Encontro para pensar o Brasil

Data: 13/07/2011
Apesar de eleger o Cerrado como tema principal, a 63ª Reunião da SBPC, em Goiânia, busca discutir os mais variados problemas do País. Presidente da entidade defende maior participação de cientistas na elaboração das políticas públicas.


"A ciência quer ser ouvida." Esse é o discurso mais repetido em praticamente todos os eventos que compõem a programação da 63ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que ocorre esta semana na Universidade Federal de Goiás (UFG). Mais do que apresentar pesquisas de ponta, o maior evento científico da América Latina, que deve reunir até a próxima sexta-feira cerca de 10 mil pessoas por dia, tem o objetivo de mostrar como o conhecimento científico pode ser útil na resolução dos problemas que afligem os brasileiros.


A solução para a fome, a violência urbana, a precariedade da educação, os problemas relacionados à corrupção ou os desastres ambientais, dizem os cientistas, deve passar pelo que é pensado e produzido nos centros de pesquisa Brasil afora.

Todos esses temas, e tanto mais, estão representados nos diversos painéis e mesas redondas do encontro. Segundo a presidente em exercício da SBPC, Helena Nader, a sociedade precisa aprender a valorizar a ciência como uma forma de se pensar as políticas públicas. "A ciência não se baseia em preconceitos, em posições políticas, ou ideológicas, em pontos de vista. Acho que essa imparcialidade pode ajudar o Brasil a trocar a luta de ideias - em que pelo menos uma das partes sai descontente - pela busca do consenso", defende a cientista, biomédica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e que amanhã toma posse definitivamente no cargo à frente da entidade que agrega quase 100 associações científicas nacionais.

A defesa da participação científica na elaboração das políticas públicas ficou evidente recentemente durante a polêmica discussão do novo Código Florestal. A SBPC e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) elaboraram em fevereiro um livro reunindo mais de 300 artigos sobre a questão. "Toda a discussão sobre o tema tem sido polarizada entre os representantes do agronegócio e os ambientalistas. Essa discussão passa apenas pelo interesse de dois grupos, e não os do Brasil", afirma Helena. "É inegável que é preciso preservar o meio ambiente e a água, mas também não é possível ignorar que 60% do PIB nacional vem do agronegócio, e que a produção de alimentos tem um papel cada vez mais importante. Daí a necessidade de uma discussão mais isenta, que só a ciência pode promover", acredita a presidente da SBPC, para quem a votação da nova legislação deve passar pela Comissão de Ciência do Senado Federal.

Busca de soluções - Não por acaso, o tema central da reunião deste ano são os desafios e o potencial do Cerrado. O segundo maior bioma do país - atrás apenas da Floresta Amazônica - estende-se por oito unidades da Federação, em mais de 2 milhões de quilômetros quadrados, e sofre diversas ameaças. Elas vão de pragas como o mexilhão-dourado, que já invadiu os rios do Pantanal, a disputas entre as reservas ambientais e as crescentes metrópoles urbanas e industriais.

Para os especialistas reunidos em Goiânia, a ciência é a maior arma para lidar com novos e antigos problemas que afligem a típica savana do interior brasileiro. "O solo do Cerrado é pobre de nutrientes e tem características físico-químicas muito peculiares, como a grande necessidade de fósforo para o desenvolvimento da agricultura", explica Pedro Antônio Pereira, presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). "Durante os últimos 35 anos, esse solo foi superexplorado primeiro pela cultura do arroz e posteriormente pelas pastagens, chegando a um nível de degradação extremo", conta o especialista, que participou ontem da conferência Cerrado: água, alimentos, energia e pesquisa agropecuária.

O problema é grave em algumas regiões como no Triângulo Mineiro, onde a agricultura altamente mecanizada é responsável por uma parcela considerável da produção agrícola nacional. "O município de Frutal, por exemplo, possui a maior quantidade de pivôs para irrigação de lavouras na América Latina. Lá, a retirada excessiva de água do subsolo vem comprometendo a qualidade ambiental", alerta Romualdo Campos Filho, professor do Instituto de Estudos Socioambientais da UFG. "A experiência de regiões como as zonas áridas da Austrália e do oeste dos Estados Unidos e o deserto do Mar Morto, na Ásia, mostram que a retirada excessiva de água pode ser catastrófica", completa o pesquisador, que participou da mesma conferência.

Na opinião de Pereira, da Embrapa, esses casos são exemplos claros de situações em que a ciência já encontrou soluções. "Existem técnicas de irrigação por gotejamento que economizam água e diminuem o desperdício", exemplifica o cientista. "No caso dos solos, já foram desenvolvidas inúmeras técnicas de recuperação, que usam inclusive espécies comerciais como o milho e a soja, que atuam na recomposição do nitrogênio perdidos ao longo dos anos. Soluções não faltam. O que é preciso são políticas públicas que as coloquem em prática", completa.

Batalha pelo pré-sal - Ao realizar uma conferência na 63ª Reunião Anual da SBPC, o ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, alinhou-se ontem com a entidade científica e defendeu, como havia feito no domingo, o uso dos royalties do petróleo da camada pré-sal para financiar os gastos públicos em educação, ciência e tecnologia. Esse desejo já havia sido manifestado no ano passado pela SBPC e pela Academia Brasileira de Ciência (ABC). Na opinião do ministro, seria um "erro histórico" se o país não utilizasse os recursos do pré-sal dessa forma. Ele cobrou ainda mais ação por parte da comunidade científica na luta por essa verba.

A diminuição de recursos para a área de ciência e tecnologia é uma das maiores preocupações manifestadas pelos especialistas reunidos em Goiânia. No domingo à noite, ao discursar na cerimônia de abertura do encontro, a presidente da SBPC, Helena Nader, lamentou o possível corte de 25% na pasta de Mercadante, prevista no Orçamento da União este ano. "Não podemos concordar que um país que chegou à 13ª posição em produção científica tenha um retrocesso desses", defendeu. Caso se confirme, esse será o primeiro corte de recursos para o setor em sete anos.

Empresas - Em sua apresentação ontem, o ministro disse que o País ainda precisa dar um salto gigantesco na área de pesquisa, para deixar de ser apenas um importador de produtos de média e alta complexidade. Segundo um cálculo apresentado por ele, o Brasil precisa exportar 21 mil toneladas de minério de ferro para importar uma tonelada de chip.

Outro problema apresentado por Mercadante é a falta de iniciativa do setor privado. Segundo ele, as empresas nacionais ainda não investem o bastante no desenvolvimento de novas tecnologias. Para o ministro, apenas quando o país se tornar produtor poderá almejar

(Correio Braziliense)




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