O protagonismo dos emergentes na Rio+20

Data: 01/11/2011
Antoninho Marmo Trevisan

Em 1992, quando se realizou, no Rio de Janeiro, a II Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, a Eco/92, até então a maior reunião de chefes de Estado de toda a História, a Terra tinha 5,3 bilhões de habitantes. A eles, os mandatários do Planeta fizeram uma solene promessa, consubstanciada no documento oficial do evento, a Agenda 21, de drástica redução da miséria, crescimento econômico e conciliação da prosperidade com a preservação ambiental.
Transcorridas quase duas décadas, o mundo está atingindo a marca de sete bilhões de habitantes em 2011, dos quais, segundo estudo do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), cerca de 1,6 bilhão vivem com menos de 66 reais mensais. As camadas de gelo dos polos nunca estiveram tão derretidas como hoje, as florestas tão devastadas, a camada de ozônio tão escancarada e a economia tão ameaçada pelas crises fiscais da Europa e dos Estados Unidos.
Em 1992, os países desenvolvidos do Hemisfério Norte davam as cartas sozinhos, por meio do G8, e impunham todas as condições. As crises eram endêmicas ao Sul do Equador e epidêmicas na África. Ainda não acontecera a catástrofe do sub-prime e os norte-americanos não haviam gasto alguns trilhões de dólares, a fundo perdido, nas guerras que se seguiram à tragédia de 11 de setembro de 2001, que contribuíram para a estratosférica elevação de sua dívida pública. A Rússia emergia dos escombros da União Soviética, implodida em 1991, enquanto Brasil, China e Índia seguiam sua rotina de nações em desenvolvimento.
O mundo transformou-se! Hoje, o G20 iguala-se e se impõe ante o G8 nas deliberações sobre os rumos da economia mundial, condição, aliás, para a qual contribuiu muito a ação diplomática brasileira nos últimos oito anos. Os países desenvolvidos, com raras e honrosas exceções, estão sem dinheiro, endividados e crescendo pouco. As economias emergentes são as que mais aumentam seu PIB. Os problemas mundiais, porém, continuam os mesmos, e agravados pela expansão demográfica, a insegurança alimentar, as crises econômicas e o desencadeamento efetivo das mudanças climáticas.
É sob esse cenário que caminhamos para a Rio+20, a ser realizada em maio de 2012, sob os auspícios da ONU, em mais uma tentativa de equacionar os graves problemas da sustentabilidade. Foi exatamente com o propósito de analisar e apresentar sugestões que subsidiarão as propostas dos chefes de Estado e delegações oficiais na conferência, que os integrantes do Conselhão, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) da Presidência da República, reuniram-se em Moscou, no mês de setembro, com colegiados similares das três outras nações integrantes do BRIC: Rússia, Índia, China e mais África do Sul.
As reuniões, das quais participei, foram bastante produtivas, a começar pela formalização de um pressuposto bastante lúcido para os programas a serem debatidos na Rio+20: a solução para a crise mundial, que é econômica, social e de valores, passa pelo papel essencial que a sociedade civil pode desempenhar, sem deixar de lado a forte presença do Estado na garantia dos direitos universais para as populações (aqui, dentre outros itens, estamos falando de saúde, educação, moradia, inclusão social, segurança alimentar e física).
Dentre as minutas de propostas, há algumas cuja implementação será decisiva para a solução dos problemas que afligem a civilização. Uma delas refere-se ao fato de que a responsabilidade social dos negócios não pode restringir-se aos aspectos econômicos de uma economia verde. É necessário criar indicadores de sustentabilidade com padrões sociais nacionais, capazes de monitorar o desempenho da sociedade no tocante ao desenvolvimento econômico, mas também nos aspectos ambiental, social e regional.
Outro avanço debatido em Moscou é inovador quanto à análise da economia, que não pode continuar limitada aos índices frios de crescimento do PIB, renda per capita, oscilações das bolsas de valores e do câmbio, rendimento das aplicações financeiras e índices de importação/exportação, dentre tantos outros indicadores presentes nos balancetes das empresas, na mídia e nos relatórios dos economistas chefes de distintas instituições. Mais do que nunca, o desempenho econômico deve, também, ser medido por dados de redução da pobreza, preservação da natureza e da biodiversidade, qualidade da vida e saúde e justiça distributiva regional.
É muito importante, ainda, a proposta de que o patrimônio ambiental deva ser valorizado e considerado parte do PIB de cada país. É previsível que essa tese gere conflitos de interesse entre o G8, cujos membros literalmente devastaram seu ambiente (e o de muitas outras nações) para produzir e enriquecer, e o G20, constituído por países de industrialização tardia, que mantêm preservada parte expressiva de sua natureza, biodiversidade, recursos hídricos e os naturais. É o caso do Brasil. Tais reservas da biosfera, essenciais para a sustentabilidade de todo o Planeta, devem ser compensadas por um fundo constituído pelas nações que já utilizaram seus ativos ambientais para atingir patamares maiores de desenvolvimento. É importante lembrar que deliberação semelhante foi aprovada em 1992, na Conferência do Rio de Janeiro, mas jamais cumprida.
Aliás, quase nada foi efetivado das promessas à humanidade feitas há duas décadas. Em termos práticos, não se implementou a Agenda 21, programa de ação para o qual contribuíram governos e instituições da sociedade civil dos 179 países participantes, num processo preparatório que durou dois anos. Do mesmo modo, a Declaração do Rio, a Convenção sobre a Diversidade Biológica e a Convenção sobre Mudanças Climáticas são meras peças de leitura. A grande questão ante os desafios persistentes é a seguinte: se à época que estavam ricos os países desenvolvidos acabaram não fazendo sua parte, em especial no tocante à constituição de fundos e financiamentos internacionais para a sustentabilidade, será que mudarão de atitude agora que estão mergulhados em profunda crise?
A resposta é um tanto óbvia... Torna-se cada vez mais evidente – e isso permeou o encontro dos Conselhões do BRIC em Moscou – que os emergentes serão protagonistas nas deliberações de 2012, no Rio de Janeiro, em prol de um modelo de civilização que concilie democracia, prosperidade econômica, menos disparidades regionais, justiça social e entre as nações e salubridade ambiental. Vinte anos depois, a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano não pode, mais uma vez, produzir meras cartas de intenções. O futuro já chegou, confirmando muitas das previsões apocalípticas da Eco 92. Em tempo: 46 milhões dos terráqueos que subsistem abaixo da linha da pobreza são habitantes dos Estados Unidos, que acabam de divulgar esse dado, um novo recorde negativo de sua história.


*Antoninho Marmo Trevisan é Colunista de Plurale, colaborando com artigos sobre sustentabilidade. É presidente da Trevisan Escola de Negócios e membro do CDES-Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República.

Plurale


< voltar