Presidente da FeSBE defende criação de novos fundos setoriais para alavancar pesquisas científicas

Data: 28/10/2011


A falta de recursos para fomentar em níveis internacionais pesquisas na área de biologia experimental, a falta de inovação e a morosidade na importação de insumos utilizados nos estudos são considerados os principais gargalos de pesquisadores da área de biologia experimental. A opinião é do presidente da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), Walter Araújo Zin, em entrevista ao Jornal da Ciência.


Para estimular a ciência e a inovação no País, ele defende a criação de novos fundos setoriais, o aporte de mais recursos para os fundos e o desbloqueio de valores no orçamento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT&I), por exemplo, que este ano teve R$ 1,7 bilhão contingenciados. Dessa forma, Zin acredita ser possível competir em pé de igualdade no mercado exterior.



Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Zin é mestre em Ciências Biológicas (Biofísica), doutor em Ciências Biológicas (Biofísica), pela mesma instituição, onde é professor e pós-doutor na McGill University, Montreal, Canadá. Membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), ele já orientou 32 mestres e 22 doutores.



Jornal da Ciência (JC): Quais os principais gargalos enfrentados pelos pesquisadores da área de biologia experimental no Brasil?

Walter Araújo Zin (WAZ): Nosso grande gargalo é a demora para importar produtos ligados à pesquisa científica, em razão da burocracia da máquina pública. Nada facilita a importação de insumos para a pesquisa científica que leva seis meses em média para chegar ao Brasil, entre a encomenda e sua chegada. É o mesmo tempo para importar uma máquina agrícola, por exemplo. O ideal seria dar um tratamento especial às importações de produtos ligados aos assuntos científicos, pois elas são realizadas para o bem do ensino, da pesquisa e da população nacional. Deveria haver um órgão integrador para facilitar o desembarque desses insumos, facilitando o tramite pelas agências federais envolvidas.



As aquisições no exterior de produtos perecíveis utilizados na pesquisa científica precisam passar pela aprovação de diversos órgãos e liberação pela alfândega no aeroporto. O processo todo pode ser muito moroso. Por serem transportados sob gelo seco muitas vezes esses insumos se perdem no aeroporto, gerando prejuízos elevados para o contribuinte brasileiro, que, na verdade, é quem paga a conta.



JC: Daria para mensurar os prejuízos causados na logística?

WAZ: Não tenho como mensurar isso.



JC: Essa morosidade compromete o desenvolvimento das pesquisas na área de biologia experimental?

WAZ: Competimos na linha de frente com os países desenvolvidos, onde é só telefonar para uma empresa e fazer o pedido. Do outro lado da linha, os fornecedores só perguntam qual é o número da ordem de pagamento, por exemplo. E pronto. No dia seguinte, o insumo chega por correio expresso. É difícil competir com países que têm uma estrutura eficiente. Além disso, temos poucos recursos para fomentar a pesquisa científica.



JC: Como alavancar recursos para fomentar a pesquisa científica nessa área?

WAZ: Uma idéia seria aumentar o aporte de recursos para os fundos setoriais, descontigenciar os valores retidos a cada ano e criar outros fundos setoriais. A criação de fundos setoriais (no fim da década de 1990) trouxe considerável quantidade de recursos para a pesquisa científica nos últimos anos, que foi se tornando progressivamente mais significante, refletindo a semente plantada no passado. O ideal seria expandir a idéia original.



JC: Qual a sua avaliação sobre a dependência externa brasileira na área de fármacos, ao acumular déficit anual de cerca de U$S 12 bilhões na balança comercial do setor?

WAZ: O Brasil poderia produzir substâncias novas na área da química, produzir novos compostos (medicamentos novos, não genéricos). Mas isso requer muita aplicação de recursos financeiros. O desenvolvimento de fármacos no Brasil é realizado basicamente nas universidades, que têm poucos recursos para investir. Elas dependem de financiamentos do governo (fundos setoriais, recursos ministério da Agricultura, Ministério de Ciência e Tecnologia, dentre outros).



A nossa indústria aplica poucos recursos em desenvolvimento, em inovação. Aqui o investimento é realizado principalmente na produção de genéricos (cópia de remédios produzidos no exterior). Investe poucos recursos próprios em pesquisa, e contrata número insuficiente de profissionais com doutorado para desenvolver fármacos em seus laboratórios. Geralmente, no momento em que um fármaco é desenvolvido com sucesso pelas universidades essa patente vai para a indústria, que passa a produzí-lo internamente. Com isso, ela economiza o dinheiro que seria utilizado para desenvolver o produto. Ou seja, a inovação é feita na universidade, quando deveria ocorrer na indústria.



Em países desenvolvidos é tudo diferente. A indústria farmacêutica investe pesado nessa área, em pesquisa de novos fármacos. As multinacionais fazem todo o desenvolvimento de um fármaco, podendo subsidiar uma universidade para desenvolver um composto para ela. As multinacionais investem pensando em longo prazo, aplicam hoje para terem retorno financeiro em 10 a 15 anos.



JC: A indústria farmacêutica nacional não investe em pesquisa científica por que não gosta de correr riscos ou por que isso faz parte de uma cultura?

WAZ: Na realidade é uma combinação de fatores. As pesquisas envolvem uma soma elevada. Por exemplo, para se chegar a um novo fármaco uma pesquisa se inicia com 200 compostos que precisam ser testados. No final só um vira medicamento. Às vezes nenhum. É um risco grande e que requer muito dinheiro aplicado.



JC: Quais os estímulos públicos para estimular a inovação no setor de fármacos? E quais as propostas para o tratamento das chamadas doenças negligenciadas (leishmaniose, dengue, doença de Chagas, hanseníase, malária, esquistossomose e tuberculose)?

WAZ: Frequentemente aparecem propostas de editais, do governo federal, para estimular o desenvolvimento de tratamentos para as doenças negligenciadas. Pois não interessa aos grandes laboratórios (estrangeiros) produzirem remédios baratos, nem aqueles que têm pouco uso nos países desenvolvidos. Um remédio baratinho que custa R$ 3,00 para combater uma doença tropical, por exemplo, não interessa aos laboratórios grandes. Com isso, no final das contas a população fica mal servida. Os editais são para incentivar universidades a produzirem conhecimento nessas áreas. A vacina da dengue, por exemplo, está em estágio avançado de desenvolvimento.



JC: Diante de todas essas dificuldades, o Brasil está preparado para enfrentar as doenças do século, como problemas de respiração, provocados pelo aquecimento global, estresse, câncer e AIDS, por exemplo?

WAZ: Ainda que muitos fármacos venham de fora, o Ministério da Saúde tem implementado políticas importantes na área. Mas entre fazer a política de saúde e ela ser aplicada na ponta (no ambulatório, ao paciente) é um caminho muito longo. Às vezes a idéia do gestor, que é muito boa, se dilui no decorrer da execução e chega ao final sem cumprir plenamente o previsto. Outro obstáculo é o tempo para ser criado um modelo de gestão, que comece a funcionar, pois o governo pode mudar e, em decorrência, trocam-se os gestores da saúde.



JC: O principal problema de saúde do Brasil é a falta de uma política de Estado?

WAZ: É a falta de pesquisa científica também. Se hovesse mais recursos seria mais fácil abordar esse leque de agravos próprios de um país tropical, como as doenças negligenciadas. Temos necessidade de contratação de pessoal especializado em universidades, em institutos de pesquisas e na indústria. Existe um grupo (de pesquisadores) pequeno em atuação e isso começa a preocupar. A cada ano a mesma pergunta vem à mente: quantos vão se aposentar no próximo ano?



O Brasil tem pessoal qualificado. São pouquíssimas as áreas hoje que exigem a realização de um doutorado no exterior. O doutorado já pode ser realizado aqui mesmo e complementado na chamada modalidade sanduíche, em que parte do curso pode ser realizada no exterior e outra parte aqui. Em quase todas as áreas já temos capacidade de realizar cursos de doutorado. Por exemplo, a bioquímica no Brasil é muito avançada. Entretanto, faltam recursos e incorporação de pesquisadores em unidades de pesquisas. O Brasil é muito rico em cabeças, em pessoas que pensam. Mas esbarramos sempre no mesmo ponto: eu penso, mas tenho de alavancar recursos de várias fontes para conseguir realizar as pesquisas.



JC: Se não há mercado de trabalho, para onde vão os cientistas?

WAZ: Às vezes eles terminam fazendo algo completamente diferente do curso de formação, justamente pelo motivo de não poderem atuar na área de pesquisa. A expansão (da contratação) do quadro de funcionários, que está relacionado com a área de pesquisa é muito lenta. Na minha unidade, por exemplo, pouco aumentou o número de pesquisadores que existia há dez anos, cerca de 100 pesquisadores; o de funcionários técnico-administrativos diminuiu. Precisamos de espaços para ampliar laboratórios, para contratar mais e produzir mais resultados científicos. As pessoas estão sendo formadas, muitas vão embora trabalhar no exterior.



JC: Como está a divulgação das pesquisas de biologia experimental, especialmente as que têm relação direta com a sociedade brasileira? Qual a importância delas para a população?

WAZ: A divulgação é muito grande, mas sempre poderia ser melhor. Há anos o governo promove a Semana Nacional de Ciência & Tecnologia para a divulgação de pesquisas, apresenta propagandas na televisão e todas as universidades públicas têm uma Jornada de Iniciação Cientifica. Mas falta, um pouco, na população brasileira, a curiosidade sobre o tema, de saber mais, de cobrar. A importância da divulgação de pesquisas de biologia experimental é fazer com que as pessoas busquem mais informação, apóiem mais o processo. .



JC: Qual a sua avaliação sobre o desempenho da Reunião Anual da FeSBE realizada em agosto, no Rio de Janeiro?

WAZ: O resultado foi positivo. O evento reuniu um número recorde de participantes brasileiros, por volta de 4 mil e congregou vários cientistas estrangeiros, graças a um apoio significativo de várias agências financiadoras, em especial a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Por ser realizado no Rio, o evento chamou muito a atenção. Foi uma reunião diferente das outras já realizadas no Brasil e lotou o espaço. Aliás, o Brasil precisa de centros de convenções maiores, se quiser competir com o mundo. No exterior vê-se centros de convenções capazes de atender a 20 mil, a 30 mil pessoas. Estamos engatinhando. Precisamos de centros para atender 40 mil pessoas, se quisermos atingir um patamar mundial.



(Jornal da Ciência)





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