C&T, orçamento e políticas públicas

Data: 27/07/2011

José Marcos Domingues

O Brasil parece estar retrocedendo e perdendo terreno na corrida pelo Saber. Investindo menos em ciência e tecnologia, voltamos a vender commodities e a comprar produtos com alto valor agregado em grande escala. Tem razão o ministro Mercadante ao dizer que "quem compra pronto não lidera". E fica mais pobre.



O professor Wanderley de Souza alerta para a necessidade de se vincularem recursos ao setor ao invés de se continuar tangenciando a falta de verbas valendo-se de fundos setoriais, que, todavia, são setoriais, beneficiam mais os segmentos que mais contribuem para eles, quando deveriam advir "do Tesouro para a área de C&T, como se faz para Educação e Saúde". Será necessário esperar as verbas do pré-sal para termos recursos garantidos para C&T?



O problema é que o Brasil não tem orçamentos sérios e aos governos não agradam as vinculações de recursos, pois esta tira deles a liberdade para gastar onde lhes apraz ao longo do ano, para contingenciar verbas, descumprindo as políticas públicas constitucionais e legais, legitimamente postas em números nos orçamentos.



Está na mídia: a Lei de Diretrizes Orçamentárias está em impasse porque o Executivo e o Congresso estão discutindo o contingenciamento de emendas do Congresso em face do PAC do governo: a discussão não se foca em políticas públicas de verdade, que atendam agora o interesse nacional: e que Nação pode ser forte sem pesquisa e criação de conhecimento próprio?



Diante do quadro descrito pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, de que "os cortes [no orçamento"> do MCT não fazem sentido", a conclusão é que no Brasil emergente falta vontade política para evitar que submirjam a vida, a esperança e a felicidade de um povo que trabalha e paga 40% do PIB em impostos não empregados nos fins a que se destinam.



A situação é inaceitável, mormente quando se vê que existem projetos não aproveitados e há verbas não empregadas, que afundam a decolagem de programas empacados pelo desrespeito, sobretudo, à lei orçamentária que anualmente contempla as políticas públicas, que não se vêem implementadas pelo desvio de finalidade dos recursos que deveriam concretizar as decisões magnas do Parlamento em consenso com o Executivo.



A ridicularização do orçamento no Brasil chegou ao ponto de se cunhar o epíteto peça de ficção para significar o descaso do Executivo com o planejamento ("determinante para o setor público", conforme art. 174 da Constituição); mas não se deve esquecer que muitas vezes a Receita é superestimada para acomodar ações populistas ou emendas político-partidárias, tudo a indicar um conluio nefasto ao bem comum. E aí vêm os cortes ou os contingenciamentos da despesa... Paga o justo pesquisador pelo pecador político.



A Cidadania deve reagir com justa indignação. E os tribunais precisam proceder a um controle jurídico dos orçamentos públicos, sobretudo o Supremo Tribunal Federal (diga-se em abono ao STF que ele passou a admitir realizar esse controle, inclusive ordenando a realização de ações de saúde pública legisladas e não executadas, havendo ali inclusive manifestações em favor da determinação judicial de resguardo de direitos fundamentais em caso de omissão legislativa, ou inércia do Poder Público, até porque a desculpa não muda: "Falta de orçamento". Em outros casos, há orçamento mas não chega a verba, o financeiro).



As finanças públicas nacionais não suportam orçamento ficção, carga tributária de Primeiro Mundo e serviços públicos de Terceiro Mundo. A ciência brasileira e a economia brasileira, e a independência do Brasil, não podem ficar à mercê de interesses imediatistas, sem planejamento nem metas.



É preciso que o Estado se reencontre com a Cidadania, a verdadeira destinatária da atividade pública, de molde a que seus ideais e oportunidades de um futuro digno e autônomo (e isso depende de investimento público na geração de conhecimento) não se percam na infidelidade ou na insinceridade orçamentária, mas que se realizem plenamente através de políticas públicas postas em cifras, probas e eficientes, e executadas. O descaso político não pode condenar o país ao atraso no desenvolvimento socioeconômico.



José Marcos Domingues é professor titular de Direito Financeiro da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e coordenador do Núcleo de Estudos em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento (Nefit/Uerj).





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