Entrevista com Ernesto Cavasin Neto

Data: 16/09/2011
Ernesto Cavasin Neto, especialista em Sustentabilidade da PwC

Ernesto Cavasin Neto, da PriceWaterhouseCoopers (PwC), expõe no livro “Toneladas sobre os ombros”, da Editora Schoba, os desafios da sustentabilidade e de como as empresas se preparam, mas deixam de lado o principal agente transformador: o cidadão comum, que pode até ser o dirigente da empresa.

O especialista é presença constante nos fóruns globais de sustentabilidade e em todas as reuniões promovidas pela Organização das Nações Unidas sobre o tema. É que na PriceWaterhouseCoopers (PwC), no Brasil, ele comanda a área de sustentabilidade, responsável por relatórios e negócios do setor – da própria multinacional de auditoria e consultoria e também de seus clientes. Condutor de processos de venda de crédito carbono e focado em energia, Cavasin decidiu colocar em livro, mais que sua experiência, um alerta para as empresas e governos.

“Muitos projetos deixam de lado o principal agente de transformação que é o cidadão comum. Vejo em muitas empresas uma preocupação crescente com práticas sustentáveis como a separação de lixo e a economia de energia, mas, o mesmo, muitas vezes, não se aplica nos ambientes externos onde empresários e funcionários da própria empresa interagem, como a própria residência”.

Para Cavasin, sem sensibilizar e convencer o cidadão comum, no exercício e na prática cotidiana, muitos dos esforços de governos, organizações não-governamentais e empresas caem por terra. Mas como na caverna de Platão há luz no fim do túnel, então faça-se a luz. E buscando deixar clara a discussão, tanto no livro, que acaba de ser lançado como nesta entrevista à Plurale em revista, que Cavasin vai dando o seu recado, com a simplicidade necessária para que o assunto mais que impregne a superfície chegue ao coração de todos, irrigando práticas cada vez mais sustentáveis. O executivo fala nessa entrevista de como é possível irrigar idéias novas que levem à construção de um mundo melhor.

Plurale em revista – Mais um livro sobre sustentabilidade chega às livrarias, desta vez o seu, intitulado “Toneladas sobre os ombros – Quanto pesa o homem? É por quilo ou tonelada?”, da Editora Schoba, ainda há o que explorar sobre o assunto?

Ernesto Cavasin Neto – As questões relacionadas à sustentabilidade são profundamente dialéticas, há sempre uma novidade, uma forma nova de ver o mundo, o mesmo mundo com outro olhar, talvez mais crítico. Os fenômenos causados pelo impacto do homem ao meio ambiente vão tecendo um conjunto de informações importantes com impactos nas ações de governos e empresas, muitas afetadas em seu lucro por força dessas transformações e mexem também com o homem, mas o homem, o cidadão comum, ainda está muito distante do processo. Acompanho fóruns globais há anos e várias soluções são adotadas, várias inovações são apresentadas, muitos governos e muitas empresas as adotam, começam a buscar práticas sustentáveis, mas não chegam ao chamado “chão da fábrica”, ao cidadão comum na sua prática diária com o ambiente em que vive. Então, muitos dos esforços caem por terra. A sociedade vive de exemplos de cidadania, precisamos ter mais exemplos de uma relação com o ambiente, sem a perda da qualidade de vida e o conforto. As discussões muitas vezes são radicalizadas e o principal agente de transformação, o cidadão comum, acaba ficando de lado. Há casos de empresários que adotam práticas de extrema sustentabilidade em suas empresas, mas não levam para dentro de casa, nos seus gestos mais cotidianos essas práticas a sério. Economiza-se água, energia no ambiente do trabalho e esbanja os meus recursos em casa. É isso que temos que avaliar. Parafraseando a campanha presidencial de Barack Obama, eu diria, que sim é possível mudar o mundo, torná-lo um lugar melhor para nós e para as futuras gerações, mas é preciso começar já. Santos Dumont, por exemplo, aliou modernidade e conforto à práticas sustentáveis, como a sua casa na região serrana do Rio de Janeiro, em Petrópolis, a Encantada.


Plurale – Aliás, Santos Dumont costura os capítulos do seu livro.

Cavasin Neto – É justamente por isso. Ele foi um inovador, um homem bem à frente do seu tempo. Vivia com absoluto conforto, mas tinha uma visão clara de evitar desperdícios. Sempre inovava no figurino, com poucas mudas de roupas, doando as que não usaria mais. Estava sempre preocupado em poupar recursos, para deles usufruir. Foi um importante inovador, passou a entender do clima, das correntes de ar para poder voar e teve uma percepção clara de como os fenômenos naturais interferiam no seu negócio. Hoje, muitas empresas têm a clara percepção que é preciso avaliar clima, recursos hídricos, enfim todos os insumos, para projetar o negócio, afinal todos os recursos são finitos e muitas vezes alguns podem ser substituídos por outras fontes, mais limpas ainda que esse possa ter impacto sobre o preço. É aí que entra a figura do cidadão comum, do consumidor que tem que começar a fazer opções mais claras de como pretende viver hoje e que herança pretende deixar para as futuras gerações. As empresas que esgotam seus negócios acabam por não terem vida longa. Ninguém está dizendo que temos que parar o mundo, parar tudo e voltar ao passado, temos sim que seguir em frente, mas é preciso avaliar os riscos. Hoje, as consultorias avaliam riscos e cada vez mais estes terão peso nos negócios, no valor de mercado das empresas e naquilo que farão delas empresas inovadoras.

Plurale – Você fala muito em trazer o cidadão comum para o debate e as ações. Então como se pode fazer isso?

Cavasin Neto – Talvez o melhor exemplo venha das campanhas pela erradicação do gás CFC (clorofluorcarbono). Nada teria acontecido se o cidadão comum não fosse convencido dos riscos do buraco na camada de ozônio e não optasse por refrigeradores, por exemplo, sem uso de gás CFC. Nesse momento, entrou em campo governos, empresas e consumidores. Foi por isso que deu e continua dando resultados positivos. O consumidor entendeu que deveria trocar os refrigeradores, que representam risco ao meio ambiente e a sua saúde. Os governos deram incentivos fiscais para que as empresas investissem em tecnologia, o consumidor teve desconto na troca e o mundo começou a erradicar o problema. É essa participação de todos que é essencial. Não precisa ir muito longe, quando do “apagão” da energia elétrica há dez anos, as pessoas trocaram as lâmpadas por lâmpadas mais econômicas, passaram pelo custo que a energia iria representar no orçamento a ter mais cuidado no gasto. Então, governos e empresas passaram a apontar alternativas e a sociedade entendeu que deveria participar do problema naquele momento. É preciso ter esse tripé entre empresas-governos-cidadãos. O problema é que hoje as grandes discussões sobre clima e recursos hídricos ainda não envolvem o cidadão. Parece ter um hiato e esse caminho precisa ser encurtado. Quando isso ocorrer, haverá mais equilíbrio.

Plurale – Tem também a questão dos países ricos e pobres, que cria um fosso, pois os ricos já consumiram todas as reservas de recursos e os pobres ainda estão distantes dos padrões de consumo.

Cavasin Neto – Ninguém vai poder dizer que se você não teve um carro, agora não terá mais. A situação passa por outro caminho, o da oferta de serviços públicos de maior qualidade, o da cobrança de pedágios para tráfego de veículos em locais saturados, estimulando o transporte público, por exemplo. A questão dos países pobres passa por políticas de inclusão. Não se pode negar as conquistas tecnológicas a nenhum cidadão em nenhum lugar do mundo. Santos Dumont mesmo projetou o avião para que todos pudessem voar, mas se não ousasse não teria tirado os pés do chão. É preciso ousar para levar conforto com equilíbrio a todos. Não se pode condenar às cavernas cidadãos que vivem em países pobres para que os que vivem em países ricos possam ter a luz. É preciso que todos saiam ganhando no novo cenário. Os países pobres por garantirem equilíbrio climático e hídrico precisam ser compensados por aqueles que não têm mais essas reservas. Mas nada disso acontecerá se deixarmos sempre o cidadão para última hora, com as ações e decisões apenas nas mãos de governos e empresas. É preciso chamar o ator principal para o palco do debate e é isso que pretendo alertar no livro, que espero cumpra essa função, uma vez que é resultado das percepções de quem tem se dedicado ao tema e participado dos mais diferentes fóruns globais. Existe futuro, mas ele começa hoje, nesse instante.



A casa encantada

O mineiro Alberto Santos Dumont (Palmira, 20 de julho de 1873 – Guarujá, 23 de julho de 1932) é o ponto de partida do livro “Toneladas sobre os ombros”, de Ernesto Cavasin Neto, pelas inovações com as quais contribuiu para a história da humanidade e muitas delas inspiradoras de práticas sustentáveis.

A casa de Santos Dumont em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, é um bom exemplo. Não tinha cozinha, pois o aviador detestava desperdício e encomendava as refeições num antigo hotel que fica ao lado da Encantada, nome que deu a sua própria casa, onde os móveis eram, já naquela época multifuncionais, a cama que serve também de baú, o balde com aquecimento para os banhos, com quantidade limitada de água, num uso consciente do recurso, a sala com mesa, em formato de asa delta, que ocupa os cantos e tudo de forma muito limpa e possibilitando a melhor ocupação do espaço.

O homem que conquistou em 1901 o Prêmio Deutsch quando com o dirigível de número 6 conseguiu contornar a Torre Eiffel em Paris provou ao mundo que os balões poderiam, mais leves que o ar atmosférico, serem pilotados e comandados pelo homem. De quebra, com a colaboração do amigo parisiense Cartier, criou o relógio de pulso, pois na época todos eram de bolso e ele precisa ter o controle horário de tudo.
Inovador, o homem que entrou para a história como pai da aviação, sempre teve um estilo de vida sustentável.


Na Encantada, tinha apenas três cabides no minúsculo guarda-roupas, sempre comprava uma roupa no lugar para onde ia e doava aquela que ficava para trás a quem precisava. Para Dumont, era exagero o homem ter várias roupas e assim, modestamente, estava sempre na moda, sempre com um terno novo substituindo o antigo. Em viagens, acreditava que bastava uma mala de mão, até para não sobrepor peso.


É esse aviador, por suas idéias avançadas para a época que costura o livro de Cavasin como prova de que, sim, é possível viver de forma sustentável. E, diga-se, viver muito bem, com conforto e qualidade de vida. (Carlos Franco)

Plurale


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