Os enormes desafios da transmissão de energia

Data: 12/08/2011

Claudio J. Sales

A operação do sistema elétrico é dinâmica e complexa. O setor requer coordenação de ações em tempo real entre dezenas de empresas e centenas de usinas para assegurar que a energia chegue com a qualidade adequada a cada ponto de consumo do país. Para que isso aconteça, é necessário planejar a expansão do sistema com bastante antecedência. Significativos avanços foram obtidos nas últimas décadas no marco legal e regulatório do setor, mas ainda há problemas de caráter institucional, dentre os quais se destaca o planejamento e implantação da expansão da transmissão de energia.



Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), 55% das linhas de transmissão em construção estavam atrasadas ao final do primeiro trimestre deste ano. E o atraso não é pequeno: em média os empreendimentos estão 311 dias - mais de dez meses - atrás do cronograma original.



A usina hidrelétrica de Dardanelos, por exemplo, poderia ter iniciado a oferta de sua energia em junho de 2010, mas isso não foi possível porque a linha que a conectaria ao sistema interligado nacional - cuja conclusão estava prevista para aquele mesmo mês - só foi finalizada em junho de 2011.



Problema semelhante acontecerá com as hidrelétricas do rio Madeira, as usinas de Santo Antônio e Jirau. O projeto prevê duas linhas com 2.375 quilômetros de extensão para escoar a energia de Porto Velho (RO) a Araraquara (SP). Ambas as linhas estão atrasadas e até maio de 2011 não haviam obtido a Licença de Instalação necessária para o início das obras. A primeira linha deveria entrar em operação em fevereiro de 2012 mas, com os atrasos, isso provavelmente não ocorrerá antes de setembro de 2012. Os empreendedores das duas usinas pretendiam antecipar o início de suas operações para o primeiro semestre de 2012. Não poderão fazê-lo se as linhas de transmissão, sob responsabilidade de outras empresas, não estiverem prontas.



O prejuízo é triplo. Perdem os consumidores atuais, forçados a pagar em suas contas de luz a energia de usinas mais caras que poderiam ser substituídas por usinas mais baratas. Perdem os empreendedores atuais, que não conseguem transmitir a energia de suas usinas já prontas. E perdem os empreendedores e consumidores do futuro, pois as novas usinas e linhas de transmissão que serão leiloadas incorporarão riscos maiores com base nesse histórico de atrasos. Enfim, perde o País.



Atualmente o licenciamento ambiental é considerado um dos maiores entraves na implantação das linhas de transmissão. Apesar do impacto ambiental das linhas ser relativamente baixo, a análise requerida para a obtenção do licenciamento ambiental é muito complexa por envolver longos trajetos que frequentemente atravessam diversos biomas em várias jurisdições.



Além disso, os empreendimentos de transmissão são licitados com cronogramas apertadíssimos que não comportam atrasos ou contingências. As linhas de transmissão têm sido licitadas com prazo de 18 a 24 meses para entrar em operação, prazo incompatível com o tempo médio para obtenção da Licença Prévia. Segundo levantamento da Abdib/Abrate, o tempo médio para obtenção da Licença Prévia tem sido de 17 meses, sobrando apenas um a sete meses para execução das obras, o que não é razoável nem realista.



Há outros exemplos da falta de realismo. No ano passado chegou-se a realizar leilões de energia com data de entrada de operação de usinas anterior à da data de conclusão das linhas de transmissão que transportam a energia aos centros de consumo. Trata-se do Leilão no 007/2010 de Fontes Alternativas, cuja data de início do suprimento de energia era 1º de janeiro de 2013, mas que estabelecia a data de entrada de operação das linhas de transmissão somente para 1º de setembro de 2013. Isso implica que o empreendedor de geração terá que adquirir energia no mercado pelos primeiros nove meses a fim de honrar seus contratos, enquanto sua usina permanece ociosa. Neste caso, o planejamento governamental colocou o carro na frente dos bois...



Para diminuir os atrasos, em fevereiro deste ano o Governo anunciou que simplificaria o processo de licenciamento de linhas de transmissão por meio de um decreto, mas desde então não se tocou mais no assunto. A agilização do licenciamento dos empreendimentos de transmissão já é estudada por um Grupo de Trabalho no Ministério do Meio Ambiente desde março de 2010. A ideia seria eliminar exigências desnecessárias por meio de Termos de Referência Padrão, específicos para linhas de transmissão. Uma ideia boa e que merece celeridade do governo na sua implantação.



Outra forma de mitigar o problema seria obter a Licença Prévia antes de licitar as linhas de transmissão, o que já é uma das atribuições da Empresa de Pesquisa Energética definidas na lei que a criou (artigo 4º da Lei 10.847/2004). Sabe-se que o licenciamento ambiental frequentemente se defronta com dificuldades que requerem tempo adicional de análise. Nesse sentido, a obtenção da Licença Prévia antes da licitação permitiria alongar e flexibilizar os prazos sem comprometer o planejamento do sistema, reduzindo os riscos para o resto do sistema. Acrescente-se à obtenção da Licença Prévia o estabelecimento de condicionantes ambientais mais previsíveis.



A atual ineficiência e falta de atribuição de responsabilidade por tamanhos danos indicam que há um enorme desafio de gestão. Um desafio que, pela sua relevância, deveria ser alvo da atenção do recém-instalado Conselho de Gestão da Presidência da República. É preciso definir com clareza quem são, em última instância, os responsáveis pela gestão integrada desse processo.



E também é preciso sanar as questões estruturais. O planejamento das linhas de transmissão precisa ser antecipado. Isso abriria caminho e tempo para que sejam viabilizadas as licenças prévias ambientais antes dos leilões de novos empreendimentos de transmissão. Também é preciso racionalizar o processo de licenciamento ambiental, adotando Termos de Referência Padrão que delimitem claramente os requisitos para obtenção das licenças, tornando o processo mais ágil e previsível. Todos ganharão com isso: governo, empresas e consumidores.



Claudio J. D. Sales, engenheiro, é presidente do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br).


Valor Econômico


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