O protagonismo dos emergentes na Rio+20
Antoninho Marmo Trevisan
Em 1992, quando se realizou, no Rio de Janeiro, a II Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, a Eco/92, até então a maior reunião de chefes de Estado de toda a História, a Terra tinha 5,3 bilhões de habitantes. A eles, os mandatários do Planeta fizeram uma solene promessa, consubstanciada no documento oficial do evento, a Agenda 21, de drástica redução da miséria, crescimento econômico e conciliação da prosperidade com a preservação ambiental.
Transcorridas quase duas décadas, o mundo está atingindo a marca de sete bilhões de habitantes em 2011, dos quais, segundo estudo do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), cerca de 1,6 bilhão vivem com menos de 66 reais mensais. As camadas de gelo dos polos nunca estiveram tão derretidas como hoje, as florestas tão devastadas, a camada de ozônio tão escancarada e a economia tão ameaçada pelas crises fiscais da Europa e dos Estados Unidos.
Em 1992, os países desenvolvidos do Hemisfério Norte davam as cartas sozinhos, por meio do G8, e impunham todas as condições. As crises eram endêmicas ao Sul do Equador e epidêmicas na África. Ainda não acontecera a catástrofe do sub-prime e os norte-americanos não haviam gasto alguns trilhões de dólares, a fundo perdido, nas guerras que se seguiram à tragédia de 11 de setembro de 2001, que contribuíram para a estratosférica elevação de sua dívida pública. A Rússia emergia dos escombros da União Soviética, implodida em 1991, enquanto Brasil, China e Índia seguiam sua rotina de nações em desenvolvimento.
O mundo transformou-se! Hoje, o G20 iguala-se e se impõe ante o G8 nas deliberações sobre os rumos da economia mundial, condição, aliás, para a qual contribuiu muito a ação diplomática brasileira nos últimos oito anos. Os países desenvolvidos, com raras e honrosas exceções, estão sem dinheiro, endividados e crescendo pouco. As economias emergentes são as que mais aumentam seu PIB. Os problemas mundiais, porém, continuam os mesmos, e agravados pela expansão demográfica, a insegurança alimentar, as crises econômicas e o desencadeamento efetivo das mudanças climáticas.
É sob esse cenário que caminhamos para a Rio+20, a ser realizada em maio de 2012, sob os auspícios da ONU, em mais uma tentativa de equacionar os graves problemas da sustentabilidade. Foi exatamente com o propósito de analisar e apresentar sugestões que subsidiarão as propostas dos chefes de Estado e delegações oficiais na conferência, que os integrantes do Conselhão, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) da Presidência da República, reuniram-se em Moscou, no mês de setembro, com colegiados similares das três outras nações integrantes do BRIC: Rússia, Índia, China e mais África do Sul.
As reuniões, das quais participei, foram bastante produtivas, a começar pela formalização de um pressuposto bastante lúcido para os programas a serem debatidos na Rio+20: a solução para a crise mundial, que é econômica, social e de valores, passa pelo papel essencial que a sociedade civil pode desempenhar, sem deixar de lado a forte presença do Estado na garantia dos direitos universais para as populações (aqui, dentre outros itens, estamos falando de saúde, educação, moradia, inclusão social, segurança alimentar e física).
Dentre as minutas de propostas, há algumas cuja implementação será decisiva para a solução dos problemas que afligem a civilização. Uma delas refere-se ao fato de que a responsabilidade social dos negócios não pode restringir-se aos aspectos econômicos de uma economia verde. É necessário criar indicadores de sustentabilidade com padrões sociais nacionais, capazes de monitorar o desempenho da sociedade no tocante ao desenvolvimento econômico, mas também nos aspectos ambiental, social e regional.
Outro avanço debatido em Moscou é inovador quanto à análise da economia, que não pode continuar limitada aos índices frios de crescimento do PIB, renda per capita, oscilações das bolsas de valores e do câmbio, rendimento das aplicações financeiras e índices de importação/exportação, dentre tantos outros indicadores presentes nos balancetes das empresas, na mídia e nos relatórios dos economistas chefes de distintas instituições. Mais do que nunca, o desempenho econômico deve, também, ser medido por dados de redução da pobreza, preservação da natureza e da biodiversidade, qualidade da vida e saúde e justiça distributiva regional.
É muito importante, ainda, a proposta de que o patrimônio ambiental deva ser valorizado e considerado parte do PIB de cada país. É previsível que essa tese gere conflitos de interesse entre o G8, cujos membros literalmente devastaram seu ambiente (e o de muitas outras nações) para produzir e enriquecer, e o G20, constituído por países de industrialização tardia, que mantêm preservada parte expressiva de sua natureza, biodiversidade, recursos hídricos e os naturais. É o caso do Brasil. Tais reservas da biosfera, essenciais para a sustentabilidade de todo o Planeta, devem ser compensadas por um fundo constituído pelas nações que já utilizaram seus ativos ambientais para atingir patamares maiores de desenvolvimento. É importante lembrar que deliberação semelhante foi aprovada em 1992, na Conferência do Rio de Janeiro, mas jamais cumprida.
Aliás, quase nada foi efetivado das promessas à humanidade feitas há duas décadas. Em termos práticos, não se implementou a Agenda 21, programa de ação para o qual contribuíram governos e instituições da sociedade civil dos 179 países participantes, num processo preparatório que durou dois anos. Do mesmo modo, a Declaração do Rio, a Convenção sobre a Diversidade Biológica e a Convenção sobre Mudanças Climáticas são meras peças de leitura. A grande questão ante os desafios persistentes é a seguinte: se à época que estavam ricos os países desenvolvidos acabaram não fazendo sua parte, em especial no tocante à constituição de fundos e financiamentos internacionais para a sustentabilidade, será que mudarão de atitude agora que estão mergulhados em profunda crise?
A resposta é um tanto óbvia... Torna-se cada vez mais evidente e isso permeou o encontro dos Conselhões do BRIC em Moscou que os emergentes serão protagonistas nas deliberações de 2012, no Rio de Janeiro, em prol de um modelo de civilização que concilie democracia, prosperidade econômica, menos disparidades regionais, justiça social e entre as nações e salubridade ambiental. Vinte anos depois, a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano não pode, mais uma vez, produzir meras cartas de intenções. O futuro já chegou, confirmando muitas das previsões apocalípticas da Eco 92. Em tempo: 46 milhões dos terráqueos que subsistem abaixo da linha da pobreza são habitantes dos Estados Unidos, que acabam de divulgar esse dado, um novo recorde negativo de sua história.
*Antoninho Marmo Trevisan é Colunista de Plurale, colaborando com artigos sobre sustentabilidade. É presidente da Trevisan Escola de Negócios e membro do CDES-Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República.
Plurale
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Em 1992, quando se realizou, no Rio de Janeiro, a II Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, a Eco/92, até então a maior reunião de chefes de Estado de toda a História, a Terra tinha 5,3 bilhões de habitantes. A eles, os mandatários do Planeta fizeram uma solene promessa, consubstanciada no documento oficial do evento, a Agenda 21, de drástica redução da miséria, crescimento econômico e conciliação da prosperidade com a preservação ambiental.
Transcorridas quase duas décadas, o mundo está atingindo a marca de sete bilhões de habitantes em 2011, dos quais, segundo estudo do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), cerca de 1,6 bilhão vivem com menos de 66 reais mensais. As camadas de gelo dos polos nunca estiveram tão derretidas como hoje, as florestas tão devastadas, a camada de ozônio tão escancarada e a economia tão ameaçada pelas crises fiscais da Europa e dos Estados Unidos.
Em 1992, os países desenvolvidos do Hemisfério Norte davam as cartas sozinhos, por meio do G8, e impunham todas as condições. As crises eram endêmicas ao Sul do Equador e epidêmicas na África. Ainda não acontecera a catástrofe do sub-prime e os norte-americanos não haviam gasto alguns trilhões de dólares, a fundo perdido, nas guerras que se seguiram à tragédia de 11 de setembro de 2001, que contribuíram para a estratosférica elevação de sua dívida pública. A Rússia emergia dos escombros da União Soviética, implodida em 1991, enquanto Brasil, China e Índia seguiam sua rotina de nações em desenvolvimento.
O mundo transformou-se! Hoje, o G20 iguala-se e se impõe ante o G8 nas deliberações sobre os rumos da economia mundial, condição, aliás, para a qual contribuiu muito a ação diplomática brasileira nos últimos oito anos. Os países desenvolvidos, com raras e honrosas exceções, estão sem dinheiro, endividados e crescendo pouco. As economias emergentes são as que mais aumentam seu PIB. Os problemas mundiais, porém, continuam os mesmos, e agravados pela expansão demográfica, a insegurança alimentar, as crises econômicas e o desencadeamento efetivo das mudanças climáticas.
É sob esse cenário que caminhamos para a Rio+20, a ser realizada em maio de 2012, sob os auspícios da ONU, em mais uma tentativa de equacionar os graves problemas da sustentabilidade. Foi exatamente com o propósito de analisar e apresentar sugestões que subsidiarão as propostas dos chefes de Estado e delegações oficiais na conferência, que os integrantes do Conselhão, o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) da Presidência da República, reuniram-se em Moscou, no mês de setembro, com colegiados similares das três outras nações integrantes do BRIC: Rússia, Índia, China e mais África do Sul.
As reuniões, das quais participei, foram bastante produtivas, a começar pela formalização de um pressuposto bastante lúcido para os programas a serem debatidos na Rio+20: a solução para a crise mundial, que é econômica, social e de valores, passa pelo papel essencial que a sociedade civil pode desempenhar, sem deixar de lado a forte presença do Estado na garantia dos direitos universais para as populações (aqui, dentre outros itens, estamos falando de saúde, educação, moradia, inclusão social, segurança alimentar e física).
Dentre as minutas de propostas, há algumas cuja implementação será decisiva para a solução dos problemas que afligem a civilização. Uma delas refere-se ao fato de que a responsabilidade social dos negócios não pode restringir-se aos aspectos econômicos de uma economia verde. É necessário criar indicadores de sustentabilidade com padrões sociais nacionais, capazes de monitorar o desempenho da sociedade no tocante ao desenvolvimento econômico, mas também nos aspectos ambiental, social e regional.
Outro avanço debatido em Moscou é inovador quanto à análise da economia, que não pode continuar limitada aos índices frios de crescimento do PIB, renda per capita, oscilações das bolsas de valores e do câmbio, rendimento das aplicações financeiras e índices de importação/exportação, dentre tantos outros indicadores presentes nos balancetes das empresas, na mídia e nos relatórios dos economistas chefes de distintas instituições. Mais do que nunca, o desempenho econômico deve, também, ser medido por dados de redução da pobreza, preservação da natureza e da biodiversidade, qualidade da vida e saúde e justiça distributiva regional.
É muito importante, ainda, a proposta de que o patrimônio ambiental deva ser valorizado e considerado parte do PIB de cada país. É previsível que essa tese gere conflitos de interesse entre o G8, cujos membros literalmente devastaram seu ambiente (e o de muitas outras nações) para produzir e enriquecer, e o G20, constituído por países de industrialização tardia, que mantêm preservada parte expressiva de sua natureza, biodiversidade, recursos hídricos e os naturais. É o caso do Brasil. Tais reservas da biosfera, essenciais para a sustentabilidade de todo o Planeta, devem ser compensadas por um fundo constituído pelas nações que já utilizaram seus ativos ambientais para atingir patamares maiores de desenvolvimento. É importante lembrar que deliberação semelhante foi aprovada em 1992, na Conferência do Rio de Janeiro, mas jamais cumprida.
Aliás, quase nada foi efetivado das promessas à humanidade feitas há duas décadas. Em termos práticos, não se implementou a Agenda 21, programa de ação para o qual contribuíram governos e instituições da sociedade civil dos 179 países participantes, num processo preparatório que durou dois anos. Do mesmo modo, a Declaração do Rio, a Convenção sobre a Diversidade Biológica e a Convenção sobre Mudanças Climáticas são meras peças de leitura. A grande questão ante os desafios persistentes é a seguinte: se à época que estavam ricos os países desenvolvidos acabaram não fazendo sua parte, em especial no tocante à constituição de fundos e financiamentos internacionais para a sustentabilidade, será que mudarão de atitude agora que estão mergulhados em profunda crise?
A resposta é um tanto óbvia... Torna-se cada vez mais evidente e isso permeou o encontro dos Conselhões do BRIC em Moscou que os emergentes serão protagonistas nas deliberações de 2012, no Rio de Janeiro, em prol de um modelo de civilização que concilie democracia, prosperidade econômica, menos disparidades regionais, justiça social e entre as nações e salubridade ambiental. Vinte anos depois, a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano não pode, mais uma vez, produzir meras cartas de intenções. O futuro já chegou, confirmando muitas das previsões apocalípticas da Eco 92. Em tempo: 46 milhões dos terráqueos que subsistem abaixo da linha da pobreza são habitantes dos Estados Unidos, que acabam de divulgar esse dado, um novo recorde negativo de sua história.
*Antoninho Marmo Trevisan é Colunista de Plurale, colaborando com artigos sobre sustentabilidade. É presidente da Trevisan Escola de Negócios e membro do CDES-Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República.
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