Um Código sustentável

Data: 11/07/2011

Israel Klabin

As atuais discussões no âmbito do Congresso Nacional para a aprovação do novo Código Florestal não devem ser pautadas por disputas partidárias ou demonstrações de força de um ou outro elo da cadeia política, nem privilegiar a agenda de agentes econômicos. Ao contrário, o debate deve fazer prevalecer uma visão de futuro em relação ao tema da sustentabilidade. Afinal, o formato final do novo Código Florestal é assunto sério demais para ser alvo de quedas de braço que pouco têm a ver com o verdadeiro interesse nacional.



Não faltam razões para que o quadro atual seja visto com preocupação. Um exemplo é o estudo patrocinado pelo Banco Mundial e divulgado pela revista "BioScience" este ano. O trabalho demonstra que se 20% da Amazônia forem atingidos pelo desmatamento a região passará por um processo de desertificação (o efeito Amazon Dieback), especialmente grave no sul e no leste da floresta. Nesse contexto, a anistia para crimes de desmatamento proposta pela votação do Código Florestal na Câmara dos Deputados pode ser considerada verdadeira roleta-russa para toda a região, considerada de fundamental importância para o equilíbrio climático do planeta.



Por isso, é bastante alentador ver a presidente Dilma Rousseff sinalizar sua intenção de vetar a chocante proposta de anistia ao desmatamento, que uma vez aprovada funcionaria como senha para o avanço do desmatamento, depois de tantos esforços de diferentes setores da sociedade para frear esse processo nocivo nos últimos anos. A preocupação não poderia ser maior quando se sabe que a região precisa mesmo é de uma movimentação em direção oposta, ou seja, um reflorestamento agressivo capaz de aumentar a margem de segurança e conter o índice de cerca de 18% de área desmatada já atingida (muito perto, portanto, daqueles 20% considerados fronteira de um estado de desertificação).



Também é essencial regulamentar o controle da exploração da floresta a partir da esfera federal. Permitir aos estados e municípios determinar os limites aceitáveis de desmatamento em seus territórios é uma receita para o desastre. Como a cada dois anos realizam-se eleições para prefeitos ou governadores no país, tal liberdade de decisão em níveis locais significaria abrir espaço para toda sorte de influências resultantes de variáveis políticas capazes de afetar a floresta amazônica. Esta deve ser manejada como um sistema integrado, e por isso tratamentos diferenciados exercitados por estados e municípios de acordo com suas conveniências transformariam rapidamente a região em um mosaico incontrolável e imprevisível.



O governo federal não pode permitir o desmatamento pensando que ampliará e democratizará o acesso à terra, com isso gerando um suposto aumento da produtividade do setor agropecuário. Isso porque o sucesso dessa atividade econômica depende da estabilidade do ecossistema no qual ela está inserida. A tese de que a Lei Florestal é injusta para pequenos agricultores ignora todas as ações do Incra e da União com relação à política de reforma agrária, que por sinal não permite que assentamentos se instalem em florestas primárias.



O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), fundação pública federal vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, acaba de divulgar estudo que merece atenção. Ele revela que, caso a proposta aprovada pela Câmara dos Deputados seja implementada, implicará em emissões adicionais de uma quantidade entre 18 bilhões e 25 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa na atmosfera. Esse retrocesso multiplicaria em muitas vezes as emissões atuais do Brasil e nos levaria a romper os compromissos de limites voluntários de emissão aprovados pelo governo.



A presidente Dilma Rousseff será certamente reverenciada em nível internacional se atuar nessa arena de múltiplos interesses de forma a manter a reputação já conquistada pelo País: a de ter um dos melhores sistemas de proteção florestal do planeta. Não há por que não esperar do Senado brasileiro seriedade e compromisso em relação ao tema, o que significa alterar substancialmente a versão do Código Florestal aprovada pela Câmara dos Deputados. Ao mesmo tempo, não há por que duvidar do papel decisivo que terá na moldagem de uma nova proposta o senador Jorge Viana, homem cujas raízes repousam na Região Amazônica e cuja serenidade certamente contribuirá para produzir um Código Florestal à altura do Brasil e da relevância alcançada pelo país no cenário global.



Israel Klabin presidente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (SBDS).


O Globo


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