Nem tão imaterial assim

Data: 20/10/2011
Regina Scharf

Não há como negar a progressiva desmaterialização da economia. Produtos e serviços consomem hoje muito menos materiais e energia que no passado, graças, sobretudo, à revolução tecnológica dos últimos anos. Em artigo recente no The Wall Street Journal, (“Why Software is Eating the World”), Marc Andreessen, investidor da área de e-tecnologias, reúne evidências da tomada da economia pelo mundo virtual. “Cada vez mais empresas de porte, da indústria do cinema à agricultura e à defesa, têm softwares na base de seus negócios e entregam seus serviços via internet”, diz Andreessen. Ele afirma que é sintomático o fato de a Hewlett-Packard estar se deslocando da fabricação de computadores para o mercado de programas, considerado mais promissor. Ou que a rede americana de livrarias Borders tenha falido, depois de desprezar o nicho de e-books.

O mercado editorial é, justamente, dos mais afetados. Livros, revistas e jornais estão sendo progressivamente substituídos por bytes. A informação contida nos 45 mil livros da coleção de José Mindlin, uma das mais importantes do Brasil, pode ser carregada no bolso, num punhado de flash drives. A loja eletrônica Amazon vende hoje mais livros virtuais do que de papel. Resultado: menos celulose, menos encadernação, menos impressão, menos transporte.

A indústria da música passa por processo semelhante. A Apple anunciou no ano passado que já havia vendido 10 bilhões de músicas por meio da sua loja virtual iTunes (cada doze canções representam um CD que deixou de ser vendido).

A educação também está mudando. Os cursos gratuitos virtuais oferecidos pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) recebem 1,5 milhão de visitantes a cada mês – dos quais um terço utiliza ferramentas de tradução para outras línguas que não o inglês. Um dos cursos, de álgebra linear, foi baixado por 200 mil alunos remotos – que dispensam transporte e construção de salas de aula adicionais. Uma dezena de outras universidades americanas oferece serviços semelhantes.

Mas as mudanças não se limitam à indústria cultural. Investimentos em produção mais limpa e eficiência energética racionalizaram os processos industriais em boa parte do planeta ao longo dos últimos 20 anos.

Levantamento da União Europeia indica que praticamente todos os países da região reduziram a intensidade energética de sua economia em pelo menos 10% entre 1998 e 2008. Alguns, como Bulgária, Estônia e Romênia, tiveram uma diminuição superior a 30%. Ou seja, a quantidade de energia necessária para produzir uma unidade de PIB diminuiu consideravelmente.

Deste lado do Equador, a tendência é semelhante. Estudo do Greenpeace de 2007 estima que a intensidade energética da América Latina deveria cair 20% entre 2003 e 2050, mas essa queda poderia chegar a quase 50% num cenário que a entidade batizou de “[R">evolução Energética”. Naturalmente, essa tendência é vantajosa para a maioria das empresas. Um bom exemplo é a companhia aérea American Airlines, que está substituindo toda a documentação de bordo, inclusive mapas de voo, por arquivos armazenados no tablet iPad. A empresa estima que isso permitirá economizar US$ 1,2 milhão anuais em combustível – cada aeronave carrega até 16 quilos de documentos.

A tendência de desmaterialização é concreta – mas será suficiente? Parece que não. O crescimento do conjunto da economia tem superado sistematicamente o ganho associado à redução no consumo de energia e matérias-primas (a edição 55 abordou esse fenômeno, chamado de rebound effect, ou efeito ricochete).

Em entrevista recente à Ecoagência, do Núcleo de Jornalistas do Rio Grande do Sul, Andrei Cechin, autor do livro A Natureza como Limite da Economia: a contribuição de Nicholas Georgescu-Roegen, diz que o economista romeno, fundador da Economia Ecológica, era inimigo do “mito da desmaterialização da economia”. Cechin pondera que, se, por um lado, a intensidade energética global caiu 33% desde 1970 e a intensidade material tenha diminuído 26% entre 1980 e 2007, por outro o PIB global elevou-se em 120% e a população mundial cresceu 50%.

“Isso resultou em um aumento absoluto de 62% na extração global de recursos”, diz Cechin. “Para provar isso, Georgescu provavelmente apontaria o relatório Living Planet de 2010, que revela que a pegada ecológica da humanidade mais que duplicou desde 1966. Em 2007, o último ano para o qual se têm dados, a humanidade usava o equivalente a um planeta e meio para suportar suas atividades. Essa economia é qualquer coisa, menos sustentável”.

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