Conferência Ethos 2011/ Entrevista com Sonia Favaretto, da BM&FBovespa, e Carlos Lessa Brandão, do IBGC

Data: 08/08/2011
Sonia Favaretto, da BM&FBovespa e Carlos Lessa Brandão, do IBGC, falam das expectativas de suas organizações em relação à agenda para uma nova economia.

A seguir, as entrevistas concedidas por Sonia Favaretto, diretora de sustentabilidade da BM&FBovespa, e Carlos Lessa Brandão, conselheiro do IBGC.

Notícias da Semana: De que maneira a Bovespa e as empresas podem atuar junto à sociedade para acelerar a caminhada do país em direção a esse novo modelo econômico?

Sonia Favaretto: Há várias formas de fazer isso, tendo em vista que a Bolsa de Valores de São Paulo é um centro de transparência, de formação de preço, de liquidez – um agente regulador do mercado. A criação de instrumentos econômicos como o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) e o Índice Carbono Eficiente (ICO2), que pondera a emissão gases de efeito estufa pelas empresas, é um sinal importante da relevância desse novo modelo econômico. É nossa missão entender o que é ou o que será relevante para o futuro das empresas e não temos dúvida de que a economia verde está caminhando, é um mundo novo batendo à porta e estamos buscando atuar de maneira que as empresas continuem a ser pontas-de-lança também nesse cenário. Recentemente o ISE agregou a dimensão das mudanças climáticas entre os critérios de admissão das empresas em sua carteira. Nossos índices passam por constantes adaptações e inovações, o que lança luz sobre esse novo modelo econômico, puxando o mercado para esse aperfeiçoamento. Quando uma empresa migra para o ISE, por exemplo, suas ações se valorizam. Além de estar ao lado das demandas dos investidores, a Bolsa, como centro do mercado de capitais, tem essa missão de fomento, de ser um espaço de indução do crescimento das empresas e de desenvolvimento do Brasil. Nosso papel é mostrar as iniciativas privadas que se tornam benchmark mundiais. O investidor estrangeiro vai investir em empresas brasileiras porque, se elas estão listadas na Bolsa, seu nível de governança é altíssimo.

Carlos Lessa Brandão: A transição para uma economia verde, inclusiva e responsável é uma tarefa complexa, cujo entendimento e coordenação não são triviais. Do ponto de vista das empresas, buscar um ambiente competitivo saudável é um desafio fundamental, pois essa transição pode sinalizar perdas de competitividade, que podem ser evitadas ou minimizadas por meio de iniciativas de autorregulação (voluntárias, setoriais) e regulatórias (mandatórias, legais).

NS: Que tipo de mudanças o país precisa implementar para que essa nova economia seja de fato inclusiva, calcada na quebra de paradigmas (como o do incentivo ao consumo) extremamente arraigados no atual modo de fazer negócios?
SF: Essa mudança não é simples, porque envolve valores. Por outro lado, quando o mundo muda, mudam os padrões de comportamento, o jeito de educar os filhos, tudo. Existem mecanismos que conseguem forçar um pouco mais essa mudança, como a pressão exercida pela sociedade civil organizada. Pode parecer ingênuo, mas, se olharmos o que o Greenpeace conseguiu, foi bastante: acabar com a farra do boi, fazendo com que hoje a gente saiba a origem da carne que consumimos, e também o pacto da soja, contra a desmatamento da Amazônia. Se cada ator da sociedade exercer o papel que lhe cabe, as coisas caminham. O governo regula, dá incentivos; a iniciativa privada investe e se articula com o poder público; a sociedade civil pressiona; a mídia informa, questiona. Digo sempre que percebemos a importância de novos sistemas por três caminhos: o do amor, o da dor e o da inteligência. No caso das empresas, o caminho do amor é aquele trilhado por um CEO visionário, como um Fábio Barbosa, que acredita na economia verde, entende a importância do carbono, tem convicção naquilo que faz e sai na frente, porque impõe as mudanças de cima para baixo, de maneira integrada. No caminho pela dor, a empresa vai adotar o novo modelo porque perdeu dinheiro, valor de mercado (caso do mercado segurador, em que as empresas negligenciaram a adoção de certas medidas), e precisa tomar providências para se recuperar. As empresas inteligentes entenderam que esse novo modelo é um diferencial competitivo, como a Coca-Cola ao resolver cuidar da questão da água – recurso que ela consome demais –, porque percebeu que essa é a bola da vez. Chega uma hora em que a situação se torna insustentável e a própria sociedade civil vai condenar certos comportamentos hoje naturais, como ter cinco carros. Claro que essas contingências são culturais e as mudanças avançam de acordo com as realidades de cada país. Na questão do uso de sacos plásticos, por exemplo, a Europa está mais avançada. No Brasil, a sacolinha tem valor econômico, porque a dona de casa a reutiliza em suas lixeiras. Mas hoje fica feio sair do supermercado carregado de saquinhos. Então você vê que, por conta da pressão da sociedade civil organizada, a coisa caminhou. Não mudou o cenário, mas mudou meu entendimento.

CLB: Um agente fundamental nessa transição é o governo, nas suas diversas esferas. O Brasil conta com uma presença significativa, e cada vez maior, do governo na economia. Portanto, iniciativas envolvendo compras governamentais, investimentos, financiamentos e subsídios alinhados com a economia verde, inclusiva e responsável poderiam gerar um impacto sistêmico extremamente importante.

NS: É possível desacelerar o consumo? Como as empresas vêm se preparando para esse cenário?
SF: Acho que é possível, sim, e temos exemplos de que isso vem ocorrendo. Hoje não é feio fazer um bazar de roupas usadas, comprar uma roupa usada, o que demonstra que o padrão de consumo já mudou. Há sites de compras coletivas, outros em que você troca locais para passar as férias, as redes sociais incentivam a reutilização de produtos e materiais… Hoje a lógica é outra. Claro que as mudanças não estão no ritmo que precisamos, mas não tenho dúvida de que a sociedade está ficando mais simples e que a crise financeira colocou em xeque o padrão de consumo norte-americano.

CLB: Enquanto as classes menos favorecidas continuarem precisando aumentar seu consumo básico, o consumismo (consumo excessivo, supérfluo) poderia ser desestimulado por meio das iniciativas de regulação e autorregulação já mencionadas. Uma economia verde, inclusiva e responsável passa por empresas que considerem fundamental atuar com transparência, equidade, prestação de contas e com responsabilidade corporativa, ou seja, considerando aspectos sociais e ambientais nas definições dos negócios e nas operações. Esses aspectos estão na base das boas práticas de governança corporativa preconizadas pelo IBGC, que vem estimulando e apoiando debates nesse sentido e gerando documentos e treinamento para empresários, conselheiros e executivos.

NS: Cooperação é a palavra de ordem da nova sociedade que buscamos. Qual o papel dos empresários no esclarecimento da sociedade sobre a necessidade de romper paradigmas (de consumo, de métricas para avaliar a economia, de crescimento/desenvolvimento)?
SF: O interessante hoje é que você pode cooperar com o seu competidor, seu concorrente – e está aí nos jornais a fusão Pão de Açúcar-Carrefour para comprovar isso. Essa mudança de patamar que buscamos não se faz sozinho, demanda inteligência coletiva. Já exercitamos a cooperação nos fóruns multidisciplinares e multissetoriais; o terceiro setor trabalha muito nesse propósito de juntar as competências. Cooperação é a soma de competências, cada um fazendo o seu papel, atuando em rede. Nesse ponto, a construção coletiva da Conferência Ethos é bacana. Dá mais trabalho, traz conflito e não é simples, porque democracia não é simples. Claro que fazer sozinho é mais rápido, no entanto, a construção coletiva é sempre mais rica. Dá trabalho porque implica idas e vindas, parece que não está sendo frutífero, mas você sempre sai melhor do que entrou. Você pode até não gostar, mas não pode reclamar de não ter tido a oportunidade de participar. Esse processo que o Instituto Ethos está promovendo é o máximo, uma inovação. Por isso essa conferência tende a ser a melhor de todos os tempos. Eu estou na maior expectativa.

CLB: Para que possam atuar como agentes de mudança nas suas empresas e setores de atuação, os empresários e demais profissionais ligados à atividade empresarial também precisam ser conscientizados e informados sobre os desafios da economia verde, inclusiva e responsável e dos riscos de não entender essa transição.

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