Como construir pontes entre sistemas antiquados e outros mais sustentáveis

Data: 03/08/2011

Henrique Andrade Camargo**, especial para o SESI

André Coimbra Felix Cardoso*, pesquisador na área de Gestão Estratégica Socioambiental, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e coordenador pedagógico do curso de pós-graduação em Responsabilidade Socioambiental para a Sustentabilidade da Fundação Instituto de Administração (FIA), acredita que a crise socioambiental que o mundo enfrenta hoje não foi causada simplesmente pelo sistema capitalista, como muito se apregoa. Para ele, a consequência vem do industrialismo, que independe de estar inserido em uma política econômica liberal ou marxista. Para o especialista, essa escolha econômica que considera a indústria o fim principal da sociedade – seja controlado pelos investidores ou centralizado no Estado – impacta diretamente no modo como os bens de consumo são produzidos, o que, por sua vez, compromete diretamente o equilíbrio natural do planeta.

Nesta entrevista, o pesquisador aponta caminhos para que empresas tracem estratégias de negócios que aproveitem as oportunidades de ganhos socioambientais e financeiros, mesmo diante de um cenário aparentemente instável. Para ele, grande defensor dos métodos criados pelo The Natural Step – organização criada na Suécia, que vê as empresas, a economia e a sociedade contidas em um sistema muito maior: a ecosfera -, o tamanho do problema é igual ao tamanho da oportunidade.

SESI – Você é membro do Programa de Gestão Estratégica Socioambiental (Progesa) da Fundação Instituto de Administração (FIA); e também trabalhou como pesquisador-colaborador no programa Globalização e Internacionalização de Empresas Brasileiras (Ginebra) da FAPESP, na área de gestão socioambiental das empresas transnacionais, sem contar a pesquisa que vem desenvolvendo em Gestão Estratégica Socioambiental. Qual a importância desse segmento para você?

André Coimbra Felix Cardoso – Sempre fui interessado em questões de ética nos negócios e responsabilidade social e ambiental das empresas. Apesar de reconhecer muitas coisas positivas no modelo capitalista clássico e neoclássico, principalmente pelas contribuições de Adam Smith, também reconheço que esse sistema tem falhas e efeitos colaterais. E isso pode ser visto hoje na sociedade, na exclusão social, no abismo social entre ricos e pobres, e nas externalidades negativas, como a destruição do patrimônio natural da Terra e dos serviços ambientais. Por perceber essa crise planetária cada vez mais forte, acabei me interessando primeiramente em entender essa complexidade toda, tendo em vista as redes de empresas diante dessa problemática socioambiental, uma vez que isso nunca havia sido a preocupação delas. Percebi que, infelizmente, nossa visão de mundo está equivocada, de que as organizações, os seres humanos e a economia são o centro e o meio ambiente é uma dimensão à parte. Na verdade, estamos dentro da ecosfera, e nós é que dependemos dela. Portanto, devemos cuidar dessa base para que possamos sobreviver.

SESI – Você citou Adam Smith, o pai do liberalismo. Em contraponto a esse pensamento econômico, existe uma linha de ambientalistas que está sendo taxada como a nova esquerda política. Um dos pontos defendidos por esse grupo é de que o modelo imposto pelo capitalismo não funciona. O que você acha disso?

ACFC – Na verdade, o movimento ambientalista é muito complexo. Existem diversas facções dentro dele mesmo. Com relação ao que é sustentabilidade, existem muitas apropriações ideológicas. Então, há o movimento radical ambientalista e existe o do caminho do meio, também conhecido como movimento renovador. Acho que é muito simplismo tachar o movimento ambientalista radical como uma oposição de esquerda. A questão é muito mais complexa. Independentemente da opinião ideológica bipolar de esquerda ou direita, existem pessoas que veem realmente essa questão como algo humano e natural. Os ambientalistas mais críticos e realistas não são aqueles que adotam um modelo marxista em oposição ao capitalista, mas sim aqueles que dizem que o marxismo e o capitalismo são dois lados da mesma moeda, chamada industrialismo. Quer dizer, a grande crítica dos ambientalistas e dos radicais é sobre o nosso modelo produtivo industrialista. E aí é que está o ponto. Independente de ser de esquerda ou direita, a gente tem que atuar e trabalhar para que esse modelo seja modificado. Na verdade, o movimento ambientalista renovado está querendo trazer contribuições e mudanças. Ele toma certos cuidados em não se tornar radical no sentido de fazer a crítica pela crítica sem apresentar soluções e caminhos. Ele procura sim construir um caminho teórico e prático, em que a sociedade e as empresas possam ser conduzidas a um modelo de sociedade sustentável. E aí é que entra a ideia de desenvolvimento sustentável. Quem foi o grupo que deu a resposta mais objetiva e clara sobre a problemática socioambiental como sua preocupação principal? Foram os ambientalistas, que se preocuparam com a economia ecológica e a ecologia industrial, e não só com a ecoeficiência e com as externalidades, mas com a remodelação de todo o sistema industrial produtivo para um modelo harmonizado com a natureza.

Os ambientalistas não são contra Adam Smith, mas contra alguns pressupostos da economia clássica e neoclássica. Assim como os marxistas também são contra alguns desses pressupostos. Mas se os marxistas são contra os adamsthianos e, muitas vezes, esses dois se digladiam em diálogo de surdos, os ambientalistas realistas, como é o caso de Georgescu-Roegan, que foi um grande bioeconomista, criticam na verdade o modelo industrialista. Por mais que o marxismo critique o capitalismo, ele permanece dentro do industrialismo, só que regido pelo Estado, e não pelas empresas. Então a crítica ambientalista não é se estamos em um Estado centralmente estruturado ou descentralizado do ponto de vista de mercado. Mas se a gente consegue sair desse modelo ou não.

SESI – Giovanni Barontini, representante do projeto Carbon Disclosure Project no Brasil, relatório que apresenta as emissões de gases do efeito estufa de grandes empresas instaladas no país, diz que o nó da sustentabilidade é o crescimento do consumo. Tem relação com o que você está falando?

ACFC – Sim. Não adianta nada nós sofisticarmos nossos sistemas produtivos mais alinhados com as leis e modelos da natureza se, por outro lado, não mudarmos nossa concepção de sociedade e de valor. Por isso que a sustentabilidade deve ser, antes de mais nada, um valor. Não pode ser somente uma utopia ou visão de mundo que orienta as ações empresariais. Precisa ser um valor compartilhado pela sociedade, uma ética. Porque se de um lado diminuímos os impactos negativos da produção e, do outro, aumentamos o consumo, relativamente talvez estejamos piorando a situação. Uma sociedade sustentável passa pela produção e pelo consumo. Reduzir consumo significa questionar esse modelo social em que as pessoas são valorizadas pelo que elas têm, pelo quanto elas têm, e não pelo que elas são. Esse modelo em que o desenvolvimento é sinônimo de crescimento orientado pela produção em larga escala e estímulo do consumo é muito questionado dentro do ambientalismo.

SESI – Talvez por isso chamem os ambientalistas de esquerda.

ACFC – Mas os ambientalistas, na verdade, não estão preocupados em ser de direita ou de esquerda. Conheço ambientalistas radicais que são tanto de direita quanto de esquerda. Não é esse o ponto deles. O ponto é que precisamos mudar o sistema, não para que seja operado de forma centralizada ou descentralizada, mas para que ele esteja de acordo com as leis da vida. Sustentabilidade não é nada mais nada menos do que respeitar a vida em todas as suas manifestações e formas. Os nossos sistemas produtivos são totalmente opostos a isso. Falam que o capitalismo e o marxismo são dois paradigmas diferentes. Mas existe ainda uma outra visão paradigmática fora dessa, de que na verdade esses dois paradigmas opostos são parte de um mesmo paradigma, chamado paradigma social-dominante. Eles estão na verdade criticando a questão de forma reducionista. O que está em jogo aqui é uma sociedade totalmente estruturada em um modelo antropocêntrico, onde o homem é o centro do universo. É esse modelo que precisa ser modificado.

SESI – No livro “A emergência socioambiental”, o professor José Eli da Veiga faz no começo da obra uma espécie de brincadeira com a palavra socioambiental. Ele diz que algumas pessoas escrevem enganadamente a palavra separada por hífen, ficando sócio-ambiental, e conclui que não se deve separar a sociedade das questões ambientais. Como você vê isso?

ACFC – Ele está correto. O social deve andar junto com o ambiental, portanto socioambiental não deve ser escrito separadamente.

SESI – Até mesmo por questões gramaticais…

ACFC – Mas do ponto de vista da sustentabilidade também não. Simplesmente porque a sociedade é um subsistema do macroambiente, da biosfera. Essas são esferas aninhadas entre si. E o ser humano depende do ecossistema. Então, se a sociedade não se contiver em sua cultura, em seus hábitos de consumo e no seu processo produtivo, que é crescente em escalas cada vez maiores, fracassaremos todos. Tanto o modelo socialista quanto o modelo capitalista fracassaram. Todos esses modos de vida dependem da biosfera. Sem dúvida essas duas coisas devem estar interconectadas. Um ponto a se ressaltar é que não é possível chegar a uma redução do consumo e também dos impactos ambientais sem que haja, mesmo que minimamente, um grau de inclusão social de grupos que hoje não desfrutam dos benefícios desse sistema. A própria ignorância das pessoas é um fator impeditivo da sustentabilidade. Por outro lado, são as pessoas que modificam e intervêm na realidade do dia a dia. Infelizmente, os padrões de consumo que aspiramos são os dos norte-americanos. Se não for feita uma conscientização na dimensão social e se não satisfizer em algum grau as necessidades legítimas dessa população, que adianta falar em preservação do meio ambiente? Nada. Eles precisam comer hoje. O cara que derruba uma árvore na Amazônia hoje, apesar de comprometer sua atividade futura, faz isso porque senão ele fica uma semana sem comida. É uma questão muito complexa que envolve o curto e o longo prazo.

SESI – Nesse cenário, quem é que deve ter mais responsabilidade: o governo, a empresa ou os consumidores?

ACFC – A responsabilidade maior deve ser daquelas pessoas com mais consciência sobre a questão. Aqueles com mais consciência são naturalmente eleitos para orientar as massas. Essas pessoas não podem se conter somente em si mesmas. Precisam fazer do seu propósito de vida a possibilidade, a tarefa e a missão de difundir e socializar essas informações, esses conhecimentos com a massa. Se essas pessoas trabalham primeiramente em si mesmas, com o objetivo de modificar os seus modelos mentais, e depois conseguem trabalhar com aqueles que estão ao seu redor, certamente estarão prestando um grande serviço. Talvez esse agente que está sendo influenciado possa se tornar um governante, alguém com mais poder do ponto de vista físico, político e institucional e, assim, ser mais um agente de mudanças.

Agora, quem é o maior responsável pelas coisas estarem como estão? Por um lado, poderíamos dizer que é o governo, que não implementa as regras institucionais e nem fiscaliza a obediência às leis. Não faz valer que os direitos tanto sociais quanto ambientais difusos sejam respeitados. Nesse sentido eles fracassam. Por outro lado, o consumidor, o cidadão e as empresas não podem se abster dessa tarefa. As empresas também são muito responsáveis, porque o sistema produtivo que está aí é que causa isso. E o cidadão, de certa forma, premia essas empresas, estimulando a continuidade do sistema. Viramos prisioneiros de um sistema que nós mesmos criamos. Onde é que se aperta o botão para esse negócio desligar? Na mentalidade de todos. Por isso, é difícil dizer que isso tem que vir primeiro do que aquilo, que é o governo, depois a empresa e depois o consumidor. Todos aqueles que são conscientes da sua tarefa, onde quer que estejam, precisam trabalhar no sentido de obter cooperação global. Independente de terem poder do ponto de vista institucional ou não. Simplesmente pelo fato de terem a informação e conhecimento, precisam ser capazes de orientar as massas.

É muito difícil fazer isso. Requer uma habilidade de comunicação sutil para fazer com que as pessoas saiam de suas bolhas mentais, do paradigma em que vivem. E isso é uma coisa muito rara.

SESI – Baseado nessa sua resposta, gostaria de levar a conversa para o meio organizacional. O fator financeiro é realmente o grande entrave para gerar mudanças nas organizações, como discursa parte do empresariado?

ACFC – Não. O fator impeditivo não é financeiro. Existem possibilidades de mobilizar recursos e estruturá-los para que se tenha um desempenho razoável no longo prazo. O principal fator impeditivo, na verdade, é a ignorância das pessoas e a lógica do autointeresse. Entretanto, isso não é verdade, porque existem efeitos colaterais, externalidades, que afetam a terceiros, e, portanto, as pessoas e as empresas precisam incorporar não somente os proprietários e acionistas quando pretendem gerar riqueza. Precisam incorporar os stakeholders. Não há mais desculpa para que se continue sustentando esse modelo. Até porque já está sendo mostrado que o desempenho dessas companhias cai. Um dos maiores pensadores no campo da teoria de agências e finanças, o teórico Jensen, afirma que não há outra saída. As empresas têm que considerar sim os stakeholders em suas tomadas de decisões estratégicas para que isso gere uma riqueza no longo prazo. Por muito que neguem e não queiram fazer isso, as empresas estão se vendo obrigadas a seguir esse caminho. Os mercados e as empresas estão imersos ou embebidos em praças sociais. Portanto, os movimentos sociais hoje influenciam muito as empresas. Até porque elas se reconhecem hoje pelos olhos dos movimentos sociais. Se de algum modo a empresa não considera essa questão, ela passa a ser pressionada pela mídia, pelos grupos de interesse, pelos ambientalistas. Aí existe uma coisa chamada reputação, que as organizações querem zelar e preservar. E isso leva com que elas se preocupem sim com as opiniões alheias a seu respeito. Então, sustentabilidade também é uma gestão de risco de imagem e reputação da empresa. E isso tem efeito imediato sobre as ações da companhia. Basta ver o caso da BP, que teve o preço de seus papéis despencados depois do acidente no Golfo do México.

SESI – Uma das teorias mais populares de desenvolvimento sustentável é a do inglês John Elkington, que fala do Triple Bottom Line. Mas sei que você não gosta muito dessa ideia. Por que?

ACFC – Eu já fui um entusiasmado com o Triple Bottom Line. Já faz alguns anos que leciono esse assunto. No começo, eu tinha uma visão muito superficial do que é sustentabilidade e do que era desenvolvimento sustentável. Então me satisfazia o modelo apresentado por John Elkington. Mas na medida em que fui me aprofundando no assunto e me conscientizando cada vez mais do colossal problema que temos pela frente, acabei mudando de ideia. Fui me dando conta de que meu despreparo filosófico e científico, no sentido de entender o que é a realidade, fez com que eu estivesse na verdade reproduzindo um modelo antiquado. Na minha opinião, hoje, depois de refletir muito, o modelo do Triple Bottom Line presta mais um desserviço à causa da sustentabilidade, ou seja, à preservação da nossa base natural e dos serviços ecossistêmicos, do que propriamente um benefício.

Existem contradições inerentes a esse modelo. Ele coloca em três pés dimensões que na verdade não se justapõem dessa forma. É muito importante que esteja bem explicitado para todos que o crescimento econômico da forma como vem sendo feito hoje, necessariamente, causa um decréscimo na dimensão ambiental. Não existe crescimento econômico sem um desgaste do patrimônio ambiental, que hoje é um recurso escasso. Se olhássemos há 150 anos, esse não seria o problema, porque o mundo ainda estava vazio de empresas e o recurso natural era abundante.

Estamos cheios de empresas e pessoas; e o patrimônio ambiental cada vez mais em desequilíbrio e escasso. Então o Triple Bottom Line não comporta as contradições inerentes à questão do desenvolvimento sustentável, que é diferente de crescimento econômico. Desenvolvimento sustentável não é mais do mesmo, é diferente, sobre algo melhor. Isso significa, primeiro manter a escala e melhorar a base qualitativa da produção. Herman Daly chama isso de “Condição Estacionária”, ilustrada pela seguinte analogia: uma biblioteca lotada em que um livro só pode entrar se for para substituir outro, e o que entra deve ser melhor do que o que sai. Após um tempo, teremos uma melhoria significativa do padrão de livros, as pessoas ficarão mais cultas e a escala ou quantidade de livros foi mantida. Aplicando-se a condição estacionária à empresa (e sua cadeia produtiva), a lógica seria não produzir mais do mesmo, porém, produzir de forma diferente e com melhor qualidade. Ou seja, a escala da empresa, primeiro, é mantida constante enquanto as melhoras são qualitativas (desmaterialização e substituição de matéria-prima). O que seriam essas mudanças qualitativas? O aumento de duas eficiências[1">: a eficiência com que o patrimônio natural (capital) gera serviços (renda), e a eficiência no uso de recursos naturais (renda) provenientes daquele patrimônio. A primeira eficiência está relacionada à resiliência dos ecossistemas[2"> (patrimônio natural) que precisa ser preservada a todo custo, pois é o ecossistema que provê o fluxo de serviços e recursos para o processo produtivo. Nesse sentido, deve-se substituir sistematicamente certos compos­tos persistentes e não naturais por outros que são normal­mente abundantes ou que decomponham mais facilmente na natureza. A segunda eficiência é também conhecida como ecoeficiência, cuja regra máxima é utilizar todos os recursos produzidos pela natureza (ou pelo homem) de maneira mais eficiente. Isso pode ser traduzido em desmaterialização crescente da produção (por unidade). É muito importante que no curto prazo as empresas consigam gerar riquezas mantendo a sua escala de produção. Em um segundo momento, é preciso reduzir essa escala, de transumo de energia e material, reduzindo-se à entropia. Essa lei Física é muito importante e coloca patente e cabalmente a contradição existente no Triple Bottom Line. Segundo a termodinâmica, é mais útil pensar no modelo de três esferas aninhadas, com as indústrias fazendo parte de um sistema econômico que, por sua vez, faz parte de um sistema social que, finalmente, faz parte de um sistema maior, chamado ecosfera. Essa visão é fundamental. Os sistemas econômicos e sociais já ultrapassaram os limites e regras da natureza.

SESI – Esse sistema que enxerga o econômico como parte do social que, por sua vez, é parte da biosfera é o The Natural Step (TNS), certo?

ACFC – Exatamente. Das únicas propostas prescritivas que existem no mundo, hoje, para se chegar a uma condição futura de respeito às leis naturais é o The Natural Step. Ao contrário desse sistema, aqueles que aplicam a abordagem do Triple Bottom Line na verdade reproduzem em uma escala organizacional o pensamento neoclássico sem mesmo saber disso. Mas quando se estuda a obra de Georgescu Roegan, que rompeu com esse paradigma e formulou princípios informativos realistas e progressivos, que convergem com as teorias científicas mais bem estabelecidas, e que por isso prevê as mudanças que estamos experienciando hoje no planeta, identificamos que o TNS é o único modelo organizacional prescritivo de gestão que se alinha e se orienta por essa lógica, que é a lógica real e não a lógica ficção científica neoclássica. O mais interessante é que, ao mesmo tempo, a proposta do TNS não é inflexível. O TNS reconhece que é impossível fazer a transição do dia para a noite. Por isso, coloca a ideia do backcasting, ou seja, a partir de uma visão futura de 10 a 15 anos, respeitando as leis naturais, desdobrar essa visão em passos no curto e médio prazo. Ou seja, a partir de hoje, mas sempre com o fim em mente. Assim, progressivamente, paulatinamente, sistematicamente, a empresa vai fazendo alterações incrementais e rupturas com esse modelo para conseguir se alinhar ao que de fato é sustentabilidade. Então o modelo do TNS é evolutivo e dinâmico. Não é estático. A empresa tem condições de caminhar com passos seguros orientados por três questões fundamentais: estamos caminhando para a direção correta, que é o respeito às condições naturais do sistema?; temos flexibilidade para fazer as escolhas corretas que não nos levarão a becos sem saída, ou seja, estamos realmente mudando o sistema no sentido de respeito às leis naturais?; e, finalmente, é, isso dá resultado, gera riqueza?

A ideia é que se mantenha e até aumente a geração de riqueza da empresa, o que é diferente de geração de lucro. O que adianta ter lucro hoje e detonar o meio ambiente do qual sobrevive, eliminando as possibilidades de lucro futuras? A organização consegue se sustentar porque sai de um modelo de extração, simplesmente, e passa a oferecer serviços e produtos biodegradáveis. Pega emprestado da natureza e depois devolve fechando o ciclo. Já existem empresas que fazem isso. Um caso mais conhecido é o da Interface Inc.

SESI – Seria outra forma de conseguir a matéria-prima?

ACFC – Na verdade é uma redução da necessidade de matéria-prima. Isso transforma muito o modelo produtivo ao longo do tempo de forma que não seja tão dispersivo e desgastante para a natureza. Ainda será desgastante, mas em uma escala muito menor. A empresa passa a ser um subsistema mais duradouro. Nesse sentido, o TNS se encaixa perfeitamente com a segunda lei da termodinâmica, a entropia. E o pessoal que adota o Triple Bottom Line sabe lá o que é isso?

SESI – Você falou das mudanças, que devem ser paulatinas, e que as empresas precisam de tempo para que rompam os paradigmas ultrapassados. Mas a questão tempo é um fator-chave no que diz respeito à sustentabilidade. Como o TNS vê isso?

ACFC – A proposta do TNS é a da descontinuidade. Vamos descontinuar esse modelo. Isso não significa romper com o modelo, mas sim, não continuar por enquanto, e depois romper mais à frente. Mas para poder romper precisamos começar pela descontinuação. Nem a natureza dá saltos. É inviável economicamente e operacionalmente realizar as mudanças necessárias do dia para a noite. Por isso não temos saída. Ou é isso ou então as empresas não aceitam. Não conseguimos mudar de um paradigma para outro sem construir uma ponte entre os dois. E o TNS constrói essa ponte muito bem feita.

SESI – Uma das afirmações do TNS é que o tamanho do problema é igual ao tamanho da oportunidade. O Dr. Karl-Henrik Robèrt, fundador da organização, acredita que um movimento estratégico para a sustentabilidade gera novas oportunidades, corta custos e diminui dramaticamente os impactos ecológicos e sociais. Mas ainda não vemos isso acontecer no mundo real. Como fazer para que os interesses socioambientais se sobreponham àqueles que são puramente econômicos?

ACFC – A única forma é a conscientização. Não acredito na forma impositiva. É muito interessante a própria experiência do Dr. Karl-Henrik Robèrt. Quando ele iniciou sua trajetória na Suécia, agiu de forma muito inteligente. Ao invés de procurar diretamente as empresas para que a mudança fosse feita, ele foi primeiramente à sociedade, às lideranças científicas e aos meios de comunicação. Ele conseguiu criar na antessala do mercado, que é a sociedade, um grau de consciência de tal modo que a sociedade passou a cobrar das empresas o que estavam fazendo em relação a essa problemática socioambiental. O mais interessante é que ele criou o problema para as empresas e depois vendeu a solução.

SESI – É como o sistema presente funciona, não é?

ACFC – Ele usou as armas do capitalismo contra o sistema produtivo capitalista. Na verdade as empresas o procuraram reativamente, porque estavam sendo incomodadas pela pressão da sociedade. Primeiro foram as empresas de vanguarda, que decidiram estabelecer um diálogo com essa questão, e depois as empresas de retaguarda, de forma ainda mais reativa, que se viram obrigadas a incorporar esses modelos de gestão para que não perdessem sua competitividade. Essa passou a ser a regra na Suécia, e não a exceção.

SESI – Mas é mais fácil conscientizar um país como a Suécia do que o Brasil.

ACFC – Sem dúvida. O problema da ignorância a respeito dessa questão está bastante diluído. Principalmente no nosso governo, que não tem uma proposta, uma consciência necessária, e perde muitas oportunidades com isso. Oportunidades inclusive de vantagens comparativas e competitivas em relação a mercados internacionais. Recentemente, tivemos o Bill Clinton em Manaus dizendo que o Brasil poderia liderar o mundo na questão socioambiental. E não o faz! Isso faz parte do modelo mental da estrutura de poder que já está à frente do nosso país há algum tempo e ainda continuará por mais algum. Torcemos para que esse grupo faça o melhor trabalho possível. Porém, é preciso que aumente o grau de consciência relativa a essa questão. Um caminho muito interessante para os ambientalistas seria, ao invés de brigarem com as empresas, entenderem os mecanismos de mercados influenciados pela sociedade e utilizá-los para conseguirem o que querem. Primeiro alertando e sensibilizando a sociedade e os consumidores. Por sua vez, a sociedade poderia cobrar das empresas uma postura proativa nessa questão. E aí, as empresas seriam naturalmente obrigadas a fazer muito mais do que elas fazem, que muitas vezes fica restrito às imposições da legislação ou ainda aquém disso.

As empresas que vão além da conformidade legal, que fazem mais do que são obrigadas pela lei, são aquelas que viram uma oportunidade de ação e hoje colhem os frutos dessa decisão que tomaram, mesmo que ainda seja pouco. O desafio é fazer com que haja muito mais paixão e propósito nas companhias do que existe atualmente.

SESI – Dá para ter esperança?

ACFC – A única solução é ter esperança. O que é viver sem esperança? E não dá tempo para sermos pessimistas. Temos que ser otimistas. E não estou falando de um otimismo romântico, que acredita que um ser supremo vai criar a solução. Temos que fazer a nossa parte. A solução ou uma parte dela pode ser criada por forças maiores, entretanto nós somos responsáveis por isso e devemos trabalhar para que isso mude. Devemos ser parte dela. Temos que ser também práticos. “Sermos a mudança que queremos ver no mundo”, como dizia Gandhi. Se nós que estamos sensíveis a essa questão não formos capazes de ser isso ou de mostrar isso em nossas ações, o que dirá daqueles que não estão? Por isso, é muito importante que os cientistas, os intelectuais, os filósofos, consigam transmitir a mensagem com simplicidade, inteligência e beleza. Se não fizerem isso, as pessoas não mudarão por si só. A mudança não é a regra. “Ela é muito boa, desde que não me afete”.

O que está acontecendo hoje na sociedade nada mais é do que uma projeção, um efeito da forma como nós nos relacionamos com nós mesmos e com a vida. É tudo muito superficial. Vivemos em uma época muito interessante em que os meios de comunicação possibilitam chamar a atenção para modelos, posturas e condutas renovadoras. Da mesma forma que o mal, no sentido de destruição, pode ser muito bem veiculado, também a construção, o bem, pode ser. Não quero ficar naquela dicotomia de bem e mal. Mas somente utilizar o exemplo no sentido de que podemos construir um futuro melhor ou destruí-lo. Os profissionais da comunicação têm um papel muito importante. Eles são o elo, a ponte que pode mostrar quais são os modelos de sucesso que queremos construir. E temos que ser inspirados por essa visão de futuro e não pelas experiências passadas.

*André Coimbra Felix Cardoso é professor da UFSCar (Campus de Sorocaba) e doutorando na FEA-USP de São Paulo em Administração Geral. Possui Mestrado em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC, 2005) e gradução em Ciências da Administração pela mesma instituição (UFSC, 2003). É membro do Programa de Gestão Estratégica Sociomabiental da FIA (PROGESA/FIA), e do Projeto Temático GINEBRA (Gestão para a Internacionalização de Empresas Brasileiras), em específico, do subprojeto 6 – Gestão Socioambiental das Empresas Transnacionais. Dentre as disciplinas que lecionou e leciona atualmente, estão: Administração Estratégica, Psicologia Organizacional, Sustentabilidade para Empresas; Fundamentos de Administração; História do Pensamento Administrativo; Organizações e Sociedade; Sistemas de Gestão da Responsabilidade Social; Estratégia Avançada; Planejamento Estratégico; Balanced Scorecard (BSC); Inteligência Competitiva; Marketing Estratégico; e Logística e Operações.

** Henrique Andrade Camargoé diretor de redação do portal Mercado Ético. Atua na área de jornalismo há 10 anos, tendo conquistado a medalha de ouro no Prêmio Malofiej, concedido pela Universidade de Navarra às melhores reportagens infografadas do mundo. Também foi finalista diversas vezes do Prêmio Abril de Jornalismo. Morou em Londres por quatro anos, onde estudou temas ligados ao jornalismo de viagem e, também, à internet. Atualmente, está se especializando em Gestão Socioambiental para a Sustentabiliadde, na Fundação Instituto de Administração (FIA).

[1"> A sustentabilidade de uma organização depende fundamentalmente de sua robustez perante os fatores críticos do ambiente (sistemas naturais, sociais, econômicos, culturais, institucionais e tecnológicos), no cumprimento de sua missão. Robustez é o equilíbrio entre eficiência do subsistema organização e resiliência dos demais subsistemas (ecossistema), visando à sua manutenção e, ao mesmo tempo, a autoperpetuação dos sistemas. A eficiência mede a capacidade de um sistema para processar os volumes de matéria relevante, energia ou fluxos de informações. Resiliência mede a capacidade de um sistema para fazer face ou se recuperar de uma perturbação: os motivos pelos quais os sistemas altamente funcionais trabalham bem: auto-organização, resiliência e hierarquia (Meadows, 2008, p. 75). Todos os sistemas complexos, tanto os naturais como o monetário e o financeiro, tornam-se estruturalmente instáveis sempre que a eficiência é enfatizada ao extremo à custa da diversidade, interconectividade e da resiliência crucial que eles proveem. A eficiência mede a habilidade de um sistema para processar fluxos relevantes de matéria e energia (capacidade de manter sua integridade ao longo do tempo), enquanto a resiliência mede a habilidade de um sistema em se recuperar de distúrbios (alternativas de ação). Ambas são variáveis centrais, tanto para a eficiência como para a resiliência, mas atuam em sentidos opostos. Adiciona-se a isso a questão do porte (de espécies ou de empresas / economias) à eficiência e resiliência como determinantes para a vitalidade dos sistemas (ecológicos ou econômicos). (Ulanowicz, 2009; Goerner, Lietaer e Ulanowicz, 2009; Lietaer, Ulanowicz e Goerner, 2009).

[2"> O que está sendo explorado em cada caso, que um economista poderia chamar de ‘recurso natural renovável’, é uma população biológica de determinada espécie, e qualquer população biológica só pode se manter se o número de indivíduos que estão sendo retirados dela for menor do que sua capacidade natural de se recompor, já levando em conta a mortalidade natural (isto é, não devida à exploração), a qual continuará ocorrendo. A única maneira de saber se uma exploração é de fato sustentável é por meio de um monitoramento demográfico a longo prazo da população biológica em questão, que mostre conclusivamente que ela não está declinando. Parece de fato óbvio, mas em pouquíssimos projetos propostos como de uso “sustentável” isso é feito. Na maioria dos casos, o que se faz é apenas propor uma forma de exploração de recursos, levando em conta interesses individuais ou locais, que tenha um impacto ecológico menor do que a forma atual ou do que formas alternativas mais devastadoras. No entanto, é preciso lembrar que o fato de uma forma de uso de recursos ser menos danosa que as alternativas não implica necessariamente que ela seja sustentável. Na verdade, raramente existe conhecimento demográfico suficiente para demonstrar que usos anunciados como sustentáveis de fato o sejam. Ao contrário, em alguns casos em que o conhecimento existe, o que tem ficado claramente demonstrado é que a utilização supostamente sustentável de recursos na verdade não o é. (Fernandez, 2005)

(Mercado Ético/SESI)





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