O desafio de enxergar a química como instrumento cultural

Data: 19/12/2011
A química ainda não goza de boa imagem na sociedade. A constatação, cada vez mais combatida, é feita por Guilherme Andrade Marson, professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) e editor do portal Química Nova Interativa. "Se alguém tem problemas com drogas, tem dependência química. Se algo é extremamente poluente, é associado à química. Existe um valor na sociedade de que o artificial é ruim. E o que é natural é necessariamente bom", relata Marson.



O professor ressalta que essa visão negativa em relação à disciplina é intensificada também por acidentes que envolvem indústrias químicas ("acontecem acidentes em qualquer setor, mas no caso da química ele ganha alta divulgação na mídia") e pelo grau de dificuldade da matéria ("explica o que você vê com o que você não vê"), que muitas vezes dispersa o interesse dos alunos.



"Mas o que as pessoas não se dão conta é que a química é muito presente na forma com que a gente vive. Há cem anos, eram conhecidas cerca de 400 substâncias. Hoje, conhecemos 65 milhões de substâncias químicas. Boa parte delas não existia antes e foi criada com conhecimento químico. Incluem desde materiais, como plástico, corante, fibra têxtil, medicamentos e até elementos associados com a saúde, como instrumentos tecnológicos da sociedade", pondera.



Química, cultura e meio ambiente - Marson desfia uma lista de atuações da área química, mas destaca a disciplina como um instrumento cultural, citando como exemplos mais contundentes a invenção da pílula anticoncepcional e a criação de medicamentos que fizeram com que fosse possível viver mais tempo e melhor. "Já saímos da barriga da mãe envoltos em química, com o pano esterilizado, e em seguida passamos por procedimentos como o teste do pezinho, que existe graças à compreensão molecular", exemplifica.



Para o pesquisador, desde o século 18 a química vem se consolidando como um instrumento poderoso que aparece em várias áreas na ciência moderna e aumenta o poder de transformação da sociedade. "Qualquer possibilidade de existência harmônica com o meio ambiente também necessita de conhecimento químico, para que possamos entender as transformações da matéria na natureza, de modo que a possamos avaliar o impacto das novas ações e criar alternativas para que continuemos a fazer o que nós fazemos, mas com impacto reduzido", destaca.



Ensino da química - Marson, que é mestre em química orgânica e PhD em bioquímica pela USP, identifica três focos de atenção no ensino da disciplina hoje, que são aplicáveis ao ensino médio, superior e à formação de professores. O primeiro é a contextualização, chamado de Ciência, Tecnologia e Sociedade, "um foco importante para mostrar a química como instrumento de modificação social e mudança das relações humanas".



Outro foco é o de uma ciência que traz um conhecimento de múltiplas dimensões, "que ao mesmo tempo é macro ou concreta, simbólica (com linguagem própria) e microscópica (de explicação)". Por último, o terceiro foco traz a ideia de que as pessoas têm concepções não cientificas sobre o mundo e que as concepções químicas devem fazer parte de seu processo cultural. "Não como algo que vai solapar as concepções prévias, mas algo que vai se integrar a um todo que permita a pessoa optar pela explicação científica", esclarece Marson. "(Esses focos) têm gerado várias propostas inovadoras e interessantes de apresentar e introduzir a química aos alunos", revela.



Apesar de alguns materiais didáticos já seguirem essa linha, ainda há resistência. Há diversos obstáculos, tanto econômicos, que envolvem a baixa remuneração dos professores, quanto de concepção, certa resistência à ideia. "O professor tende a ensinar da forma como ele foi ensinado, mesmo que a experiência não tenha agradado", explica.



Para Marson, o movimento em torno à inovação e as novas oportunidades para químicos ainda não tiveram um grande efeito na procura pelo curso nas universidades. "Saímos agora do Ano Internacional da Química e se os esforços de divulgar química e ciência não forem mantidos, não vamos mudar esse quadro, o que significa que o País pode brecar o desenvolvimento tecnológico por falta de profissionais capacitados de tecnologia", conclui.



(Jornal da Ciência)





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