétrica brasileira é bem mais limpa – temos em torno de 80 e muitos por cento de geração hidroelétrica. E para o futuro? Alguém está contabilizando os riscos climáticos de nossos regimes hidrológicos conseguirem se manter ao longo do tempo? Esta dimensão não entra no planejamento das mega-hidroeletricas sendo construídas no Norte do País para suprir o longínquo Sul/Sudeste de energia – e a um gigantesco custo social e ambiental. Bem, para o futuro Furnas acabou de descobriu que pode instalar parques eólicos oferecendo esta energia a menos de R$100/MWh – e todos estão muito felizes por ainda verificar a complementaridade sazonal das energias hidroelétrica e eólica no Sul/Sudeste e Nordeste do Pais. Então agora a energia eólica entra no mapa do Pais, depois de já existir há tantos anos em outros países do mundo. E as outras energias renoveis, e os outros modelos de negocio para o setor da energia?


O que falta em nosso modelo de planejamento é o estabelecimento de uma visão de sucesso no futuro. Como queremos que seja nosso suprimento de energia no futuro – em 2030, 2050? Os municípios suecos responderam a esta questão, e determinaram que serão Carbono Zero em 2020! E logo se puseram a trabalhar para alcançar este objetivo a partir do que já existe hoje e contando com novos desenvolvimentos tecnológicos no futuro. – e certamente não estão investindo em termoelétricas a carvão, porque o que constroem hoje irá durar por mais 50 ou 60 anos.


Nós não respondemos a esta questão, e fazemos nosso planejamento energético apenas trabalhando da mesma maneira de sempre e aumentando a qualquer custo a capacidade de geração e transmissão para suprir a demanda futura. Aumentando nossa capacidade de geração através de mega projetos hidroelétricos no Norte do Pais, de custo econômico, social e ambiental altíssimos, e que ainda geram grandes custos adicionais de transmissão.


Por que é tão difícil mudar o modelo de geração centralizada para o de geração descentralizada baseada em renováveis, que é a grande novidade mundo afora, possibilitada pelo desenvolvimento das redes inteligentes? Escutei, durante a palestra, a uma justificativa que não havia contemplado anteriormente: as grandes geradoras de energia irão sofrer muito com uma mudança de modelo de negócios, e precisam poder adaptar-se. Está certo, isto é um fato. Mas podem fazer isto com mais agilidade e decisão! As grandes indústrias automobilísticas nos Estados Unidos deixaram de fabricar carros durante a segunda guerra mundial para fabricarem aeronaves de combate, quase que do dia para a noite..

Por outro lado, li na coluna do Agostinho Vieira, em O Globo, que as redes inteligentes devem chegar ao Brasil em 2012, garantido por Mauricio Tolmasquim, presidente da EPE, segundo o qual este é um jogo de ganha-ganha onde todos sairão beneficiados: “casas e condomínios que usam pequenas fontes de energia solar ou eólica vão poder vender o que não usarem para o sistema, num modelo similar ao de uma conta corrente”. Aí está o grande pulo do gato – em um Pais como o nosso, com enorme abundancia de radiação solar, temos condição de gerar energia elétrica desta maneira descentralizada, social , econômica e ambientalmente correta!! Mas atenção agencias reguladoras: já contamos com experiências similares de sucesso em vários países do mundo – Alemanha, Inglaterra, EUA, Austrália – com as quais podemos aprender. Não podemos desprezar as lições que estas experiências inovadoras tem a nos ensinar no quesito de regulação, e inclusive também em relação à capacitação técnica do mercado e desenvolvimento da industria nacional com qualidade mundial.


Espero, do fundo do coração, que a EPE esteja realmente trabalhando no sentido de viabilizar as redes inteligentes e a geração descentralizada de energia para o ano que vem. O Príncipe Charles, figura de grande destaque na área do desenvolvimento sustentável, esteve no Brasil em março de 2009, e afirmou em palestra a empresários e órgãos públicos, categoricamente: nós temos 100 meses para agir de modo a minimizar os efeitos nocivos e permanentes das mudanças climáticas no mundo. Agora só nos restam 71....


(*) Alexandra Lichtenberg é colunista de Plurale consultora em desenvolvimento sustentável


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