Instabilidade no desenvolvimento científico no Brasil

Data: 12/07/2011

Artigo de Wanderley de Souza

Em uma democracia cabe ao Poder Executivo, mas com importante participação do Congresso Nacional, a definição das grandes prioridades nacionais para as quais os recursos do tesouro, bem como de outras fontes, são destinados. No que se refere à área de Ciência e Tecnologia (C&T) a tradição brasileira até quase o final da década de 1990 era no sentido de assegurar um orçamento com recursos do tesouro. Este orçamento, sobretudo no chamado Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico atingiu R$ 1 bilhão em 1978. A falta de uma convicção quanto à importância do setor de C&T para o desenvolvimento nacional levou a uma queda do orçamento, que atingiu R$ 40 milhões em 1991. Uma engenhosa operação realizada pelos colegas do MCT no governo FHC permitiu a criação de um conjunto de Fundos Setoriais. Estes fundos, oriundos da atividade empresarial em vários setores, cresceram significativamente e permitiram um desembolso financeiro para a área de C&T recorde, da ordem de R$ 2,8 bilhões, em 2010. Eles têm sido fundamentais para irrigar o parque científico, tecnológico e da inovação no Brasil. No entanto, cabe sempre lembrar que eles não são oriundos da fonte tesouro, que deveria ser o sustentáculo da atividade em uma área estratégica, como é a de C&T. Infelizmente, ao longo dos anos e das discussões sobre a constituição que nos rege, não houve a iniciativa de se vincular parte da receita da união para a área de C&T, como foi feito para educação e saúde. Felizmente, os estados tiveram uma visão diferente e vincularam o orçamento das fundações de apoio à pesquisa, à arrecadação, o que representa hoje cerca de R$ 1,7 bilhão.



O crescimento dos recursos liberados entre 2003 e 2010 permitiu que iniciativas importantes surgissem, e projeções de crescimento para os próximos anos foram feitas pelos vários grupos de pesquisa. A redução do orçamento do MCT para 2011 deve obrigatoriamente nos levar a novas reflexões sobre a sustentabilidade do atual sistema de financiamento à C&T no Brasil. Não será o momento da comunidade científica atuar visando convencer a sociedade, e os poderes executivo e legislativo da importância decisiva do setor para assegurar o desenvolvimento econômico e social? Não deveria a área de C&T ter tratamento equivalente às áreas de educação e saúde, tendo assegurado um percentual da receita do governo federal? É claro que as áreas de planejamento e finanças reagem negativamente todas as vezes que se fala em vinculação de receita.



Cabe ainda lembrar que os fundos setoriais, sustentáculo principal do apoio à ciência no Brasil de hoje, são oriundos da atividade econômica em vários setores e tendem a ser utilizados cada vez mais para apoio à inovação. É fundamental reforçar o orçamento do CNPq e do MCT para ampliação dos programas de bolsas e de auxílios básicos bem como de programas importantes como o de apoio a núcleos de excelência (Pronex), Instituto Nacionais de Ciência e Tecnologia, Biotecnologia, Nanotecnologia, entre outros.



A Ciência brasileira adquiriu prestígio internacional e maturidade graças ao esforço de muitos nos últimos anos. Estamos em um momento crítico onde surgem possibilidades reais de um melhor aproveitamento dos conhecimentos adquiridos e dos recursos humanos formados para a necessária transformação de conhecimento em serviços e produtos que possam ser percebidos de forma clara pela sociedade. Este me parece o momento adequado para, partindo de uma mobilização da comunidade científica, chegarmos à sociedade e ao congresso no sentido de dar uma maior estabilidade ao financiamento à atividade científica no país. Os estados já fizeram a sua parte. A união, concentradora dos maiores recursos arrecadados, precisa seguir o exemplo.



Wanderley de Souza, professor titular da UFRJ, é diretor de Programas do Inmetro e membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina



Jornal do Brasil


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