Aplicação de recursos públicos em Ciências

Data: 16/09/2011

Wanderley de Souza

Quase todos os dias ao ler os principais jornais do País tomamos conhecimento de escândalos envolvendo a utilização indevida de recursos públicos por autoridades, dos mais diferentes níveis, por organizações não governamentais e outros. Em alguns momentos, o problema está na seleção de empresas, com ausência de processo transparente de escolha. Em outras, se constata o superfaturamento. Em casos ainda mais graves, sabe-se que houve pagamento sem que nada tenha sido feito.



A análise mais aprofundada das notícias deixa claro que tem faltado controle por parte dos órgãos do governo que liberam os recursos, o que já foi constatado e tornado público pela Controladoria Geral da União (CGU). Tais fatos tem sido objeto de conversas cada vez mais frequentes pela sociedade brasileira como um todo e pela comunidade científica em particular.



A atividade científica no Brasil é praticamente mantida com recursos públicos, oriundos dos orçamentos de órgãos do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), através do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Educação, através da Fundação de Coordenação e Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da várias fundações estaduais de apoio à pesquisa (Faps). Para se conseguir apoio financeiro para um projeto de pesquisa é preciso submeter, a um destes órgãos, documentação detalhada contendo os objetivos da proposta, as metas a serem cumpridas, detalhar os métodos que serão utilizados para cumprimento das metas, etc.



Além disso, é fundamental para o exame de mérito a experiência prévia do proponente na área, exige-se ainda um orçamento detalhado, com justificativa para cada item e no caso da compra de equipamentos ou edificação, mesmo que seja uma pequena reforma, propostas apresentadas por pelo menos três empresas especializadas. Cada projeto é submetido à análise por pesquisadores atuantes na área e localizados em instituições diferentes daquela onde trabalha o solicitante. Em seguida, o projeto é ainda julgado por uma comissão de especialistas que analisa de forma colegiada cada proposta. Muitas vezes se discute algumas horas para aprovar ou negar um auxílio de R$ 20 mil (é isto mesmo, estou falando de vinte mil reais).



Na área da Ciência os zeros à direita surgem em poucos casos e após muita discussão. Quando o recurso é liberado, há sempre um pesquisador responsável por sua aplicação correta e este deve ao final do projeto apresentar relatório técnico detalhado bem como comprovação de cada cheque emitido com a nota fiscal correspondente. Este sistema vem sendo utilizado há muitos anos e lida com milhares de projetos, certamente em número superior aos processos que passam de maneira rápida e sem análise detalhada pelos vários ministérios, secretarias de Estado e diferentes órgãos de governo federal, estaduais e municipais. Nestes casos, abundam os zeros à direita, envolvendo valores muitas vezes surpreendentes.



A descrição acima de como funciona o setor científico brasileiro explica porque a comunidade científica vem, de forma crescente, se indignando com o descalabro que ocorre em áreas governamentais. É com surpresa que tomamos conhecimento dos valores envolvidos em "projetos" submetidos por uma gama enorme de instituições ou mesmo objeto de emendas parlamentares, sem que se exija, para liberação dos recursos, uma análise colegiada e criteriosa das propostas apresentadas. Muitas decisões de aprovação e liberação de recursos são feitas após uma leitura rápida do processo e por pessoas que não são especialistas na área. Cabe às autoridades efetivamente interessadas na utilização racional dos recursos públicos, analisar o processo utilizado pela área de Ciência e Tecnologia para liberação de recursos públicos e adaptá-lo para todas as demais áreas.



Wanderley de Souza é professor titular da UFRJ, diretor de Programas do Inmetro, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina.


Monitor Mercantil


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