Não varra o lixo para debaixo do tapete

Data: 07/07/2011
José Luiz Portella Pereira


O lixo está à frente da sua casa. O caminhão passa e leva embora. O problema está resolvido.

Ledo engano.

Há mais coisas o entre o saco de lixo e o aterro sanitário do que a vã filosofia possa imaginar.

De cara, rejeito não é lixo. O rejeito que está à frente de casa tem resíduos que podem --e devem-- ser reaproveitados.

Como a coleta a domicílio é razoavelmente bem feita e o assunto não tem glamour, deleta-se prontamente.

A questão do lixo é marginalizada nas preocupações da sociedade. Toma-se o lixo como esgoto. Mas mesmo não estando à porta, o problema persiste.

A cidade de São Paulo produz 18 mil toneladas de lixo diariamente e menos de 1% é destinado à reciclagem.

Como lidamos com esse problema?

O sistema de coleta na cidade é realizado pelos consórcios Ecourbis e Loga Ambiental, que coletam o lixo comum e o reciclável, conduzindo-os aos aterros sanitários.

São Paulo conta com apenas dois aterros em atividade: CDR Pedreira e Caieiras. Nos extremos norte e sul da cidade. Pouco para nossa dimensão. Além de não comportarem o volume de lixo produzido hoje, proporcionam um longo passeio a 492 caminhões lotados e pesados pelas vias congestionadas. Um lixo tour descabido.

Para tentar diminuir a quantidade de lixo nos aterros, contamos também com 42 --quando deveriam ser no mínimo 500-- ecopontos --pontos de entrega voluntária de resíduos da construção civil, móveis, restos de podas de árvores e material reciclável. Um número tímido, quando comparado aos 1500 pontos viciados de descarte dos mesmos tipos de resíduos. É um acúmulo. De lixo, de doenças e de enchentes.

Geramos muito lixo para pouco espaço. O que fazer?

Primeiramente, reduzir o consumo. O que geramos é excessivo e há muito desperdício. O que é produto desejado hoje é resíduo descartado amanhã.

Segundo, reciclar: tudo que é produzido e vendido precisa retornar e ser destinado para a reciclagem de maneira adequada. É uma política de integração para solucionar o problema.

Para que essa destinação adequada seja possível, é preciso que as empresas informem ao consumidor, no ato da compra, como e onde descartar o produto. É dever do fabricante informar a localização dos postos de coleta.

É dever do consumidor destinar adequadamente. Separar os resíduos em recicláveis e não-recicláveis.

E, finalmente, é dever do gestor enxergar o problema como um todo, atuando em seus diferentes aspectos para combatê-lo.

E combatê-lo não se resume a punir o cidadão que descarta seu entulho em um ponto viciado. É preciso ir além, buscando alternativas eficazes para que ele deixe de fazê-lo. Enxergar os pontos viciados como um mapa de áreas prioritárias para implantação de novos ecopontos.

Afinal, educar ambientalmente não é punir pelo errado, mas dar condições para fazer o correto.

Os materiais que não vão para reciclagem são destinados aos aterros. Mais aterros são necessários, distribuídos pela cidade, principalmente em locais como a imensa zona leste, acoplando, na sua construção, sistemas de aproveitamento do gás metano gerado na disposição do lixo. Além de um sistema eficiente de compostagem.

Gera-se energia, melhora-se a logística.

Na política de gestão integrada do lixo, um importante ator também precisa estar presente. Segundo o Instituto Pólis, existem aproximadamente 20 mil catadores de lixo na cidade de São Paulo.

É estimado que cada catador colete 500 quilos de resíduos por dia, o que totaliza 10 mil toneladas que são encaminhadas diretamente para reciclagem, deixando de chegar aos aterros.

Apesar de serem muitos, os catadores estão organizados em poucas cooperativas. E pela superlotação dessas, muitas vezes o lixo separado pela população volta a ser misturado, tomando o mesmo destino dos rejeitos e sendo enterrado.

As políticas públicas precisam incentivar a reciclagem, principalmente através das cooperativas, para aliviar os aterros.

O lixo não é um problema que se esgota no consumo, no aterro e nem no município. Precisa de solução integrada e que seja metropolitana. Carecemos de uma Autoridade única que gerencie a operação.

Produção, disposição, coleta e destino devem ser colocados num grande mapa da região metropolitana de São Paulo. A dinâmica tem que atingir o todo.

Cidade desenvolvida trata o lixo com carinho.


José Luiz Portella Pereira, 58, é engenheiro civil especializado em gerenciamento de projetos, orçamento público, transportes e tráfego. Foi secretário-executivo dos Ministérios do Esporte e dos Transportes, secretário estadual dos Transportes Metropolitanos e de Serviços e Obras da Prefeitura de São Paulo e presidente da Fundação de Assistência ao Estudante. Formulou e implantou o Programa Alfabetização Solidária e implantou o 1º Programa Universidade Solidária. Escreve às quintas-feiras na Folha.com.

Folha.com


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