Ciência combina com transparência

Data: 09/08/2011

Miguel Nicolelis,

No campeonato mundial de Ciência & Tecnologia, o Brasil está muito próximo de marcar um gol olímpico e subir de posição no quadro de medalhas dos países de maior exponencial em pesquisa científica e produção de conhecimento de ponta no mundo. Como um dos melhores exemplos desse salto qualitativo na vida acadêmica e científica brasileira, o Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS) tem dado sua contribuição ímpar e mostrado ao Brasil e ao mundo sua capacidade de produzir e disseminar conhecimento. Não somente pela via da produção científica em si, mas pelo esforço que vem sendo desenvolvido em vários níveis para transformar o IINN-ELS em um centro de referência mundial de pesquisa biomédica, de educação científica infanto-juvenil para as novas gerações e também como paradigma de desenvolvimento socioeconômico em regiões ainda carentes no Brasil.



Motivada pelo sonho de fazer da ciência um agente de transformação social e educacional e na certeza de que a produção científica de alto nível deve ser disseminada por todo o País, a Associação Alberto Santos Dumont Para Apoio à Pesquisa (AASDAP) decidiu estabelecer em 2004 o projeto do IINN-ELS em Natal e Macaíba, no Rio Grande do Norte, com um propósito inovador. A ideia era criar novos centros de irradiação de inteligência fora do eixo tradicional de produção científica do país composto por São Paulo, Rio e Minas. A intencionalidade dessa decisão visava, sobretudo, contribuir também com o urgente processo de redução das desigualdades sociais e econômicas entre o Nordeste brasileiro e o Sul do País.



É neste sentido mais amplo de inclusão científica e social que a AASDAP, como entidade gestora sem fins lucrativos de todo o projeto, quer e precisa que o IINN-ELS funcione como um polo atrativo de investimentos públicos e privados. No horizonte, a meta é transformar Natal e sua região metropolitana na "Cidade Brasileira do Cérebro", um projeto ambicioso no qual a instalação do Campus do Cérebro de Macaíba, atualmente em construção, terá papel fundamental. Nele, o desenvolvimento de pesquisas em neurociência, hoje o principal segmento da indústria da biotecnologia no mundo, poderá participar em condições de igualdade com os principais centros tradicionais e emergentes internacionais, como EUA, Europa e Japão. Na condição de administradora de recursos públicos e privados destinados a patrocinar pesquisas científicas e projetos sociais no Brasil, a ASDAAP quer continuar atraindo investidores nacionais e externos para Natal, Macaíba e outras localidades do Brasil.



Essa ação é fundamental porque o sucesso do IINN-ELS é também vital para o lançamento de futuros projetos similares da AASDAP em outras cidades do Norte e Nordeste brasileiro e em outras regiões do País.



Hoje, a importância estratégica da AASDAP pode ser avaliada por suas fontes de financiamento. Atualmente 1/3 dos recursos que a AASDAP obtém para seus projetos do Rio Grande do Norte são provenientes de convênios e termos de parceria, apoiados no compromisso constante e crescente dos Ministérios da Ciência e Tecnologia, Saúde e Educação. Como prova da excelência do trabalho desenvolvido pela AASDAP, ela também recebe verbas concedidas pela Agência Financiadora de Projetos (FINEP) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ambas conduzidas sob as auditorias periódicas de metas acordadas e práticas contábeis.



Na composição dessas verbas públicas também se inclui a Prefeitura de Macaíba e a Fundação de Apoio à Pesquisa do RN (FAPERN). Mas é na captação de recursos privados para o incentivo à pesquisa científica, educação científica infanto-juvenil e prestação de serviços de saúde materno-infantil no RN, que a AASDAP mostrou seu maior poder inovador, pois 2/3 de sua captação de recursos até hoje, advêm de fontes de financiamento privadas nacionais e estrangeiras. Em outras palavras, isso quer dizer que para cada real público recebido pela AASDAP, 2 reais foram captados de fontes privadas. O projeto do Campus do Cérebro de Macaíba, originalmente idealizado e promovido pela AASDAP é apoiado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com a qual a AASDAP mantém parceria duradoura e estratégica há quase 8 anos.



Nas duas últimas semanas, contudo, a imagem institucional do IINN-ELS e da AASDAP perante a sociedade brasileira, acabou sendo alvo de críticas nos relatos da mídia em torno da propalada cisão de um núcleo de cientistas da UFRN. Informações desencontradas e sem consistência acabaram disseminando um falso ambiente de incertezas quanto à continuidade das atividades do instituto, bem como quanto ao futuro de sua parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).



Dentro do mais alto espírito científico e social que sempre norteou as atividades do IINN-ELS e em nome da transparência de gestão da AASDAP tornou-se importante esclarecer todos os pontos mais sensíveis tratados pela mídia brasileira.



1- Cisão. Em primeiro lugar, é importante revelar à opinião pública que a interrupção de uma colaboração científica por pesquisadores é fato corriqueiro na ciência em qualquer lugar do mundo. No caso específico do IINN-ELS, ela vem ainda agregada ao fato de o término dessa colaboração já estar previsto e de não representar nenhum prejuízo na continuidade das pesquisas de neurociência desenvolvidas internamente, pela equipe própria de pesquisadores contratados pela AASDAP. Como essa colaboração estava para ser encerrada em setembro, a AASDAP já havia, inclusive, deslanchado o processo de recrutamento de novos cientistas pelo Brasil e outras praças internacionais. Resultados deste processo de recrutamento serão anunciados ao público em breve.



2- Parceria com UFRN - A criação de outro instituto de pesquisa neurocientífica vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte também não afeta em nenhuma maneira a parceria de longa data entre a AASDAP e a UFRN. A própria Reitoria já ratificou plano de, em momento oportuno, anunciar a ampliação dessa parceria que já acumula oito anos de experiência.



3- Gestão compartilhada de recursos públicos e privados - Quanto às críticas de um eventual conflito de interesse pelo fato de o IINN-ELS contar com verbas do Estado e ser gerido como entidade privada, a AASDAP reitera a total lisura e transparência das operações. O Departamento Jurídico da AASDAP, na condição de Oscip sem fins lucrativos, confirma a base legal em todos os sentidos de um centro de pesquisas de capital privado que receba apoio do setor público sem que, para isso, tenha de ser gerido por órgãos governamentais. O modelo de gestão das parcerias público-privadas, inclusive, vem recebendo amplo incentivo das autoridades governamentais por representar uma maneira de otimizar recursos e maximizar as verbas públicas para setores de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D).



Ressalto que a AASDAP passa por auditoria anual interna e externa e realiza sua prestação de contas atendendo às exigências da lei brasileira.



4- Acesso aos equipamentos - Ponto crítico na polêmica veiculada pela mídia, o acesso e a transferência de equipamentos do IINN-ELS para o novo centro de pesquisa da UFRN também foi mal interpretada. Uma semana antes do desenlace, o IINN-ELS já havia acertado a transferência de 16 tipos de equipamentos para o campus da universidade. O valor envolvido, contudo, é de R$ 232,48 mil, e não os R$ 6 milhões como alguns jornais chegaram a publicar.



Todos os equipamentos que permanecem no IINN-ELS estão contabilizados e patrimoniados, com indicação da propriedade. Todos esses equipamentos foram comprados para viabilização, implantação e operação do IINN-ELS e estão sob a responsabilidade da AASDAP. É importante frisar que o IINN-ELS sente-se satisfeito e honrado em colaborar com o início de atividades do novo instituto de pesquisas da UFRN.



5- Modelo de gestão - Denúncias infundadas de cerceamento à liberdade de pesquisa e opinião, restrições indevidas ao uso de equipamentos e mesmo de acesso aos laboratórios acabaram sendo rotuladas como gestão autoritária da chefia do IINN-ELS. Reforço que os pesquisadores sempre tiveram liberdade total para selecionar e propor seus próprios campos de estudo.



Vale ressaltar que os R$ 42 milhões levantados para as obras do Campus do Cérebro e mais os R$ 6 milhões destinados ao 'enxoval' dos 12 pesquisadores aprovados no concurso da UFRN - destinando verba de R$ 500 mil para cada um - foram pleiteados e conseguidos pela parceria AASDAP/UFRN junto ao MEC. Esses recursos estão sendo transferidos do MEC diretamente para a UFRN.



Aqui, certamente, cabe também a observação de que ciência rima com transparência, mas também com disciplina. Não há possibilidade de se chegar a resultados empíricos da prática científica em ambiente de informalidade, que não siga normas e procedimentos condizentes com um projeto com as dimensões do IINN-ELS. Além do que há casos em que é necessário preservar o sigilo de dados até que a pesquisa chegue ao momento certo de divulgação.



Liberdade de pesquisa também combina com disciplina operacional. O IINN-ELS trabalhou ao longo dos últimos 18 meses com uma lista de 95 pessoas ligadas ao grupo de pesquisadores da UFRN que poderiam ter acesso completo às instalações. Dos demais visitantes esperava-se um registro prévio e cadastro como acontece em qualquer instituição no mundo.



6- Continuidade - Todos os funcionários da AASDAP continuam trabalhando normalmente. Nada mudou. Também os alunos de pós-graduação na parceria com a URFN têm assegurados todos os projetos de pesquisa, assim como as teses e experimentos.



Presentemente, a AASDAP emprega mais de 100 pessoas, entre médicos, professores, cientistas, técnicos, administradores e demais funcionários. O ambiente é de alto profissionalismo e nele prevalece o entusiástico compartilhamento de todos pelas metas e missão da associação.


Miguel Nicolelis é neurocientista, artigo enviado pela Associação Alberto Santos Dumont para Apoio à Pesquisa (AASDAP) para o JCEmail



Jornal da Ciência


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